Em meio a uma tempestade de denúncias de corrupção, o governador do Espírito Santo, José Ignácio Ferreira (PSDB), está à deriva. Na noite do sábado 9, recebeu em casa um grupo de deputados estaduais e chegou a fechar um acordo com o presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz (PFL-ES), em que prometeu lotear o governo em troca da garantia de que não será cassado. Ao mesmo tempo que cede a Gratz, José Ignácio estimula a articulação dos senadores Gerson Camata (PMDB-ES) e Ricardo Santos (PSDB-ES) em favor de um “secretariado de notáveis” que deixaria a turma do presidente da Assembléia fora do poder. Nesse vai-e-vem, o governador terá de enfrentar a partir de agosto um processo de impeachment, que foi protocolado pelos partidos de oposição na quinta-feira 12. Depois de ser forçado a demitir seus principais auxiliares – inclusive a primeira-dama, Maria Helena Ferreira – pelo envolvimento no escândalo da cobrança de propinas no governo, José Ignácio está sendo atormentado agora pelas contas da campanha que o elegeu em 1998. Uma investigação do Banco Central comprovou que 60% dos R$ 4,8 milhões oficialmente declarados por José Ignácio à Justiça Eleitoral foram irregularmente financiados pelo Banco do Estado do Espírito Santo, por intermédio de recursos que entraram na conta conjunta número 6.484.893 que ele abriu com o cunhado Gentil Antônio Ruy na agência central do Banestes. Acolhendo proposta do BC, o Ministério Público vai processar o governador pela prática de crime de colarinho branco.

A situação de José Ignácio se complicou ainda mais na segunda-feira 9 quando o vice-governador Celso Vasconcellos (PSDB) entregou na Procuradoria da República um dossiê com toda a movimentação financeira do caixa 2 da campanha. Trata-se da conta 571-1 aberta em nome de Raimundo Benedito de Souza Filho, o Bené, na Cooperativa de Crédito Mútuo dos Trabalhadores da Escola Técnica Federal do Espírito Santo (Cooptefes). Bené é amigo e parceiro de Gentil Ruy desde a época em que trabalharam juntos no Banco Nacional de Crédito Cooperativo, de onde o cunhado de José Ignácio foi demitido, e responde a processo na Justiça por desvio de recursos. Da conta de Bené saíram pelo menos R$ 5 milhões para o pagamento de gastos de campanha e das mais variadas despesas da família José Ignácio. Por exemplo, seis cheques de R$ 7 mil foram repassados à Litting Engenharia Ltda. para a quitação do saldo residual da compra do apartamento 1.001 do Edifício Castelo de Alhambra, registrado em nome do governador.

Como Raimundo Benedito sacava a descoberto na Cooptefes, o rombo levou a cooperativa a pique. Numa tentativa de evitar a falência, o governo capixaba passou a tirar recursos de bancos oficiais para depositar na cooperativa. Foi assim, por exemplo, que a Secretaria da Educação abriu a conta número 15.270 e, numa operação ilegal, transferiu do Banco do Brasil para a Cooptefes R$ 5 milhões da cota-parte estadual do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. O socorro de nada adiantou. A cooperativa acabou quebrando e o dinheiro da Educação simplesmente evaporou. O Ministério Público ainda está apurando o tamanho do prejuízo do Estado porque tem informações de que outros órgãos governamentais também colocaram dinheiro na Cooptefes.

Demissão – Na esteira do escândalo, Gentil Ruy foi demitido da Secretaria de Governo. Ele e sua irmã Maria Helena Ferreira, primeira-dama do Estado, ainda são acusados de comandar um gigantesco esquema de cobrança de propina de empresas em negócios com o Estado. Foram eles também que acertaram com empresários o desconto de 0,45% em todos os financiamentos do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) a operações de importação, o grande filé da economia capixaba. Esse dinheiro era doado à Fundação de Integração Social, criada pelo ex-ministro Anibal Teixeira com o propósito de bancar obras sociais de Maria Helena, a exemplo de uma fábrica de sopas. Mais de 200 empresas repassaram cerca de R$ 2 milhões ao FIS. O curioso nessa história é que a aplicação dessa dinheirama ficou a cargo da Associação Capixaba de Desenvolvimento Social (Acads), uma entidade privada presidida por Raymundo Benedito, que não transferiu os recursos para a fábrica de sopa. A CPI da Propina da Assembléia Legislativa investiga a denúncia de que parte do dinheiro foi parar nas mãos da primeira-dama. Os sigilos bancários e fiscal de Maria Helena, Ruy Gentil e Raimundo Benedito estão sendo quebrados a pedido do Ministério Público Estadual.

Rombo – Especialistas em crédito cooperativo, Ruy Gentil e Raimundo Benedito sempre usaram instituições do setor para fazer suas operações. Na semana passada circulou em Vitória a cópia de um Documento de Operação de Crédito (DOC) de R$ 500 mil enviado pelo Banco Cooperativo do Brasil para a conta de campanha de José Ignácio, no Banestes. O dinheiro foi transferido em 30 de outubro de 1998 pela Unitec – Unidade Técnica Engenharia Construção Ltda., empresa já fechada que pertencia a Carlos Ernesto Campos. O Banco Central não chegou a investigar a origem desses recursos, mas apurou que duas outras empresas de Carlos Ernesto – a construtora CEC Ltda. e a Target Importação e Exportação Representação Ltda. – depositaram no mesmo dia R$ 1,1 milhão para cobrir um rombo na conta de José Ignácio. O relatório do BC comprova que as duas empresas usaram dinheiro do próprio Banestes para tapar o buraco. “Ora, o controlador do Banestes era o Estado do Espírito Santo, que tem como chefe do Executivo o sr. governador. A pessoa do governador é quem exterioriza a vontade do Estado, detendo, inclusive, o poder de escolher o presidente da instituição financeira. Quem exerce o poder de controle encontra-se, em tese, ao alcance das disposições do artigo 17, parágrafo único, inciso I, da Lei 7.492/86” (Lei do Colarinho Branco), indica o parecer do Banco Central. E mais: anuncia que também vai investigar a concessão pelo Bandes de financiamento de R$ 1,4 milhão à Target em maio de 1999.

Cada vez mais enrolado nas investigações sobre corrupção no Espírito Santo, tudo indica que José Ignácio terá de ceder às pressões de Gratz para não ser cassado pela Assembléia. Mas a situação de Gratz também é complicada. Com base em sigilo fiscal quebrado pela CPI do Narcotráfico, a Receita Federal apurou que a evolução patrimonial do dono de um império de jogatina no Espírito Santo não bate com sua renda declarada. Além de ter de pagar uma multa de R$ 181 mil, Gratz vai responder a processo pela prática de crime de improbidade administrativa. Indiciado pela CPI do Narcotráfico, o presidente da Assembléia ainda terá muitas dores de cabeça: estão em curso na Polícia Federal várias investigações, inclusive sobre sua participação no crime organizado capixaba.