Como anda sua malhação? As pernas estão durinhas, a barriguinha bem definida e o braço bem torneado? Ótimo. E o cérebro? Também está malhadíssimo? A pergunta pode parecer inusitada, mas tem fundamento. Cada vez mais a ciência confirma a importância de se exercitar tal órgão para que as potencialidades de cada um, da memória à coordenação, sejam desenvolvidas ao máximo. Não se trata, é claro, de um trabalho muscular, até porque o cérebro não é um músculo. Na verdade, os pesquisadores defendem que é preciso manter constantemente a atividade dos neurônios (as células nervosas do órgão). Assim, o cérebro fica afiado e não atrofia, como um músculo que não é usado. A malhação, nesse caso, é feita com estímulos frequentes, como aprender um novo movimento de dança, ler sobre um assunto com o qual não se está habituado ou simplesmente mudar o caminho do escritório até a casa. Atitudes como essas, de acordo com os cientistas, são capazes de aumentar o poder de raciocínio, a concentração e até habilidades como desenhar e escrever.

Alan Rodrigues
Adriana e William incentivam a fantasia de Beatriz…

A mais nova prova de que exercitar a mente é fundamental para a juventude do órgão foi publicada na semana passada no jornal da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Pesquisadores daquele país mostraram que pessoas com o hábito contínuo de ler, jogar xadrez, fazer palavras cruzadas ou dançar estão duas vezes mais protegidas do mal de Alzheimer – doença neurodegenerativa que pode surgir com o envelhecimento – do que as que passam a vida acomodadas. Os cientistas entrevistaram os familiares de 193 pacientes com o problema para identificar os hábitos culturais dos participantes e também conversaram com 358 pessoas sãs. Todos tinham cerca de 70 anos. Eles concluíram que quem sofre do mal geralmente costumava passar horas diante da TV ou ao telefone, enquanto os voluntários saudáveis sempre exercitaram o cérebro. Os cientistas acreditam que os estímulos tiveram papel importante na proteção do cérebro contra a doença ao manter os neurônios ativos e saudáveis.

 

Carlos Magno
… e Shcolnik estuda direito
aos 73 anos

Evolução – Para entender um pouco mais por que esse tipo de manual é limitado, é preciso compreender a grandiosidade do cérebro. O órgão começa a se formar a partir da terceira semana de gestação e vai se aprimorando no decorrer da vida. O fato de haver evolução desde a fase uterina indica que os exercícios devem ser realizados com a criança ainda na barriga. Nesse caso, os pais são os principais responsáveis pela estimulação. Ela pode ser conseguida a partir de gestos simples, como manter o hábito de conversar diretamente com o bebê ou colocar músicas para o filho ouvir. Várias pesquisas indicam que esse tipo de iniciativa colabora para o desenvolvimento cerebral do pequeno.

Assim que o bebê nasce, seu cérebro tem cerca de 100 bilhões de neurônios. As células nervosas ficam esperando os exercícios, que vão estimular, aos poucos, a atividade dessa rede para que ela continue a progredir. O primeiro ano de vida é fundamental nesse processo. Isso porque é nesse período que a criança está aberta para um grande número de sinapses entre os neurônios. Sinapses são pontes feitas entre as células nervosas para a transmissão de informações por meio de sinais elétricos ou químicos. Mas, se o bebê for pouco estimulado, serão feitas poucas sinapses, o que significa uma trilha menor de neurônios ativados. Ao incentivar atividades variadas, no entanto, novas células nervosas serão requisitadas e mais sinapses serão feitas. Dessa maneira, será ampliada a malha de transmissão de informações. Essa ampliação é importante porque aumenta a capacidade do cérebro de processar o conhecimento. É como se existissem mais caminhos para esse mecanismo acontecer.

ACADEMIA PARA NEURÔNIOS
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Até um ano, o cérebro pode ser exercitado por meio de atividades simples. Um toque na pele do bebê, brincadeiras com objetos coloridos e de texturas diferentes, conversas olho no olho com os pais e outras atitudes ajudam a fazer crescer a rede neuronial. Depois dessa idade, valem outras estratégias, como incentivar a fantasia e a imaginação com a ajuda de histórias, teatrinhos e fantoches. Os pais que seguem esses conselhos não se arrependem. É o caso da paulistana Adriana Villena Nilsen, 33 anos, professora de inglês. Ela e o marido, William Nilsen, 41 anos, estimulam de forma adequada o desenvolvimento da filha Beatriz, de um ano e oito meses. O casal canta para a pequena dormir, coloca músicas folclóricas para ela escutar e também faz teatrinho de fantoches. As atividades estão ajudando, inclusive, no desenvolvimento da linguagem. “O vocabulário dela está se ampliando muito”, conta a mamãe-coruja.

Alan Rodrigues
As aulas de circuito acrobático de Renata melhoraram sua coordenação

Trunfo – Por volta dos dois anos, o estímulo que a criança recebe também é fundamental. Para se ter uma idéia, nessa fase o cérebro de uma criança consome duas vezes mais energia do que o de um adulto e tem a capacidade de realizar o dobro de sinapses. Mas a ciência já descobriu que a habilidade de formar novas redes diminui com o passar do tempo. É aí que a malhação se torna um trunfo. Isso porque, apesar de apresentar, digamos, uma queda de rendimento, o cérebro de um adulto continua capaz de estabelecer novas conexões. Só que para isso é preciso que ele continue a receber estímulos. De novo, é como o músculo. O de uma criança é rijo e definido por natureza. O de uma pessoa mais velha precisa de muito exercício para manter o tônus.

A malhação cerebral de um adulto pode ser feita de várias maneiras. Uma delas é até praticar algumas das dicas passadas por obras como a lançada pelo cientista Katz. Ao tentar abrir o carro com a outra mão, estarão se criando novas ligações entre neurônios, aumentando o número de estradas de informações dentro do cérebro. Mas os especialistas defendem que a leitura é um dos melhores exercícios. Ela mexe com várias regiões cerebrais. Além de adquirir novas informações, ler estimula a área visual e a verbal, introduzindo na mente novos vocábulos. “Também dá asas à imaginação quando se cria um rosto para o personagem”, diz Ivan Izquierdo, neuroquímico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

De fato, deve-se tentar movimentar todas as áreas do cérebro. Por exemplo, ao frequentar um curso de uma dança diferente, como o flamenco, não só músculos pouco exigidos normalmente serão trabalhados. O esforço para memorizar os passos e a música irá produzir novas conexões no cérebro, que, na verdade, está aprendendo uma outra cultura. Serão estimuladas a coordenação motora, a memória auditiva e a visual. Para a professora paulistana Vanessa Ferreira, 29 anos, o contato com a dança surgiu quando ela era ainda criança. “Desde pequena vejo minha mãe praticar danças folclóricas”, lembra-se. Seu interesse pelo assunto cresceu quando ela passou a ler mais sobre o tema. Atualmente, ela faz dança flamenca e do ventre. “Dançar me ajudou a melhorar minha coordenação motora”, conta.

De acordo com os médicos, outra arma importante para turbinar o cérebro é conhecer coisas novas. E não há barreiras para impedir o aprendizado. Nem mesmo o tempo. O médico carioca Jayme Shcolnik, 73 anos, é a prova disso. Ele não se contentou apenas em exercer a medicina. Há dois anos, enfrentou novamente o vestibular e está estudando direito. “Sempre gostei de conhecer coisas novas”, conta. O estudante também adora trabalhar com computador.

 

O poder da reabilitação
Ricardo Giraldez
Mais independente, Osmar já consegue fazer aula de pintura

Um trunfo da medicina é a possibilidade de reabilitar pacientes com lesões cerebrais. Os especialistas reconhecem a importância de investir na recuperação dessas vítimas, pois na maioria das vezes é possível tratar sequelas, como perda dos movimentos. Os cientistas sabem que, quando alguns neurônios morrem, como pode ocorrer depois de uma lesão, outras células nervosas assumem a função das que se perderam. Os exercícios estimulam os neurônios sadios a recuperar as funções que as células mortas deixaram de cumprir.

A estimulação é feita de forma gradual e de vários modos. Tudo dependerá do tipo de lesão e do grau de comprometimento sofrido pelo paciente. Se há perda de coordenação motora, investe-se em fisioterapia e em atividades como desenho e trabalhos manuais, por exemplo. Se a fala e a audição estão prejudicadas, fonoaudiólogos ajudam com exercícios específicos, e até músicas são usadas.

No trabalho de recuperação, são utilizados também joguinhos de computador para estimular o raciocínio. Técnicas como a hidroterapia (exercícios na piscina) ou equoterapia (método em que o paciente anda a cavalo para treinar o equilíbrio) são adotadas quando há melhora. Outro recurso é o uso de medidas simples no dia-a-dia. “Se temos um paciente com dificuldades para se lembrar das coisas, procuramos fazer com que ele anote seus compromissos na agenda”, ensina Anita Taub, neuropsicóloga do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

O locutor Osmar Santos, 51 anos, é um exemplo de que a reabilitação funciona. Em 1994, após sofrer um traumatismo craniano devido a um acidente de carro, seu prognóstico não era dos melhores. O episódio comprometeu seus movimentos, a fala e a capacidade de compreensão. Osmar foi se recuperando com fisioterapia, hidroterapia e fonaudiologia. Hoje, leva uma vida praticamente independente. Consegue se vestir, tomar banho e fazer a barba sozinho. “Já me sinto bem”, conta Osmar, que também faz aulas de pintura. De acordo com o neurologista Jorge Pagura, médico de Osmar, a reabilitação precisa ser feita sempre. Nesse processo, também se deve ficar de olho na emoção do paciente. Ele precisa aceitar suas condições físicas. “É por isso que a participação e o carinho da família são fundamentais”, afirma Lucia Braga, neuropsicóloga do Hospital da Rede Sarah, em Brasília.

 

Carlos Magno
… e Costa estimula o tato ao procurar a chave certa

Aeróbica – A tendência de exercitar o órgão é tão forte que até uma linha de pesquisa batizada de neuróbica foi criada. Seria uma espécie de aeróbica dos neurônios. A técnica propõe uma série de atividades para ativar as células nervosas. O mais recente reforço na área é o livro Mantenha o seu cérebro vivo (ed. Sextante). Os autores são Manning Rubin, supervisor de uma agência de marketing de Nova York, e Lawrence Katz, professor de neurobiologia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. A obra, lançada há cinco meses no País, já vendeu cerca de 25 mil exemplares, quantidade considerada boa para os padrões brasileiros.

Hélcio Nagamine
Vanessa aprende dança flamenca…

O livro ensina 83 exercícios que estimulam nossos sentidos – audição, tato, visão, paladar e olfato. O leitor pode treinar sua mente com atos como escolher frutas na feira apenas pelo cheiro, tomar banho de olhos fechados ou tentar escovar os dentes com a mão que nunca é utilizada para realizar essa tarefa. A princípio, as atividades são até prosaicas. Mas é justamente nesse fato que se encontra o segredo, de acordo com o autor. Para ele, é importante tentar modificar o que se faz habitualmente. “Em situações de rotina, as atitudes são quase subconscientes e costumam ser praticadas com um mínimo de energia cerebral, proporcionando pouco exercício à mente”, justifica Katz. Por isso é preciso ousar. Geralmente não precisamos fazer muito esforço para identificar um mamão numa feira. O simples fato de olhar a fruta já basta. Quando fazemos isso, usamos a área cerebral responsável pela visão. Mas se tentarmos localizá-lo apenas pelo cheiro, como sugere a neuróbica, com certeza teremos mais trabalho. Dessa forma, vamos ativar outras regiões não solicitadas até então. “O trabalho extra aumenta a rede de informações do cérebro, mantendo o órgão ativo”, explica Katz. O terapeuta carioca Marco Aurélio Costa, 43 anos, está seguindo os ensinamentos do autor. Desde que comprou o livro, passou a praticar os exercícios. Encontrar a chave do carro com os olhos fechados para estimular o tato é um deles. “Minha mente está mais vitalizada”, acredita Costa.

Apesar de haver consenso sobre a importância de malhar o cérebro, a obra trouxe polêmica para o meio científico. A começar pelo fato de que o órgão não pode ser equiparado a um músculo, para o qual uma lista de exercícios simples resolve. Os críticos da neuróbica lembram que o cérebro é extremamente complexo, pouco conhecido e diferente de todos os outros órgãos. Por isso, de acordo com eles, não se pode imaginar que simplesmente praticar essas atividades como quem segue um manual seja a melhor receita. “Não dá para estabelecer regras. É preciso levar em conta as diferenças individuais, como história de vida, cultura e hábitos”, ressalva o neurologista Paulo Bertolucci, de São Paulo.