Conciliar a campanha eleitoral com o exercício do mandato ainda em vigor é um dos desafios impostos a políticos que ocupam cargos eletivos e decidem concorrer à reeleição ou a outras funções públicas. A fronteira entre o que é ou não permitido pela lei eleitoral muitas vezes é tênue e as discussões sobre eventuais abusos de poder inundam a pauta dos órgãos de fiscalização em ano de eleição. Enquanto não há uma reforma política capaz de dirimir essas questões fundamentais ao exercício da democracia, a população volta os olhos para o comportamento individual do candidato. A presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB) se encontraram nesse contexto em 2014, mas ambos adotaram posturas distintas na hora de lidar com o bem público. Dilma precisava manter suas funções ativas no Executivo, enquanto lutava pela reeleição, e Aécio no Legislativo, no mesmo tempo em que estava em campanha para alcançar a Presidência da República. Nos últimos dois meses que antecederam a eleição, a presidente foi ao Palácio do Planalto, seu local oficial de trabalho, em apenas cinco ocasiões – quatro em agosto e uma em setembro. Já o senador Aécio Neves, que ensaiou tirar licença do Senado durante a campanha, mas desistiu, compareceu a quatro sessões. A diferença crucial é que, no período, enquanto Aécio devolveu seus honorários, Dilma recebeu integralmente o salário, conforme mostram os holerites que podem ser acessados pelo Portal da Transparência. O valor bruto recebido pela presidente e pelo senador é de R$ 26.723,13. Quando descontados impostos e previdência oficial, o salário líquido fica em R$ 19.850,31 (leia quadro).

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Durante a campanha, a presidente recebeu ministros e aliados no Palácio da Alvorada, a residência oficial. Em determinados encontros, assuntos de governo foram até discutidos, mas em geral eles ocorriam para tratar da campanha eleitoral. No Planalto, em agosto, Dilma recebeu no dia 1º o primeiro-ministro do Japão, Abe Shinzo, sancionou ao lado de empresários a lei que altera o Simples Nacional no dia 7 e promoveu encontros com doadores da campanha e posteriormente com a CEO da General Motors, Mary Teresa Barra, no dia 14. No fim do mês, no dia 25, ela esteve no Planalto para um encontro marcado com o presidente da CNBB, dom Raymundo Damasceno Assis. Em setembro, Dilma só compareceu em seu gabinete no dia 19 para receber atletas olímpicos e paraolímpicos, já que os próximos Jogos Olímpicos serão no Rio de Janeiro. Aquele dia, uma sexta-feira, foi o último em que os funcionários do Planalto viram a presidente em seu local oficial de trabalho. Dilma só voltou a fazer despachos do Planalto três dias após a reeleição, na quarta-feira 29 de outubro.

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Nesse período, Dilma estava dividida entre gravações para programas eleitorais na TV e no rádio, viagens pelo País em busca de votos, debates e outras atividades de campanha. A assessoria de imprensa do Planalto chegou a informar que a presidente estaria realizando despachos internos e recebendo ministros normalmente. Apesar de não ir ao Palácio durante a campanha eleitoral e dedicar boa parte do seu tempo em prol da reeleição, Dilma recebeu seu salário integralmente durante os meses de junho, julho, agosto e setembro. Já o senador Aécio Neves cogitou tirar licença do Senado, mas optou por se manter no cargo por conta da estrutura de seu gabinete e também para não descartar o plenário para possíveis discursos. O tucano tomou a decisão de permanecer como senador no dia 6 de agosto e ainda afirmou que devolveria os salários de julho a outubro – período em que esteve empenhado na campanha –, e assim fez. Documentos obtidos por ISTOÉ comprovam que Aécio devolveu o salário à União por meio de um guia de recolhimento. “Devolver o salário fica a cargo de cada um, não há nada na legislação que fale sobre isso. Deveria ter uma legislação específica para falar sobre salários. É o caso de abrir uma discussão sobre isso”, pondera o cientista político Gaudêncio Torquato.

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A Constituição obriga secretários e ministros a deixarem os cargos caso decidam concorrer no ano eleitoral. O mesmo não se aplica aos governadores e parlamentares. Eles até podem tirar licença, deixando a cadeira para o suplente ou para o vice. Contudo, são raros os políticos que se licenciam de seus mandatos para concorrer à eleição ou reeleição.

Fotos: Marcelo Carnaval/Agência o Globo; Adriano Machado/Ag. Istoé