A cada ano a Aids se transforma numa ameaça mais séria à saúde das brasileiras. Tanto assim que dados oficiais do governo revelam que a doença passou a ser a primeira causa de morte de mulheres com idade entre 15 e 49 anos. Em 1999, ela fez 2.413 baixas, ultrapassando o total de vítimas fatais do câncer de mama (2.165), do infarto (2.041) e de acidentes vasculares cerebrais (1.589). A análise é da coordenação do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids do Ministério da Saúde, com base em dados do Datasus, órgão encarregado das informações sobre a incidência e a mortalidade das doenças no País. “Ainda pode haver algum acréscimo nos números, mas não há dúvida de que a Aids atingiu o primeiro lugar entre as causas de morte das mulheres”, garante o médico Dráurio Barreira, responsável pelo setor de epidemiologia do programa.

Existem algumas explicações para o fato de a doença ter assumido a liderança dos males fatais entre as mulheres. “Pode ser que ela esteja realmente matando mais ou que tenha havido uma diminuição na mortalidade por outros males”, afirma Barreira. Outra hipótese seria a maneira como o organismo feminino reage ao vírus. “Suspeita-se que a mulher tenha uma sobrevida menor porque a quantidade de vírus nela é mais alta. Não se sabe ainda o porquê disso. Talvez esteja vinculado a questões hormonais”, afirma o infectologista Caio Rosenthal, de São Paulo.

O que mais pesa nesse quadro de agravamento da mortalidade é a rapidez com que a doença se propaga entre as mulheres. De 1994 a 1998, o número de soropositivas cresceu nove vezes mais do que o de homens infectados. Por causa disso, os especialistas já alertavam que a epidemia caminhava para uma mudança de perfil. “No meu consultório, o número de mulheres aumentou e hoje elas são maioria absoluta”, observa o oncologista Drauzio Varella, de São Paulo. O mal cresce no interior do País e entre heterossexuais, principalmente mulheres que têm um único parceiro. Atualmente, há dois homens soropositivos para cada mulher. Em 1985, essa relação era de 25 para uma.

Uma das razões para esse crescimento é a resistência das mulheres em exigir que seus parceiros usem preservativo. “Boa parte das vítimas é infectada por seus companheiros fixos”, observa Valdiléia Veloso, coordenadora do programa estadual de DST e Aids do Rio. “Por causa do machismo, ela tem dificuldade de negociar o uso do preservativo. E assim fica mais vulnerável à doença”, completa Artur Kalichman, coordenador do programa paulista de DST. Mais um fator aumenta a gravidade da epidemia em mulheres. Muitas só descobrem que estão contaminadas quando a doença já evoluiu. Outra razão para o perigo crescente entre a população feminina é a própria anatomia. De acordo com o infectologista Artur Timerman, o aparelho genital da mulher está mais desprotegido contra o HIV do que o pênis. Enquanto a vagina tem uma mucosa delicada, o órgão masculino é revestido por uma pele mais resistente.

Baseado no ritmo de expansão da epidemia entre as mulheres, o governo acredita que a Aids continuará na liderança das causas de mortes nos próximos anos. A situação em alguns Estados reforça ainda mais essa crença. No Rio, os últimos números disponíveis no Programa Estadual de DST e Aids indicam que, em 1998, a doença matou mais mulheres do que os acidentes rodoviários. Todo esse cenário mostra que as ações de prevenção para a mulher precisam ser reforçadas. No Rio, o programa de Aids pretende investir na distribuição da camisinha feminina. O Ministério da Saúde, por sua vez, quer convencer homens e mulheres de que o uso do preservativo é fundamental até em relações estáveis. Os médicos assinam embaixo. “Usar preservativo é a saída. Não tem outra”, garante Varella. Timerman e Rosenthal também enfatizam a importância do sexo seguro. Mesmo entre casais que já estão comemorando bodas de prata.