28/11/2014 - 20:00
Iberê Camargo: século 21/ Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre/ até 29/3/2015
Cem anos de Iberê/ Cosac Naify/ Organização Luis Camillo Osório/ 420 págs./ R$ 70
Solidão, melancolia, obscuridade, tristeza, morbidez, e até certa crueldade, são traços determinantes da personalidade da pintura de Iberê Camargo (1914-1994). A ideia de que a poética do artista se sustentou sobre a “percepção da solidão das coisas e dos corpos” e de como essa animosidade teria conduzido sua pintura a uma “pulsão trágica” foi levantada pela crítica Maria Alice Milliet. “Solidão”, de 1994, foi a última tela pintada. Esse estado angustiante das coisas poderia ter levado o artista gaúcho ao isolamento, ou até ao esquecimento. Esse é, porém, o inverso do destino de sua obra, desde que a Fundação Iberê Camargo foi inaugurada em Porto Alegre, em 2008, e vem exibindo o conjunto da obra não apenas em sua integridade, mas em diálogo com diversos outros artistas. A interlocução de Iberê com os grandes temas e artistas de seu tempo foi abordada nas 11 exposições organizadas pela fundação e hoje reunidas no livro “Cem Anos de Iberê”, organizado por Luis Camillo Osório. Além disso, a iniciativa de pensar Iberê em articulação com a arte brasileira é hoje coroada na mostra “Iberê Camargo: Século 21”.
INFÂNCIA
"Carretéis", de 1958, tema que acompanhou o artista durante toda a vida
Com curadoria de Icleia Borsa Cattani, Jacques Leenhardt e Agnaldo Farias, a mostra apresenta pinturas, gravuras e desenhos do gaúcho confrontadas com trabalhos de 19 artistas contemporâneos de várias gerações. A primeira das obras selecionadas foi o edifício do arquiteto português Álvaro Siza, que acolhe a fundação. Assim, foi instalado junto à fachada do edifício um conjunto de cinco grandes carretéis esculpidos em compensados de madeira pelo artista cearense Eduardo Frota.
À luz dos carretéis, brinquedo da infância e motivo da pintura de Iberê Camargo ao longo de décadas a fio, o edifício de Siza tem destacada sua personalidade circular e sinuosa.
SOLAR
Bicicletas revestidas de vime e borracha, da série "Cicloviaérea",
de Jarbas Lopes, dialogam com ciclistas de Iberê
Com os Carretéis e os Núcleos, série dos anos 1950 em que o artista envereda por uma abstração sombria, dialogam a pintura de Fábio Miguez dos anos 1980 e a escultura de José Rufino. A atmosfera densa das séries Signos, Jogos e Imagens reverbera em Regina Silveira, que foi aluna de Iberê, dele absorveu o fascínio pelas sombras e teve a oportunidade de realizar na FIB uma retrospectiva em 2011. Signos do desamparo e da morte e da destruição são espelhados por fotografia de Daniel Acosta e pintura de Lenir de Miranda; e, com as fantasmagorias, conversam Carmela Gross e Ângelo Venosa, tornando a solidão de Iberê menos só.
FACHADA
Instalação de Eduardo Frota surpreende quem passa em frente à fundação
Se para Iberê Camargo andar de bicicleta era uma ação tão prosaica quanto “um cego tocador de sanfona sentado em um tamborete” – visão que deu origem a uma pintura e a um texto do artista – , para o carioca Jarbas Lopes é um ato de voo e descolamento do real.
Um dos momentos libertadores da mostra é o tensionamento entre a obscuridade dos Ciclistas de Iberê com a solaridade do projeto utópico da “Cicloviaérea” de Lopes.
Fotos: Pedro Oswaldo Cruz; Elvira Fortuna; Jean-Louis LOSI