" Gordão " , "Baixinho" e o "Chefe maior"

O DONO DA PASTA Zuleido controlava o mapa do superfaturamento e a contabilidade da corrupção

O "CHEFE MAIOR" Papéis apontam que Jackson Lago teria recebido R$ 213 mil em abril passado

Quando o empreiteiro Zuleido Veras foi preso na manhã do dia 17 de maio, a Polícia Federal apreendeu no escritório do dono da Construtora Gautama uma pasta de couro preta. Dentro dela, havia uma lição de anatomia tão detalhada e significativa quanto o famoso quadro de Rembrandt, do mesmo nome.

No caso, era a anatomia de um crime: o mapa da fraude que desviou dinheiro de obras rodoviárias no Maranhão. Junto com a tabela do superfaturamento (confira a reprodução na próxima página), os policiais encontraram documentos que detalham como Zuleido fatiava pessoalmente a propina obtida nas obras fraudadas. Anotações feitas à mão numa folha mostram, através de codinomes, os porcentuais e as cifras da corrupção.

O mais surpreendente, contudo, surgiu após o cruzamento desses dados com as transcrições das escutas telefônicas. A Polícia Federal acredita que a papelada não deixa dúvidas quanto à responsabilidade do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT). Nos papéis de Zuleido, os maiores porcentuais de propina vão para alguém citado como o "Chefe Maior". Para saber quem seria ele, a polícia recorreu às gravações. No dia 27 de março deste ano, por exemplo, a PF grampeou uma conversa de Gil Jacó Carvalho Santos, diretor financeiro da Gautama, com Ricardo Magalhães da Silva, funcionário da empresa. Eles discutiam sobre a liberação de uma medição de R$ 500 mil para a empreiteira. "RICARDO diz que o sobrinho do CHEFE MAIOR ligou para VICENTE (Vicente Coni, diretor da Gautama no Maranhão) cobrando a medição e diz que o dinheiro está disponível", registra a transcrição da fita. Os grifos feitos em maiúsculas são do próprio documento da Divisão de Contra- Inteligência Policial da PF, ao qual ISTOÉ teve acesso. As investigações mostraram que a intermediação com a empreiteira era feita por dois sobrinhos de Jackson Lago:

" Gordão " , "Baixinho" e o "Chefe maior"

Alexandre de Maia Lago e Francisco de Paula Lima Júnior (conhecido como Paulo Lago). Na quarta-feira 23, Alexandre se recusou a depor e no dia seguinte foi a vez de Francisco de Paula fazer o mesmo.

A ministra Eliana Calmon, do STJ, decidiu, depois disso, mantê-los presos.

Em entrevista ao editor Rodrigo Rangel, de ISTOÉ, o governador negou ter recebido propina da Gautama. "Nunca recebi nem um presentinho deles", afirmou Lago. "A minha conta bancária é aberta a quem quiser. E também a minha declaração de renda." Jackson Lago confirma que, quando visita Brasília, encontra-se sempre com seu sobrinho Francisco, mas diz que não sabia que Alexandre, seu outro sobrinho, costumava viajar a Brasília nem que se encontrava com Francisco nessas ocasiões. "Eu não tenho por que ser o "chefe" deles", diz o governador. "Eles não têm relação funcional comigo. Eu não sou chefe hierárquico deles."

As investigações da PF demonstram que o esquema da Gautama começou no governo anterior, de José Reinaldo Tavares (PSB), e continuou no de Jackson Lago. A contabilidade paralela de Zuleido prova que ele consistia basicamente em burlar a medição das obras. Na verdade,cada uma delas tinha uma metragem menor do que a que aparecia no contrato. A diferença entre o que era efetivamente construído e o que era pago gerava o lucro irregular da quadrilha.

" Gordão " , "Baixinho" e o "Chefe maior"

Há itens de algumas obras superfaturados em 100%. As gordas propinas serviam para azeitar a máquina de corrupção e garantir que os fiscais do Estado fizessem vista grossa para os metros superfaturados pela empreiteira.

A propina era paga todos os meses, em cima de cada adulteração de medição de obra. Em abril último, a quadrilha contabilizou R$ 2,6 milhões em medições fantasmas. Os papéis mostram que o "Chefe Maior" ficou com R$ 213 mil desse valor, ou 8% do valor arrecadado. O segundo maior beneficiário é chamado de "Gordão". Nas escutas da PF, esse era o apelido do secretário de Infra-Estrutura do Maranhão, Ney Bello, tido como o destinatário, em abril, de R$ 53 mil, 2% do total desviado. Segundo a polícia, o responsável pela divisão da propina paga às autoridades do Maranhão era o diretor Vicente Coni.

Na pasta de Zuleido há anotações feitas por Vicente, sobre os "compromissos" que ele detalha em outra página. "Pensei em parcelar, mas, depois de ouvi-lo, acho imprudente pagar parcelado", diz o diretor da Gautama em uma mensagem endereçada a Zuleido. Na página seguinte, Vicente registra a divisão da propina. A pasta de couro não continha apenas a lista dos pagamentos de abril. Em março, a Gautama levou mais R$ 2,9 milhões com as medições irregulares. O "Chefe Maior" abocanhou, então, R$ 236 mil, e "Gordão" embolsou R$ 59 mil.

" Gordão " , "Baixinho" e o "Chefe maior"

O esquema da Gautama mantinha conexão em todas as pontas do governo maranhense que podiam criar dificuldades para a liberação dos recursos para as obras fraudadas. O fiscal do Estado Sebastião José Pinheiro Franco, que poderia vetar os repasses, foi identificado pela PF como sendo o "Baixinho" da lista da propina. Em abril, "Baixinho" embolsou R$ 14,8 mil. Há personagens na lista que a PF ainda não conseguiu identificar. Aparecem com os codinomes de "Quantum" e "Zeus". Há ainda R$ 15 mil para pagamento de "Getons" (sic). A PF desconfia que tenha relação com jeton e seja uma referência a pagamento de parlamentares responsáveis pela aprovação de emendas ao Orçamento para a Gautama.

A quadrilha fraudava quase todos os componentes das obras que executava no Maranhão. Zuleido aprovava cada medição irregular, antes de pagar a propina. Os itens mais caros eram superfaturados. Para disfarçar, diminuía-se o valor da medição nos mais baratos.

Na tabela de Zuleido, a diferença entre o que a Gautama realmente executou e o que ela recebeu num trecho de pavimentação chega a R$ 1 milhão. Em obras de "escavação, carga e transporte de materiais", o superfaturamento chega a R$ 706 mil. Então, no item "reaterro e compactação manual", a quadrilha dá um desconto de singelos R$ 452. A tabela é clara ao revelar a mutreta. Numa coluna, aparece a "quantidade real".

Em outra, a "quantidade medida". No item "transporte de materiais de jazida", por exemplo, a quantidade real é R$ 102 mil, mas a quantidade medida sobe para R$ 209 mil. Na história das relações entre empreiteiras e governos, a medição superfaturada é um clássico. No caso da Gautama com as autoridades do Maranhão, a novidade é ter documentado cada centavo do esquema.