As conhecidas diferenças sociais do Rio de Janeiro, que para muitos é a síntese do Brasil, ganham agora contornos mais evidentes com a ajuda da ONU. Pela primeira vez, a entidade utilizou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – referência mundial para medir as disparidades sociais entre países – para estudar a vida de uma cidade, e a escolhida para a experiência foi a capital fluminense. A cidade tem bairros como Urca, Jardim Botânico e Leblon, com IDH comparável aos melhores do mundo, e também outros, como Santa Cruz, onde os indicadores são piores que os do Gabão. “Esses contrastes estão presentes em praticamente todas as grandes metrópoles brasileiras, mas aqui chegamos aos detalhes”, afirma o economista Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), parceiro do projeto. Um dos aspectos mais interessantes do estudo é a revelação de que até mesmo entre as classes menos favorecidas existem desigualdades.

Nas favelas localizadas na zona sul, o acesso ao mercado de trabalho – e consequentemente à renda – é mais favorável que nas favelas do subúrbio. Na Rocinha, encravada no meio de uma das áreas mais nobres do Rio, 40% da população é pobre (vive com meio salário mínimo) e 68% dos trabalhadores recebem menos de dois salários mínimos. Já numa favela como Acari, na zona norte, a cerca de 40 quilômetros dali, a situação se agrava: 50% da população é pobre e 75% ganha menos de dois salários mínimos.

Solteira, mãe de três filhos e grávida do quarto, Márcia Cristina Alves, 29 anos, mora em Acari e está desempregada há três anos. “Não ganho mais que R$ 80 fazendo unhas e lavando roupas”, conta ela. Mas a renda fixa de Márcia vem mesmo do programa assistencial Cheque-Cidadão, do governo do Estado, que dá um salário mínimo em vale para compra de alimentos. “Há muito tempo procuro emprego e não consigo.” Sua vizinha, Elaine Soares, 31 anos, tem quatro filhos e também está desempregada. O sustento vem dos biscates do marido, que chegam a render R$ 300. “Ele é pedreiro e nem sempre tem serviço.”

Outra marca do Rio é a proximidade entre realidades sociais completamente diversas. Ao atravessar uma rua, o carioca pode passar de um cenário europeu para locais parecidos com a África. A Rocinha, que leva vantagem na comparação com Acari, fica bem para trás em relação ao bairro vizinho da Gávea. O advogado Luiz Fernando Gabaglia Penna, de 56 anos, vive em uma bela casa de dois andares e cinco quartos na Gávea, onde 99% dos habitantes têm acesso a esgoto, apenas 1% dos residentes são pobres e somente 5% moram em domicílios com mais de duas pessoas por cômodo.