Faz parte do anedotário político de Brasília apontar o Congresso como um mero palco de celebração dos acordos costurados à mesa, em agradáveis reuniões regadas a vinhos selecionados, pratos sofisticados e tudo aquilo que os chefs da capital têm a oferecer de melhor. Nas últimas semanas, as refeições na Câmara ganharam um novo tempero. Nelas só se discute uma coisa: a candidatura do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência. Pode-se dizer que nunca, numa campanha ao comando da Casa legislativa, se jantou tanto. Na curta semana de três dias de trabalho parlamentar, o líder do PMDB promove jantares pelo menos duas vezes com deputados de diversas colorações partidárias. E serão mais 16 até a eleição. Diferentemente do que ocorre nas sessões do Congresso, Cunha não precisa se esforçar muito para garantir o quórum. Ele e seus coordenadores de campanha estabeleceram em 25 comensais o número mínimo para abrir os trabalhos. A regra é clara e simples: são convidados 30 deputados, entre os reeleitos e não eleitos, e esses parlamentares têm a missão de levar mais dois acompanhantes, de preferência os novatos que tomarão posse em 2015. “A orientação é ter overbooking”, resume o deputado Lúcio Vieira Lima, um dos oito coordenadores da campanha de Cunha.

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O FAVORITO
Nos jantares promovidos por Eduardo Cunha, o candidato usa frases de
efeito como "precisamos retomar a altivez do Congresso" e é
hora de "resgatar o orgulho pelo broche parlamentar"

Nos jantares de Cunha, rostos conhecidos se resumem aos dos anfitriões e aliados que estão à frente da agenda do candidato e dos planos de ação da campanha. Os demais são desconhecidos. Em uma Casa de 513 parlamentares composta por não mais que 60 deputados com status de “estrela”, o candidato à presidência da Câmara aposta no chamado “Baixo Clero” para ganhar as eleições. Os 198 deputados que desembarcarão no Congresso pela primeira vez têm prioridade nos jantares. Cunha quer ser a referência, o primeiro contato dos novatos. Os convites para jantar foram a forma que Cunha escolheu para vender a tese aos novos deputados de que ele comanda a fraternidade mais popular da Câmara. Para dar aos encontros uma atmosfera mais intimista, o candidato preferiu escolher como palco as próprias residências de amigos e correligionários, em vez de promover os jantares em restaurantes ou espaços corporativos. Assim, nas três últimas semanas, os deputados Newton Cardoso (PMDB-MG), Darcísio Perondi (PMDB-RS), Washington Reis (PMDB-RJ) e Júnior Coimbra (PMDB-TO) emprestaram suas casas para os jantares de Cunha. Coube aos anfitriões a escolha do cardápio.
Convidados do candidato à presidência da Câmara relataram à ISTOÉ que as recepções são sofisticadas, mas sem grandes extravagâncias. No jantar que precedeu a votação do projeto que alterou a meta de superávit prevista para 2014 foram servidos vinhos chileno da vinícola Quintay e o português Herdade dos Grous. Apesar da ausência de excessos, as residências oficiais adquirem uma decoração caprichada. Flores e iluminação indireta disfarçam a natureza institucional do jantar.

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As reuniões não duram mais que duas horas. Mesmo assim, ninguém entre os organizadores demonstra pressa. Tudo parece transcorrer de forma bem natural, mas a busca por votos, na verdade, obedece a uma espécie de ritual predeterminado. Na liturgia adotada minuciosamente pelo peemedebista, quem recebe o comensal à porta é sempre o dono da casa. O anfitrião faz um breve pronunciamento de boas-vindas e só então passa a palavra ao candidato à presidência da Câmara. O discurso de Cunha é considerado o “ponto alto” do jantar. A retórica do deputado do PMDB soa como música aos ouvidos dos convidados ao mesmo tempo que inclui um elemento perigoso ao Palácio do Planalto. O candidato promete, por exemplo, fazer com que as emendas coletivas de bancadas, as que realmente alcançam altas cifras do orçamento, tornem-se impositivas. Num momento de aperto fiscal, carimbar as emendas de bancadas como “obrigatórias” é tudo o que o Planalto não quer a partir de 2015.

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Para adoçar a boca dos comensais presentes, pequenos mimos também são prometidos. Cunha tem ouvido relatos constantes de deputados sobre a situação dos gabinetes. Aparelhos telefônicos usados pela Casa e alguns computadores estão obsoletos. Diante do quadro, ele garante que irá reformar os gabinetes. Outro ponto frequentemente debatido pelo deputado do Rio é a ampliação da Procuradoria Parlamentar. O órgão é responsável por representar os parlamentares na Justiça. Sempre que um deputado se considera ofendido ou prejudicado, ele pode acionar a procuradoria. Mas o número de funcionários do setor é pequeno. Na linha de frente da defesa dos colegas, o candidato se compromete a ampliar o departamento.

Mas o que tem chamado, mesmo, a atenção dos convidados dos jantares é o discurso de Cunha sobre a valorização da categoria. Quando o tema surge na pauta, o candidato entoa uma cantilena típica de uma preleção de técnico de futebol às vésperas da partida decisiva. Em meio a frases de efeito como “precisamos retomar a altivez do Congresso”, Cunha convoca os colegas a resgatarem o “orgulho pelo broche parlamentar”.

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A refeição é servida em três ou quatro mesas que comportam oito pessoas. Após a jantar, o ambiente se torna leve como pluma. É hora das risadas. Nos momentos de descontração comenta-se em tom de pilhéria o que chamam de “desespero” do governo com o crescimento da candidatura. Na verdade, o que se viu nos últimos dias foi quase uma rendição do Planalto em relação à aspiração de Eduardo Cunha.

Diante do acúmulo de apoios ao candidato do PMDB, hoje mais favorito do que nunca para vencer a eleição, um pragmático Planalto ensaia não fazer mais oposição à sua candidatura. Em troca, obteve o empenho dele para aprovar o projeto da manobra fiscal patrocinada pelo governo no Congresso. Deu certo. “Ele unificou a bancada. Eu tinha uma posição contrária, mas votei favorável”, afirma o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ). No PT, diz-se que o sucesso da votação pode realmente ter mudado a cabeça do governo em relação ao peemedebista que transformou os prazeres da boa mesa em seu principal palanque. Não será surpresa se, num próximo jantar, algum emissário do Planalto marcar presença entre os comensais.

Fotos: Wendel Lopes