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"Olha pra mim, olha bem pra mim! Podia ser pior, podiam ter nascido gêmeos. Minha mãe não me deu à luz, me deu à sombra. Vocês não estão entendendo como um homem feio pode ter um programa de TV? ” Foi assim que o escritor, poeta e professor universitário gaúcho Fabrício Carpinejar se apresentou na estreia de seu programa de entrevistas “A Máquina”, na TV Gazeta, em março de 2012. Brincar e refletir sobre a própria feiura e sobre seu desencaixe dos padrões físicos vigentes, apesar de divertido, é apenas uma face mais evidente e menor do curioso composto que forma esta interessante figura. Assim como seus ternos floridos que parecem ter saído da alfaiataria do cantor cearense Falcão ou os inúmeros modelos de óculos extravagantes que exibe a cada edição. De fato, e fugindo de qualquer jogo de palavras vagabundo, no caso de Fabrício Carpinejar, a estética é bem menos relevante e interessante do que a ética. Valente, ele tenta, a partir de seu programa de Brancaleone, devolver à faixa noturna da TV aberta, pelas ondas da TV Gazeta, sintonizada com força na Grande São Paulo e com menor presença em alguns outros pontos do País, importantes atributos banidos pelo tempo.

Sem precisar se esforçar, Fabrício tem tratado de devolver a esse espectro mais popular da televisão alguns ativos que aos poucos foram vazando em direção ao cabo e a outros suportes de mídia mais modernos: elegância, inteligência emocional, sensibilidade e aquilo que alguns chamam de “pauta pessoal”, uma mistura de cultura ampla e geral com verve, humor, bom senso e boa educação. Um conjunto de predicados que, por algum motivo, nos últimos anos passou equivocadamente a ser entendido como um “espanta ibope”, uma espécie de fórmula perfeita para fracassar na TV aberta. Desde que a grosseria sem graça disfarçada de comédia foi virando alavanca para alçar figuras com pouco talento a posições de destaque no reino midiático (e não falamos apenas dos elementos da chamada nova geração do humor, mas de diferentes safras de pessoas com pouco brilho e muita disposição para se arrogar, diminuir e ofender na busca pelo riso nervoso e pelo ibope vazio), a pegada mais sofisticada exibida naturalmente por Carpinejar vem perdendo espaço na cena. E aqui é importante dizer que, mesmo com sua inegável habilidade para o texto e sua oratória fluida e fácil, Fabrício conseguiu ficar imune a uma praga que acomete boa parte de seus contemporâneos em literatura: uma incrível tendência a acreditarem demais nos releases e nas odes a suas próprias capacidades, e a triste consequência disso: tornarem-se ídolos sem fãs, messias sem seguidores.

A forma como Carpinejar recebe seus convidados num cenário de gosto mais que duvidoso e por isso mesmo quase engraçado, enaltecendo sem bajular, investigando sem fuçar e por vezes criticando sem ofender, é uma arte esquecida. Sem se preocupar com o ângulo da câmera ou com a qualidade do pancake, prefere mergulhar dentro de suas visitas e de si mesmo, para tentar trazer para a TV a sua quase antítese: a verdadeira condição humana. E, provavelmente por isso, figuras interessantes como Tom Zé, Tadeu Jungle, Rafael Cortez, Rafic Farah ou Claudia Ohana têm proporcionado momentos raros de exposição da imperfeição e da graça da existência. Cada vez menos se veem no programa pessoas movidas pela urgência ansiosa de divulgar um livro, avisar sobre uma peça ou propagandear o lançamento de um produto que precisam vender.

O pequeno Carpinejar vai a cada semana, com suas sinapses incomuns, sua capacidade de conectar coisas que seus próprios convidados não sabem sobre si mesmos, conseguindo algo que já parecia condenado a estudos arqueológicos sobre o passado da televisão: fazer com que gente interessante queira de fato compartilhar suas dúvidas, inseguranças e paixões ocultas com quem quer que queira com elas dividir a graça da vida.
 E isso é bonito. 

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