Nascido mulato ainda em tempos de escravidão, o escritor Machado de Assis contornou todas as probabilidades de insucesso e se consagrou, ainda em vida, como o grande cronista da sociedade brasileira do Segundo Império. Descrevia em minúcias os costumes europeus reproduzidos absurdamente pelas ruas do Rio de Janeiro e fazia referências à Europa com a familiaridade típica dos mais viajados. Mas nunca ultrapassou as fronteiras nacionais. Na verdade, pouco deixou a então capital do País. E é esta contradição, a de turista imaginário, bom observador e melhor ouvinte, porém avesso aos desconfortos das viagens de antanho, o tema de O viajante imóvel – Machado de Assis e o Rio de Janeiro de seu tempo (Record, 298 págs., R$ 34), do jornalista e crítico literário Luciano Trigo.

Como todo estudo que se propõe a analisar a obra de Machado de Assis à luz da sua época, O viajante imóvel aponta ainda as críticas mais comuns ao estilo machadiano, buscando, em referências do cotidiano, desculpas plausíveis ou mesmo prováveis para cada uma. Trigo não pretende ser imparcial na sua avaliação. Como tantos outros entusiastas do escritor, ele busca no contexto histórico justificativas para todo tropeço. Machado não é perfeito, mas a ele tudo se perdoa em nome da incontestável importância da sua obra.

Cronista impiedoso e mordaz dos costumes da sociedade, chegou a candidatar-se a um cargo político, projeto abortado prematuramente no confuso ambiente do fim do Segundo Reinado e início da República. Mesmo assim, ele é normalmente visto como um escritor que ignorava as questões políticas do seu tempo. O autor faz questão de mostrar que a História não é justa ao enquadrá-lo no rol dos mundanos alienados. E, para isso, lança mão de jornais e textos da época, reunindo o que de melhor há neste livro: a recuperação do registro de um tempo de efervescência social e política. É uma delícia reviver, à luz de seus próprios contemporâneos, um momento decisivo na formação da nossa cultura.