O dia da tragédia começou como outro qualquer para os petroleiros. Atencioso como de costume, o operador de produção da Petrobras Sérgio Santos Barbosa, 41 anos, telefonou quatro vezes para sua casa, em Aracaju, na manhã da quarta-feira 14. Da plataforma de petróleo P-36 onde trabalhava, na Bacia de Campos, norte Fluminense, procurava saber notícias da mulher, Lucileide, e dos três filhos. Na última ligação terminou a conversa lembrando que estaria de novo com a família no dia 20. Seus planos iriam para o espaço horas depois. Na madrugada, uma das quatro colunas de sustentação da plataforma, um monstrengo de 119 metros de altura e peso de 31 mil toneladas, foi sacudida pela primeira explosão. Alguns funcionários pensaram que se tratava de um treinamento de emergência. Duas outras explosões se seguiram, incendiando parte da plataforma. Rolos de fumaça espessa subiram vários metros de altura. Desesperados, os funcionários da Petrobras – quase todos apanhados de surpresa enquanto dormiam – correram e alguns pularam na água. Das 175 pessoas a bordo, nove desapareceram e são dadas como mortas. Um trabalhador morreu carbonizado e outro teve 98% do corpo queimado. Era Sérgio Barbosa, transportado para um Hospital da Base Aérea do Galeão, no Rio, em estado extremamente grave.

Recontagem – Os demais funcionários, inclusive mulheres, começaram a ser retirados e foram levados para botes salva-vidas em grupos de oito. Alguns tiveram que esperar até três horas para deixar a plataforma. Assistiam ao incêndio, sabendo que todo aquele amontoado de metal poderia voar pelos ares bem à sua frente. Viram quando um dos funcionários correu com o corpo em chamas. “Um dos piores momentos foi a recontagem, porque percebi que alguns de meus amigos não estavam lá”, recorda o engenheiro Eduardo Ruiz. Os funcionários foram transferidos para a plataforma P-47, a 12 quilômetros de distância, e dali para o centro de convivência montado pela Petrobras, na cidade de Macaé, onde ficaram isolados. Com a maior parte do corpo queimado, Sérgio Barbosa foi levado de helicóptero para o hospital. Sua mulher viajou de Aracaju ao Rio, onde chegou na noite de quinta-feira, para acompanhar o seu tratamento. “Sérgio sempre dizia que o trabalho nas plataformas era muito perigoso. Mas entrou na empresa quando ainda era menor de idade e pretendia se aposentar lá”, recorda Lucileide.

Além do drama dos petroleiros queimados e desaparecidos, as explosões causaram danos gravíssimos à P-36. A produção diária de 80 mil barris foi interrompida e isso levará o governo a importar petróleo, complicando ainda mais a situação da balança comercial brasileira, que já está no vermelho. Vinte e quatro horas depois do acidente, a plataforma estava praticamente a pique, prestes a arrastar para o fundo do mar o investimento de US$ 360 milhões feito pela empresa. Se isso acontecer, 1,5 milhão de litros de óleo diesel e petróleo serão lançados na Bacia de Campos.

Abatido e sem o usual terno e gravata, o presidente da Petrobras, Henry Phillippe Reischtul, tentava manter os nervos sob controle. “Ainda é cedo para calcular os prejuízos. Estamos concentrando todos os nossos esforços para evitar que a plataforma afunde”, diz. Este foi o maior dos desastres de sua conturbada gestão, que contabiliza vazamentos monumentais de óleo na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e no rio Iguaçu, no Paraná, além de um número crescente de acidentes envolvendo petroleiros em todo o Brasil. Não bastassem os acidentes, Reichstul terá ainda que administrar uma provável paralisação nacional dos petroleiros, prevista para esta semana. Os trabalhadores estão indignados com a morte dos companheiros da P-36 e revoltados com a falta de condições de trabalho. Protestos pipocaram em refinarias espalhadas pelo País.

Causas – De saída levantou-se a hipótese de o acidente ter sido causado por um vazamento de gás na coluna posterior esquerda, rapidamente refutada pela diretoria da Petrobras. O diagnóstico oficial não ficará pronto em menos de 30 dias. Enquanto isso, as especulações proliferam. Do Recife, o presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, levantava a hipótese de sabotagem. “Esses acidentes fazem parte de uma manobra para desmoralizar a companhia e criar um ambiente favorável à sua privatização”, arriscou Lula. Essa possibilidade não é de todo descartada pela empresa. Mas, segundo a diretoria, essa não é a principal linha de investigação. “Seria mágico e cômodo espalhar essa versão, mas os tempos são outros. Hoje trabalhamos com transparência”, afirma um diretor.

Para os sindicalistas, a sequência de acidentes resulta da política de enxugamento imposta à Petrobras nos últimos anos. Dos 60 mil funcionários que tinha em 1990, restaram apenas 34.100. “Estão sendo utilizados muitos trabalhadores terceirizados, que não têm o mesmo compromisso com a empresa e não são tão preparados como os profissionais experientes que foram dispensados. A rotatividade é grande”, reclama Fernando Carvalho, presidente do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense. Segundo Carvalho, 86 trabalhadores morreram nos últimos três anos, vítimas de acidentes ocorridos em plataformas de petróleo espalhadas pelo País. Dessas 86 mortes, 25 teriam acontecido na Bacia de Campos, onde é produzido 80% do petróleo brasileiro. O sindicalista garante que alertou a Petrobras sobre os riscos dessa política de enxugamento, mas de nada adiantou.

Suspeitas – Mas há outras possibilidades a serem investigadas. A P-36 começou a operar em maio do ano passado, depois de passar por uma adaptação feita em circunstâncias questionáveis. A unidade fabricada na Itália em 1994 era, originalmente, uma embarcação destinada a explorar petróleo em águas rasas. Para se transformar na megaplataforma de prospecção a mais de 1.800 m, teve de passar por uma reforma. O trabalho foi entregue à empresa Navegação Marítima, de propriedade do boliviano naturalizado brasileiro German Efromovich. Praticamente desconhecido no mercado, Efromovich estava à frente de um pequeno negócio de manutenção submarina. Do dia para a noite, a Marítima passou a vencer várias concorrências realizadas na gestão de Joel Rennó, antecessor de Reichstul. Os ventos favoráveis para a Marítima na Petrobras começaram a soprar em meados de 1995. De lá para cá, a empresa mostrou não estar preparada para dar conta de tanto trabalho. Prazos começaram a ser descumpridos, levando a Petrobras a considerar a possibilidade de rescindir o contrato. A idéia não foi à frente porque o prejuízo seria ainda maior. Para fazer a adaptação da plataforma, a Marítima subcontratou uma empresa canadense. A parceira estrangeira também se mostrou incapaz de cumprir o contrato devido a seus graves problemas financeiros. O trabalho atrasou praticamente quatro meses, o que obrigou a Petrobras a desembolsar US$ 45 milhões suplementares para arrematar o serviço.

80 graus – “Estamos considerando a hipótese de falhas na fabricação”, afirmou o diretor do Sindicato dos Petroleiros, Mozart Queirós. A Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) engrossa o coro defendendo a tese de que a P-36 tinha um erro fundamental no seu projeto. Segundo Argemiro Pertence, diretor da entidade, o queimador de gás natural, que, pelas normas de segurança, tem de ficar longe do deque principal, foi instalado bem no centro da plataforma. “Por isso, a temperatura na base da plataforma chegava a atingir 80 graus centígrados”, denuncia Pertence – engenheiro que trabalhou durante 25 anos em plataformas de petróleo. Há esta hipótese de a alta temperatura ter alterado o funcionamento dos equipamentos e prejudicado a detecção de uma eventual irregularidade. O gerente da Área Sudeste de Exploração e Produção, Carlos Tadeu, descarta esta possibilidade e assume integralmente a responsabilidade pelo acidente. “Não houve falha no projeto. Acompanhamos todo o trabalho da Marítima. Deslocamos pessoal técnico qualificado para acompanhar todas as fases do projeto”, assegura Tadeu. O gerente-geral da Petrobras, Eduardo Bellot, admitiu que a causa do acidente pode ter sido o acúmulo de um bolsão de combustível na coluna da plataforma. A mesma onde estariam os corpos dos nove funcionários desaparecidos.

Investigação – O ministro das Minas e Energia, José Jorge, e o do Meio Ambiente, José Sarney Filho, passaram a quinta-feira acompanhando de perto o resgate das vítimas. Uma comissão de deputados federais também esteve em Macaé. Os parlamentares pretendem formar uma comissão para analisar vários aspectos do acidente, entre eles o contrato assinado com a Marítima e a terceirização do trabalho. Reichstul deverá ser convocado a comparecer ao Congresso, na próxima terça-feira 20, para prestar esclarecimentos. O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, considera que esse acidente poderia ter sido evitado caso a empresa cumprisse as decisões judiciais que a obrigam a criar Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas). O procurador Rodrigo Carelli afirma que de 1997 para cá seis ações já foram impetradas contra a estatal pela não instalação das Cipas.

As explosões incendiaram também o mercado, que despencou com as notícias do acidente. Os papéis da Petrobras caíram 5,7% na Bovespa, e na Bolsa de Nova York a queda chegou a 6,9%. “Teremos que aumentar a importação de petróleo”, prevê o presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP), David Zylberstajn. Ele considera, no entanto, que o acidente não deverá afetar o preço dos combustíveis no mercado interno. O seguro da plataforma é de US$ 500 milhões, feito por um consórcio capitaneado pelo Bradesco.

O País perde mais do que a empresa

Carlos Drummond

Carlos Rosa/Ag. O Dia
Sérgio chega ao Rio ferido

A explosão da plataforma de exploração de petróleo P-36 da Petrobras, no campo de Roncador, no Rio de Janeiro, no último dia 14, atingiu com gravidade, além de pessoas que trabalhavam no local, a balança comercial do Brasil. Com o acidente, deixaram de jorrar diariamente 80 mil barris de petróleo. O País extrai 1,32 milhão de barris e importa 300 mil por dia. A perda exigirá uma importação adicional de petróleo que pode custar cerca de US$ 1 bilhão por ano, calcula a analista Márcia Zugaib, da Latinvest Asset Management do Brasil, de São Paulo. Cálculos feitos por ISTOÉ mostram um rombo de pelo menos US$ 820 milhões. As estimativas publicadas pela imprensa no dia seguinte ao do desastre oscilam de US$ 600 milhões a US$ 1,02 bilhão. As variações se devem a avaliações diferentes quanto ao ritmo do aumento da capacidade da P-36, que até o final do ano deveria chegar a 100 mil barris diários. Também há projeções distintas da evolução do preço do petróleo até dezembro.

Na melhor das hipóteses, a importação de petróleo que não estava prevista dobrará o saldo negativo da balança comercial este ano, que chegaria a US$ 610 milhões de acordo numa pesquisa feita no dia 9 pelo Banco Central. A possibilidade de redirecionar parte da produção do campo de Marlin – o maior do Brasil – da exportação para o mercado interno não reduz o impacto na balança, por implicar perda da receita da respectiva venda externa.

O impacto econômico para a empresa será proporcionalmente menor do que o efeito para o País. O faturamento de 2001 deverá chegar a US$ 30 bilhões, segundo estimativa de Jouji Kawassaki, sócio-diretor da Lafis – Pesquisa de Investimentos na América Latina, empresa de São Paulo. A ausência da produção da P-36 não afeta esta conta, porque a Petrobras substituirá a obtenção de petróleo no País com importações para vender internamente. O impacto acontecerá no custo das vendas, que aumentará por conta das importações. O barril de petróleo extraído pela própria Petrobras no Brasil custou US$ 7 em 2000. No mesmo ano, a empresa pagou US$ 28 para cada barril comprado pela empresa no Exterior, lembra Mauro Massaro, gerente de análise da Planner Corretora, de São Paulo.

O desastre da P-36 deverá reduzir o lucro da Petrobras em aproximadamente US$ 400 milhões, prevê Márcia Zugaib. A empresa estima uma perda de US$ 450 milhões. A produção do campo de Roncador poderá permanecer interrompida por até três anos, tempo necessário para a construção de uma nova plataforma, no caso de perda total.

A urucubaca de Reichstul
Nelson Perez/Valor;Edson Silva/Gazeta do Povo;Reprodução
O fiasco de Reichstul com a PetroBrax e os vazamentos que poluíram a Baía de Guanabara e o rio Iguaçu: manchas na atual gestão

No mês em que comemora dois anos à frente da maior empresa do País, Henry Philippe Reichstul tem poucos motivos para se orgulhar. Apesar do fabuloso lucro de R$ 10,1 bilhões obtido em 2000, sua gestão tem sido marcada por atropelos e desastres. Escolhido a dedo pelo governo para tocar a transição do monopólio estatal para a fase da Petrobras moderna e flexibilizada, Reichstul dificilmente deixará o cargo com boas lembranças. Só este ano ocorreram quatro acidentes na Bacia de Campos, na região norte fluminense. Há um mês e meio, uma plataforma vizinha à P-36, a de Namorado, também foi atingida por um acidente. Só que de proporções menores e sem vítimas fatais.

Em janeiro de 2000, um vazamento da Refinaria Duque de Caxias espalhou 1,3 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara, atingindo 23 praias. Foi o segundo maior acidente ecológico ocorrido na região. Dois diretores caíram e a empresa ainda amargou uma multa do Ibama de R$ 51 milhões. Em junho, uma explosão, seguida de incêndio na Refinaria de Landulpho Alves, na Bahia, matou um operário e feriu outros quatro. Em julho, outro vazamento de proporções gigantescas (quatro milhões de litros), na Refinaria Getúlio Vargas, no Paraná, espalhou-se por cerca de dez quilômetros no rio Iguaçu.

Além dos vazamentos que sujaram a imagem da empresa, Reichstul passou pela desastrosa tentativa de mudar o nome da companhia. Em menos de 48 horas, no Natal de 2000, a Petrobras perdeu o S, virou PetroBrax e voltou a ter o seu nome original de batismo. Foram gastos nada menos que R$ 2,3 milhões. A alegação para a mudança não convenceu: “O nome Petrobras estava muito ligado ao monopólio. Hoje em dia, o final bras é muito mais um ônus que uma vantagem”, justificou o presidente na época. Pressionado à esquerda e à direita, Reichstul foi obrigado a esquecer o assunto. Resta saber qual será o efeito dos muitos desastres acumulados.

Tecnologia em busca da auto-suficiência
Ricardo Malta
A Petrobras quer se livrar das importações até 2005

Hélio Contreiras

Até o acidente de quinta-feira, a exploração de petróleo no Campo de Roncador era feita a 1.853 m de profundidade. Para se ter uma idéia, isso representa quase três vezes a montanha do Corcovado. O Brasil começou a fazer elevados investimentos na exploração do petróleo no fundo do mar, após ter sua economia fragilizada na primeira crise mundial do produto, em 1973, quando adotou também os contratos de risco para as empresas estrangeiras. Na década de 90, a Petrobras ganhou o prêmio da Offshore Technology Conference (OTC), organização sediada nos Estados Unidos, “pelo domínio da complexa tecnologia de águas profundas e pela qualidade de seus serviços de prospecção”. O desenvolvimento da tecnologia de exploração em águas profundas permitiu uma crescente produção de petróleo na Bacia de Campos. Em 1977, no Campo de Enchova, a prospecção chegava a apenas 124 metros. Com o aprimoramento da tecnologia, o País pôde fazer uma reserva de dez bilhões de barris/dia de óleo e 163,1 bilhões de metros cúbicos de gás. Em no máximo cinco anos, a Petrobras acredita que poderá chegar à auto-suficiência do produto.

O acidente da quinta-feira atinge a companhia em um momento delicado. Pela primeira vez, no mercado interno, enfrenta uma concorrente que também domina a tecnologia de águas profundas, a British Petroleum. A empresa britânica vai investir US$ 1 bilhão no Brasil, até 2005, quando pretende começar a explorar o petróleo brasileiro. Nos próximos anos, a Petrobras ainda terá de garantir a permanência dos seus técnicos e engenheiros, disputados no mercado. Do contrário, a segurança de suas instalações vai correr novos riscos e a produção poderá cair.

A vida numa panela de pressão flutuante

Eles passam boa parte da vida num constante ir e vir, entre o mar e a terra firme. Normalmente, ficam 14 dias embarcados sem ver a família e outros 21 dias em casa. Funcionários que trabalham em plataformas de petróleo costumam dizer que sofrem de uma síndrome rara: a psiconeurose situacional. “Na plataforma não existe margem para acerto e erro, e qualquer equívoco pode ser fatal”, explica um técnico. Em alto-mar, tenta-se de tudo para criar um clima ameno. Boa parte das plataformas é dotada de academia de ginástica, quadra de esportes e até cinema. Mas o medo e a insegurança geram tensão permanente, o que transforma as plataformas numa espécie de panela de pressão flutuante.

Uma das categorias que mais sofrem com os efeitos da vida nas plataformas é a dos mergulhadores. Esses profissionais são necessários em todas as fases da exploração: desde a prospecção e perfuração até a produção e o escoamento do óleo. Geralmente ficam numa câmara de hibernação, também chamada de câmara de vida, acoplada à plataforma, por períodos de 28 dias. Enquanto o salário médio de um engenheiro embarcado é de R$ 6 mil, o de mergulhador fica em torno de R$ 2 mil mensais. Esse salário é engordado apenas quatro vezes ao ano pelo “prêmio de saturação”, que é de R$ 5 mil, pago pelo desgaste orgânico causado pelo mergulho. “O confinamento de um mergulhador na câmara é comparável a um estado de catalepsia, uma espécie de morto-vivo”, sintetiza Mário César Ascarrunz, 57 anos, chefe da divisão da área subaquática do Senai/Firjan, uma escola de formação de mergulhadores.