Para os que viveram a década de 60, é difícil esquecer do dia 13 de dezembro de 1968, quando foi decretado o Ato Institucional nº 5. A partir daí, o Brasil – que já estava sob ditadura militar havia cinco anos – passou a experimentar o extremo do autoritarismo, já que foram suspensas as garantias individuais, o habeas-corpus e o Congresso foi fechado. O que restava de democracia ia para a lata de lixo, o estado de direito dava lugar a cassações e caçadas. O estopim para a decretação do ato foi dado um dia antes, com um discurso na Câmara dos Deputados. Os parlamentares deveriam decidir se concediam uma licença para a ditadura processar o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB – partido de oposição ao regime –, que havia discursado pedindo que a população boicotasse os militares. A maioria dos deputados votou a favor de Marcito. O resultado foi recebido com uma grande salva de palmas. Todos cantaram o Hino Nacional sem saber que aquela demonstração de independência seria pretexto para mergulhar o País nos anos de chumbo.

Os registros dessa sessão histórica só vieram à tona em maio do ano passado, quando a pesquisadora Ana Lúcia Brandão – ex-funcionária do Congresso – se livrou do temor de represálias e resolveu divulgá-los. No documentário para tevê AI-5, o dia que não existiu, dirigido pelo jornalista Paulo Markun, os discursos marcantes são reproduzidos com base nas notas taquigráficas guardadas pela pesquisadora.

O filme tem 56 minutos e a locução foi feita com atores que interpretam os congressistas Márcio Moreira Alves, Mário Covas – cujo discurso longo, contundente, feito de improviso, foi um marco –, Nysia Carone, Julia Steinbruch, Geraldo Freire e José Bonifácio. As cenas – filmadas com seis câmeras no plenário – ganham dinamismo porque são entremeadas de entrevistas recentes com políticos e historiadores que viveram o período ditatorial. No início do filme, o contexto histórico é apresentado didaticamente com as cenas de passeatas, prisões e greves que tomavam o Brasil no final de 1968. O documentário é resultado de uma parceria entre as emissoras públicas TV Câmara e TV Cultura – na qual Paulo Markun trabalha, apresentando o programa Roda Viva – e será exibido no dia 31 de março às 21h nos dois canais.

A obra, porém, não deve ficar esquecida nos arquivos das emissoras. Markun, preocupado com a desinformação da juventude, “tão curiosa quanto a dos anos 60, mas menos engajada”, pretende levar o vídeo às escolas. “Já fiz contatos e tenho palestras programadas em várias universidades”, diz Markun. O documentário abre discussão sobre a importância do Congresso, mostra um pouco da dura realidade do regime militar e da crise entre Executivo e Legislativo, cujo estopim foi o famigerado AI-5. O filme, que contém esses ingredientes e também uma pitada de romantismo, é um competente registro de um dos mais dramáticos momentos da história brasileira. Markun acredita que o poder público deve patrocinar mais obras desse tipo. “A produção audiovisual conta com a lei de incentivo e as empresas privadas que patrocinam preferem manter distância das questões políticas”, diz o autor. Ele defende o engajamento das emissoras públicas no resgate de páginas da nossa história. O jornalista já está preparando outro documentário, sobre 1961, ano em que Jânio Quadros renunciou e houve uma tentativa de golpe para impedir a posse do vice João Goulart.