Quando avisei a amigos próximos que embarcaria para a Guiné para fazer reportagens sobre o surto do vírus ebola, ouvi de muitos: perdeu o juízo? A desinformação sobre o que é o ebola, como se contrai o vírus e qual sua letalidade é quase tão grave quanto a própria doença.

Os números a que tenho acesso no momento em que escrevo este artigo registram quase sete mil mortos nos três países mais atingidos: Libéria, Serra Leoa e Guiné.

É o maior surto da história desse vírus. Mas também é preciso dizer que a epidemia atual afeta países nos quais o sistema público de saúde inexiste e os rituais fúnebres são os maiores propagadores da doença.

O ebola não é um vírus de gripe. Não se espalha no ar. Para contrair a doença é preciso contato muito sólido com alguém que tenha o vírus e já esteja apresentando sintomas da doença. Ou seja, para pegar ebola é preciso ter contato com qualquer fluido de alguém muito doente – suor, sangue, fezes, urina, vômito. E tais fluidos não penetram na pele. Eles invadem o organismo por uma mucosa. Então, basicamente, você tem que tocar num fluido de alguém contaminado e sintomático e levar a mão à boca, ou aos olhos ou nariz. Se lavar a mão antes, com sabonete ou água clorada, você destrói o vírus. É simples assim: não se pega a doença esbarrando em alguém na rua.

Acontece que, na Guiné, onde estive, e também nos demais países onde o número de vítimas é alto, os rituais fúnebres muçulmanos obrigam a família a lavar o corpo do parente morto com cuidado, limpar suas cavidades, abraçá-lo e beijá-lo e só por fim enterrá-lo enrolado apenas num tecido branco. É nesse momento, o da morte, que o corpo mais transmite a doença, pois o vírus, que ataca o sistema imunológico da vítima, já se espalhou por completo.

Entre os que vão para os hospitais, que produzem estatísticas confiáveis, a taxa de mortalidade é alta, superior a 60%. Não há, ainda, medicamentos específicos já aprovados ou vacinas. O que os médicos podem fazer – e no caso da Guiné os únicos que trabalham heroicamente em centros de tratamento improvisados são da ONG Médicos Sem Fronteiras – é baixar a febre e aliviar os sintomas para que o organismo desenvolva anticorpos para o vírus.

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Por isso, quanto mais cedo se procura ajuda médica maiores as chances de sobrevivência. 

Mas, se o enterro em sacos plásticos lacrados, como vi dezenas em Conacri, a capital da Guiné, é uma vergonha para as famílias dos mortos, muitos optam por ficar em casa contaminando assim toda a família.

E há ainda aqueles que acreditam que, como a maior parte dos doentes que vai para o hospital não volta, são os médicos que matam os pacientes.  

Para banir esse tipo de crendice seriam necessárias campanhas públicas fortes de conscientização, o que parece uma piada de mau gosto num país como a Guiné, que mal começa a engatinhar em terreno democrático e onde até as escolas públicas foram fechadas, em junho, sob o argumento da emergência sanitária.

Ou seja, além da letalidade do vírus, há também o desinteresse dos laboratórios farmacêuticos em desenvolver remédios contra uma doença que certamente não seria epidêmica na Europa ou nos Estados Unidos.

E há muita desinformação, preconceito e estigma sobre o ebola. O que me parece notável num momento tão globalizado da história e com tantas informações disponíveis na internet. Pense nisso.

Ana Paula Padrão é jornalista e empresária 


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