Conhecida na Espanha como a Madonna tropical, Fernanda Abreu se juntou com êxito a artistas como Marisa Monte, Lenine e Carlinhos Brown, que chegam à Europa para ampliar e renovar o leque dos já consagrados nomes da MPB. Dos cinco álbuns gravados por Fernanda, apenas o último, Entidade urbana, foi lançado em terras espanholas. O suficiente para despertar a curiosidade e o interesse do público local. Com uma turnê de apenas quatro shows pela Europa – um em Amsterdã e três na Espanha –, a cantora e compositora carioca já se vê mais próxima do Velho Continente. Planeja gravar uma meia dúzia de singles com o argentino Alejo Stivel, um dos melhores produtores musicais do mercado espanhol. Com este projeto cogita, inclusive, deixar um pouco de lado a língua portuguesa para cantar seu samba-funk na língua de Cervantes.
Aos 39 anos – 40 em setembro –, 11 dos quais dedicados à carreira solo, Fernanda é uma crítica do individualismo, do caos urbano e da vulgarização feminina. Nesta entrevista a ISTOÉ se diz favorável à legalização da maconha, fala dos convites que recebeu para posar nua e de sua “falta de coragem” para fazer uma cirurgia estética. “Tenho medo de me expor a uma anestesia, a uma sala de operações, a uma contaminação hospitalar para colocar um peito.”

ISTOÉ – Quais são as recompensas de um artista brasileiro no mercado europeu?
Fernanda Abreu –
Em 1996, quando lancei o CD Da lata, na França, senti que houve um interesse grande pelo que eles chamam de nova música brasileira, que é uma música urbana, pop com acento brasileiro. Um pouco diferente dos moldes a que estavam acostumados. O mais interessante é mostrar na Europa que o Brasil não é só samba, mulata, papagaio, Carnaval, futebol, Pelé e sei lá o quê.

ISTOÉ – Já se sentiu insegura de arriscar novos caminhos?
Fernanda –
Não, só sinto às vezes preguiça. Sobre minha carreira internacional gosto de ser bem realista. Tenho duas filhas (Sofia, nove anos, e Alice, de um e meio) no Rio, gosto do Rio e quero viver no Rio, estar presente, vendo minhas filhas crescer. Mas estou investindo. Na França já vendi cinco mil, na Espanha, sete mil, e em Portugal, três mil discos de Entidade urbana.

ISTOÉ – As suas músicas falam da favela e do asfalto de uma forma geral. Já pensou em fazer letras que vão mais a fundo nesses dois mundos, colocando nelas suas críticas sociais?
Fernanda –
Tenho um pouco de problema em fazer música que possa soar panfletária. Quando falo de morro e asfalto é que na verdade abri a janela da minha casa. É impossível viver no Rio e não escutar a voz do morro e não ver as favelas. Estamos num grande movimento, cada vez maior, de urbanização do planeta. E o que me incomoda muito é que a cidade te leva para o individualismo e você começa a pensar “como vou sobreviver?”, “como vou ganhar a vida?”, “como vou ser feliz?”, eu, eu, eu. E, na verdade, não dá para viver numa cidade sem pensar no coletivo.

ISTOÉ – Em seus CDs há menções à maconha. Você é a favor da legalização?
Fernanda –
Sou. É uma discussão grande. Antes de legalizar é preciso passar anos explicando para as pessoas o que é a maconha. É igual quando a sua filha vai transar. Tem que explicar. O que eu acho hipocrisia é o álcool ser liberado e a maconha não.

ISTOÉ – Na música São Paulo, do álbum Entidade urbana, você diz que “é uma cidade sitiada pela força negativa social”. O verso faz parte da histórica rixa entre cariocas e paulistanos?
Fernanda –
Pessoalmente não sinto a rixa. Eu entendo que São Paulo tem um problema com o Rio, porque o Rio realmente é uma cidade muito bonita, é uma vitrine cultural. É muito chato uma cidade como São Paulo, que é a maior do Brasil, tem muita grana e sustenta muita coisa no País, não ser a vitrine. Eu acho que deve criar um problema de identidade para a cidade. Na música, há muito tempo São Paulo estava em dívida com o Brasil, mas aí surgiu o principal movimento hip-hop brasileiro. A onda da periferia é o melhor que São Paulo tem para dar ao País.

ISTOÉ – Em Nádegas a declarar, sua parceria com Gabriel O Pensador, você critica a “bundalização” e o culto exagerado ao corpo. Você nunca teve vontade de recorrer a alguma cirurgia estética?
Fernanda –
Acho muito legal, maravilhoso, sensacional. Gostaria muito de ter coragem, mas ainda não tenho. Tudo o que o homem inventa eu acho muito bom. Mas tem uma medida para não ficar aquela mulher horrível, falsa, boneca inflável. Não dá para escapar da velhice e não existe silicone no mundo que vá te livrar disso.

ISTOÉ – Você já recebeu convites para posar nua? Qual é sua relação com a nudez e com a exploração da sensualidade?
Fernanda –
Já recebi vários convites. A sensualidade é a única coisa que a mulher não pode perder nesse caminho pelo direito de exercer o que ela já faz. Porque a mulher tem hoje um papel fundamental na sociedade, que ainda não é totalmente reconhecido. No meu show eu rebolo, danço, mas ficar nua para mim não dá. Não faz parte da minha carreira, da minha vida. Não ia me sentir bem. Passar pelo porteiro do prédio ou da escola da minha filha que viu a revista. Agora, se um amigo for fazer um livro de nu é outra coisa.

ISTOÉ – Já teve momentos de querer jogar tudo para o alto?
Fernanda –
Às vezes me dá um desânimo político no Brasil, porque você vê que ninguém se interessa por cultura. As pessoas se interessam por dinheiro e marketing. Ninguém pensa na humanidade. Palavras como solidariedade, generosidade, cultura, arte estão fora de moda e isso me enche. Eu gosto é de fazer música.