Em outubro do ano passado, os pesquisadores do Museu de História Natural de Nova York, em Manhattan, concluíram os textos que formariam o catálogo da exibição The genome revolution (A revolução do genoma), sobre os avanços da genética. Numa área que experimenta mudanças ultravelozes, o esforço para os acertos finais se mostrou inútil e custoso. Rob DeSalle, co-diretor do museu e curador da exposição, mandou refazer os catálogos porque havia erros. É que no ano 2000 estimava-se que o genoma de cada ser humano – a estrutura que passa a herança genética de pais para filhos – continha 3,5 bilhões de “letras” e 100 mil genes. Quando a exibição abriu as portas, em 26 de maio passado, tudo havia mudado na biologia molecular. Os números precisaram ser corrigidos para os atuais 3,2 bilhões de combinações de letras que formam o DNA e cerca de 32 mil genes, uma estimativa conservadora divulgada em fevereiro deste ano sobre o total de genes de um ser humano. A necessária correção de rota é emblemática. DeSalle conta que até o término da mostra, em 1º de janeiro de 2002, é possível que já se tenha feito a primeira clonagem humana. “Estamos preparados: temos todo o material pronto para incluir no roteiro do show sobre genoma”, diz o curador. As mutações no material didático procuram, digamos, clonar as façanhas realizadas nos laboratórios de genética ao redor do mundo.

A comunidade científica já saudou a exposição do museu nova-iorquino como a maior e a mais bem cuidada exibição sobre genética até agora. Recente estudo de opinião conduzido pelo museu e pelo instituto de pesquisas Harris revelou que 78% dos mil americanos entrevistados conseguem identificar corretamente o gene como a unidade básica de informações da hereditariedade. Menos de um terço (29%), no entanto, havia ouvido falar no Projeto Genoma – o esforço científico internacional para sequenciar toda a composição genética humana. “O que está acontecendo na genética é uma revolução. Vai afetar a vida de todos os que nos visitam, de seus filhos, e dos filhos deles”, diz DeSalle. “Os avanços exigem tomada de decisões difíceis, não só em termos científicos, mas também nos campos ético, social e legal. Essa exibição propõe conscientizar e dar poder de conhecimento ao público.”
 

Crachá com DNA – A maior parte da exibição tem olhos para o futuro, como fica evidente logo na entrada, onde um painel eletrônico faz algumas previsões. Diz, por exemplo, que “no próximo século os pais vão poder escolher as características de seus filhos: da cor dos olhos às suas habilidades atléticas ou musicais”. Alguns cientistas discordam, dizendo que será possível operar tal milagre no século atual. Outra frase do painel: “No futuro, vamos carregar as informações de nosso genoma individual num cartão computadorizado.” Não se explica por que alguém desejaria manter na carteira tão precioso segredo. A manipulação dessas informações íntimas pode ter consequências trágicas, caso elas caiam em mãos erradas. Empregadores podem discriminar funcionários, baseando-se nas expectativas de custos para manter na folha de pagamento alguém que em anos próximos será atingido por moléstia congênita debilitante. É o caso de Janet Walsh, moradora de Port Washington, no Estado de Nova York. Ela viu seu pai morrer, aos 58 anos, sob os efeitos devastadores do mal de Alzheimer. No começo dos anos 90, Janet fez testes genéticos e descobriu que carregava as duas cópias do gene responsável pela moléstia. Suas chances de desenvolver Alzheimer depois dos 64 anos são de 90%. Janet tem 45 anos. “Ser testada permitiu a minha conscientização e agora posso tentar controlar a situação com certos cuidados e mudanças de comportamento”, disse Janet a ISTOÉ.

Nem tudo são lágrimas, e a meta da exposição não é passar juízos de valor pré-empacotados. Tanto que frente a frente estão colocadas opiniões antagônicas. Nos debates promovidos como parte da mostra, não é raro encontrar cientistas se digladiando diante de platéias perplexas com a capacidade de vituperação de senhores tão respeitáveis. Ou ainda testemunhos de gente que já se está beneficiando com as descobertas dessa revolução.

Na mostra também existe diversão. Pegue-se o exemplo da hélice brilhante de um DNA, que permite a mutação de um certo gene chamado Indy (“I’m not dead yet”, ou eu não estou morto ainda, em português). O gene pertence a uma mosca-das-frutas e se manipulado de certo modo, vai permitir dobrar a expectativa de vida do inseto. Como de poeta e de cientista louco todos temos um pouco, os visitantes são convidados a mexer nessa hélice e promover mutações a partir do mesmo gene. Dependendo da maneira como fizerem a alteração, vão inibir o crescimento de asas na mosca ou fazer crescer uma perna extra na cabeça do bicho.

Pé de calça Lee – Fica comprovado mais adiante que os cientistas gostam de brincar de Deus. Há uma lista de experimentos genéticos conduzidos neste exato momento em várias partes do planeta. No sul dos Estados Unidos, por exemplo, estão avançadas as alterações genéticas feitas numa planta de algodão. Espera-se que ela produza o algodão “denim blue” – o material azul do jeans. Quer dizer: estão criando um pé de calça Lee. Em outra parte, tenta-se produzir morangos que demorem mais a amadurecer; e tem gente criando salmão do tamanho de um filhote de golfinho. Isso tudo na parte do mundo que respeita leis. Imagine o que os cientistas chefiados por Saddam Hussein não estarão engendrando…

No Laboratório de Aprendizado do DNA, um dos pontos altos da exposição, os estudantes aprendem a isolar seu próprio DNA. Os cientistas do museu depois vão sequenciar esse material genético e colocar os resultados na página da internet dedicada à mostra (www.amnh.org). A identidade de cada aluno está protegida por um código que somente ele conhece. As crianças vão à pagina e comparam seu DNA ao de outras pessoas e animais. Descobrem então que, além de poeta e de cientista louco, todos temos um pouco de outros bichos e plantas. Cada ser humano compartilha 98% de seus genes com um chimpanzé. Sem contar nossas semelhanças com a mais trivial das bactérias e os 15% de genes que são traços comuns entre os humanos e um mero grão de arroz.