Amante dos impressionistas,a ponto de gastar dinheiro numquadro sabidamente falso, osupersticioso Parreira fala desua outra paixão: o futebol

O carioca Carlos Alberto Parreira, 62 anos, técnico da Seleção Brasileira de Futebol, reconhece que tem o melhor emprego do mundo. Comanda craques do quilate de Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos, Kaká e Cafu, esperanças para o hexacampeonato no ano que vem na Copa do Mundo da Alemanha. Parreira está otimista, mas sabe que antes de chegar lá, tem que passar pela árida eliminatória sul-americana, em que cada jogo é uma briga e a bola, como diz, é detalhe. Campeão do mundo pela Seleção Brasileira em 1994, ele exibe uma característica rara nos grandes técnicos: a completa ausência de afetação. Mantém um tom plácido e não altera a voz em nenhum momento. Nesta entrevista exclusiva de quase duas horas, numa tarde chuvosa, na suntuosa sede da CBF, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, ele detalha os preparativos para a Copa de 2006 e defende o favoritismo do Brasil e da anfitriã, Alemanha. Fala ainda da sua afinada relação com a pintura. Assegura que faz uma paella de sabor imbatível e, pasmem!, como o velho Lobo Zagallo, também tem suas superstições numéricas. No seu caso, tudo gira em torno dos desígnios do número sete. Apesar de garantir que mesmo relaxando só pensa naquilo, ou seja, futebol, ainda acha tempo para exercer o papel de avô coruja da neta Letícia.

ISTOÉ – O grupo de jogadores para a Copa já está fechado?
Carlos Alberto Parreira

No futebol brasileiro não existe grupo fechado. Até a última hora podem ocorrer mudanças. Aparecer um jovem talento, um jogador que desequilibre. Ou alguém se machucar. Mas, quando fizermos a convocação para jogos importantes como serão os próximos com o Peru (domingo 27) e o Uruguai (quarta-feira 30) pelas eliminatórias, temos que chamar quem tem experiência, estrada, rodagem.

ISTOÉ – Dá para se falar em titulares absolutos? Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, é o melhor jogador do mundo?
Carlos Alberto Parreira

Existe um time base. Pelo menos sete ou oito jogadores já estão definidos. Qualquer treinador que estivesse no meu lugar colocaria Ronaldo, Roberto Carlos, Ronaldinho, Kaká, Cafu, Dida e por aí afora. Pela experiência que eles têm, eles encarnam o espírito da Seleção Brasileira. Entram em campo e jogam como se estivessem nos seus clubes. Não tremem, não sentem mais aquele temor do iniciante. O iniciante, quando chega, se assusta com a camisa amarela. Porém na seleção não existe titular absoluto.

ISTOÉ – No amistoso contra o fraco Hong Kong, o Brasil deu espetáculo. Quais as chances de vermos lances como aqueles se repetirem em competições importantes?
Carlos Alberto Parreira

O adversário muda muito quando joga contra o Brasil. Temos dois jogos pela frente nas eliminatórias e com certeza serão dez jogadores atrás. Eliminatória é muito mais uma briga do que um jogo de futebol. Não tem espetáculo em eliminatória. Vale o resultado. Vale a classificação. Acabei de assistir ao jogo Uruguai e Paraguai. A bola foi só um detalhe. Daqui para a frente vai ser muito difícil.

ISTOÉ – Mesmo com tantos craques, o futebol brasileiro é mal administrado?
Carlos Alberto Parreira

É uma resposta difícil. É um assunto digno de estudo. Nosso futebol é um reflexo do que é o País. Não temos dinheiro para a educação, não temos dinheiro para hospitais nem para o futebol. Nosso produto mais importante lá fora, mais admirado é o futebol. Mas, infelizmente, os clubes não têm receita, não têm uma gestão profissional e passam por dificuldades. Então, quando vem uma empresa como a MSI (que firmou parceria com o Corinthians), nem quero discutir se é boa ou ruim, mas se coloca dinheiro, investe, eu acho ótimo.

ISTOÉ – O sr. diria que Robinho é hoje o melhor jogador atuando no Brasil?
Carlos Alberto Parreira

Eu gostaria que o Santos fizesse um investimento, um consórcio, que
as empresas mantivessem o Robinho. É o ídolo que leva o torcedor ao estádio. Quando a gente vê Diego, Kaká e Robinho indo embora, é uma tristeza. Então eu torço para que essas parcerias dêem certo, para que os craques fiquem aqui. O Robinho é um talento maravilhoso. Tem tudo para ser um dos grandes jogadores
do futebol mundial. Como todo jovem, ele passa por oscilações. Passou aquela
fase de deslumbramento. A gente olha para ele, conversa e nota que está
diferente. Amadureceu.

ISTOÉ – E as novas promessas brasileiras. Em quem devemos ficar de olho?
Carlos Alberto Parreira

Muitos jovens talentos foram embora este ano. A gente acompanhava o Fernandinho, o Jadson (ambos do Atlético Paranaense), daí outro dia vi que eles foram para a Ucrânia. Olhe bem, quando um jogador começa a despontar, vai embora. O Elano, o Vágner Love…

ISTOÉ – E a exposição dos jogadores na mídia. Viraram astros, celebridades?
Carlos Alberto Parreira

Eu acho perigoso, porque os jovens não estão preparados para essa exposição. É jornal, televisão, rádio, é tudo. E sem uma preparação… Tudo acontece muito de repente. As empresas de marketing precisam de ídolos. Não é à toa que a Nike investe milhões e milhões em atletas como Tiger Woods (um dos melhores golfistas do mundo) e como o Ronaldo. Hoje a indústria esportiva só perde em receita para o turismo. O Ronaldo é um fenômeno. Todo esse interesse em torno dele é porque ele é ídolo. Ele não sai da mídia. Agora é a história do casamento. Ele aprendeu a conviver com isso. Essas coisas não o afetam mais. É mais perigoso com um jovem como o Robinho. Fico feliz com o Robinho atualmente, pois vejo que ele está centrado, sério.

ISTOÉ – Como é comandar tantos egos?
Carlos Alberto Parreira

Eu acho que o nosso relacionamento com o elenco tem que ser muito sincero, honesto, transparente. Essa turma não gosta de bajulação, tapinha nas costas. Eles gostam de um relacionamento objetivo e respeitoso. Você está lidando com superastros. Com a vida profissional e financeira definida. Nosso maior desafio aqui é mantê-los integrados, motivados e até psicologicamente num estado bem elevado.

ISTOÉ – E o sr., como fica nessa?
Carlos Alberto Parreira

Eu me mantenho sempre alerta. A Seleção não sai da minha cabeça. Eu não desligo nunca. Só vou desligar depois da Copa. Estou na praia, no cinema e a Seleção na minha cabeça. Estou conectado o tempo todo. Então, nessa hora, o apoio dos amigos e da família conta muito. E o bom ambiente que vivemos na CBF também conta. Temos uma comissão técnica superexperiente. Crítica você vai receber sempre. O (John F.) Kennedy dizia que a fórmula do insucesso é querer agradar a todos. Isso vale pra mim. É impossível agradar a todo mundo.

ISTOÉ – Chegou-se a falar que o sr. voltou ao comando da Seleção como forma de calar os críticos do futebol apresentado na campanha do tetra. O sr. se sentiu aborrecido com comentários do tipo ?ganhamos, mas jogamos feio??
Carlos Alberto Parreira

Estou satisfeito com o meu trabalho. Saí da Seleção, fui para a Turquia,
fui para a Espanha, fui para os Estados Unidos. Gosto dessas mudanças. Acho
que ter voltado para a Seleção foi uma contingência do bom trabalho que fiz no Corinthians. Até tinha aceitado a idéia de voltar como coordenador técnico, e não como técnico de campo, mas o Ricardo Teixeira (presidente da CBF) disse que
me queria como treinador. Aí começou aquele dilema. Meu Natal e meu Ano-Novo
já foram diferentes. Eu acredito que assumi o melhor cargo do mundo: o de técnico da seleção pentacampeã. Como poderia recusar? E pegar uma seleção pentacampeã é muito mais difícil do que pegar um time no buraco. Se for hexacampeão não fez mais que a obrigação.

ISTOÉ – Faltando quase um ano para a Copa da Alemanha, quais são as seleções que o têm impressionado mais?
Carlos Alberto Parreira

Antes da final da Copa de 2002, eu escrevi na Folha de S.Paulo que a geografia do futebol não mudou. Começaram a dizer que o futebol mudou. Realmente tivemos surpresas como a Coréia, o Japão, os Estados Unidos, a Turquia. Frutos de um momento, de uma Copa na Ásia. A geografia do futebol não mudou. A surpresa poderia ser, o que não é tão surpresa assim, a Tchecoslováquia ou Portugal, mas as forças continuam sendo França, Argentina, Inglaterra, Brasil, Itália, Holanda e a Alemanha, que é uma das favoritas da Copa ao lado do Brasil. A Alemanha com o novo treinador já esta há dez jogos sem perder.

ISTOÉ – O sr. acaba de se tornar avô pela primeira vez. Dá para curtir a neta, Letícia? Sobra tempo para a pintura?
Carlos Alberto Parreira

As pessoas não sabem como é difícil a vida dos profissionais do futebol. Jogador e treinador. A minha primeira filha, Vanessa, viajou comigo para o Kuwait em 1976, pequenininha. Largou os avós, os amiguinhos e foi para lá comigo e a minha mulher. A Danielle, que é a segunda, eu só fui conhecer quando tinha três meses e a minha netinha só vi uma semana depois que nasceu. Tá dando para curtir. Quando posso fico em casa e constato que a melhor coisa do mundo é ser avô. Gosto de jogar tênis, da pintura e da minha casa de Angra. Acabei de terminar um quadro que ficou tão bonito… Comecei no réveillon. Outra coisa que adoro é o mar. Gosto de sair de barco em Angra dos Reis, me perco naquelas ilhas…

ISTOÉ – Considera-se vaidoso?
Carlos Alberto Parreira

Não sou vaidoso não, mas gosto de estar arrumado. Eu que compro as minhas roupas. Me visto de maneira simples, sou básico. Depois de velho comecei a usar jeans. Sempre tive, quase não usava e agora não consigo tirar. A minha terapia é uma vida regrada, saudável, os filhos, os amigos, a pintura. Acredito muito na importância dos amigos e da família para o equilíbrio profissional. Depois de velho, aprendi muitas coisas. Aprendi a cozinhar. Gosto de fazer pratos especiais, como risoto, mas o piéce de resistance é a paella. Morei um ano em Valencia e meus vizinhos eram espanhóis e me ensinaram. Faço e é realmente uma beleza. Isso me diverte bastante.

ISTOÉ – É supersticioso?
Carlos Alberto Parreira

Sou só um pouquinho. Todo jogo a comissão técnica senta do mesmo jeito no banco. Na mesma ordem, e a gente nunca muda isso. É o Moraci (Santana, preparador físico), eu, o Zagallo (auxiliar técnico), o Jairo (Leal, auxiliar técnico) e o Américo (Faria, supervisor). Tenho também algumas coincidências com o número 7, dou muita sorte com o número 7. Não quer dizer nada, mas isso cria uma motivação, uma força positiva. Nasci no dia 27 de 1943, 4 e 3 são 7. Na Copa de 94 os jogadores se apresentaram no dia 17 de maio, a primeira partida foi no dia 17 de junho, nós jogamos 7 jogos, a final foi o sétimo jogo no dia 17 de julho.

ISTOÉ – É supersticioso?
Carlos Alberto Parreira

Sou só um pouquinho. Todo jogo a comissão técnica senta do mesmo jeito no banco. Na mesma ordem, e a gente nunca muda isso. É o Moraci (Santana, preparador físico), eu, o Zagallo (auxiliar técnico), o Jairo (Leal, auxiliar técnico) e o Américo (Faria, supervisor). Tenho também algumas coincidências com o número 7, dou muita sorte com o número 7. Não quer dizer nada, mas isso cria uma motivação, uma força positiva. Nasci no dia 27 de 1943, 4 e 3 são 7. Na Copa de 94 os jogadores se apresentaram no dia 17 de maio, a primeira partida foi no dia 17 de junho, nós jogamos 7 jogos, a final foi o sétimo jogo no dia 17 de julho.

ISTOÉ – Tem algum ídolo?
Carlos Alberto Parreira

Admiro muito os pintores impressionistas. Adoro ler sobre a vida deles.

ISTOÉ – Quem é o seu pintor preferido?
Carlos Alberto Parreira

Claude Monet (1840-1926)

ISTOÉ – Já comprou algum quadro dele?
Carlos Alberto Parreira

á comprei um falso. Fui a um jogo beneficente do time do Ronaldo contra o Zidane, na Basiléia, Suíça. Quando nós chegamos ao hotel eu vi que tinha uma exposição de Van Gogh, Monet, Edouard Manet, Pablo Picasso. Aí comentei com o Zagallo: “Que legal, vamos ver.” Quando chegamos tinha realmente vários quadros deles. Todos falsos. Idênticos, até com atestado de falso. Comprei um Monet. Para ter um verdadeiro precisaria trabalhar como técnico uns 200 anos. Com salário de técnico de futebol, não dá. Mas acabei não pendurando na parede. Adorei naquele impulso, mas daí pensei. É lindo, mas não é autêntico.

ISTOÉ – Pretende se aposentar depois da Copa?
Carlos Alberto Parreira

Está bem próximo. Acho que está chegando a hora. Não sei se vou me aposentar, mas vou largar o campo. Ainda não fiz nenhum plano, pode ser que ocorra depois da Copa. No futebol você pode trabalhar com muita idade. O Zagallo está aí para provar e ele poderia perfeitamente estar dirgindo um time no alto do seus 73 anos. Ele tem uma lucidez incrível.

ISTOÉ – O sr. costuma chorar. Quando foi a última vez que chorou?
Carlos Alberto Parreira

Depois da Copa de 94 a gente estava tão tenso, as coisas ficaram tão presas que eu só fui chorar quando o avião estava baixando no Recife e eu consegui ver a cara das pessoas que estavam esperando. A praia da Boa Viagem cheia de ponta a ponta. Vi a cara das pessoas, a emoção. Daí caiu a ficha. Fico até arrepiado quando eu lembro. Mas no geral, não sou chorão. Chorei quando o Fluminense ganhou o título em 1984, no vestiário, sozinho. Foi a única vez que o
Flu ganhou um brasileiro.