Ainda adolescente, Eric Clapton esteve próximo de uma revelação mística quando um amigo da cidade de Ripley, Inglaterra, colocou na antiga vitrola uma compilação de clássicos do mestre do blues Muddy Waters. A partir daquele momento, o guitarrista e cantor inglês descobriu sua verdadeira vocação. O fato o marcou tanto que até hoje, com 35 anos de carreira nas costas e uma trilha por vários gêneros pop, ele jamais perdeu o posto do mais bem-sucedido bluesman branco. Mas, aos 56 anos, Clapton cultiva uma nova paixão: a bossa-nova. No ano passado, hipnotizado depois de assistir a uma apresentação de João Gilberto em Londres, o músico quis exercitar sua repentina atração pelo ritmo em seu novo álbum Reptile. Deu-se mal e demonstrou dificuldade em tocar um bom samba instrumental, mesmo sendo Eric Clapton, o que já foi chamado de Deus.

Sorte de seus fãs que a incursão neste universo se reduza à faixa-título, embora Reptile conserve outros pecados menores. Um deles é a insistência na onipresente participação do quinteto vocal The Impressions, cujos maneirismos tornam demasiado retrô algumas canções e fazem Clapton soar como Barry White. Quando a interferência acontece, dá vontade de fechar os olhos e se concentrar apenas em sua guitarra impecável, límpida e elegante, como prova a instrumental Son & Silvia, delicada homenagem a um tio falecido recentemente e engrandecida pela gaita do tecladista Billy Preston. Clapton também se revela um cantor cada vez melhor. Got you on my mind e Come back baby, da grife de Ray Charles, estão entre os bons momentos do disco, ecos de seu ótimo álbum anterior – Riding with the King –, uma alentada parceria com B.B. King. Daqui para a frente, espera-se que Eric Clapton nunca mais queira ser João e mesmo assim continue sendo King.