Co-fundador da Intel, Gordon Moore diz que a eletrônica andará mais devagar e investe para que a conservação da natureza siga mais depressa

Embora não saiba, quem já usou computador pessoal na vida ou se sentiu obrigado a trocar seu PC obsoleto por um modelo mais moderno – e mais caro – é um adepto da Lei de Moore. Segundo essa profecia, inventada pelo químico americano Gordon Moore em 1965, a cada dois anos a indústria de informática dobra o número de componentes eletrônicos (transistores) gravados numa única pastilha de silício, ou chip, e com isso aumenta na mesma proporção o poder de processamento dos computadores. Aos 72 anos e dono da 60ª maior fortuna pessoal do mundo, de acordo com a revista Forbes, Moore é co-fundador e presidente emérito da Intel, a fabricante dos chips que equipam a esmagadora maioria dos PCs e aparelhos eletrônicos do mundo. Fanático por pescarias no Pantanal, Moore agora dedica seu tempo e dinheiro ao meio ambiente. Doou US$ 35 milhões para a organização não-governamental Conservation International (CI), da qual também faz parte o ator Harrison Ford. Ao lado da mulher, Betty, criou uma fundação para aplicar parte de sua riqueza em projetos de pesquisa científica voltada para a preservação do meio ambiente. Na companhia da mulher e de dois filhos, Moore esteve pela quinta vez no Brasil para uma reunião dos executivos da Conservation International, quando recebeu ISTOÉ para a seguinte entrevista:

ISTOÉ

A Lei de Moore diz que o poder de processamento dos computadores dobra a cada dois anos. Há um limite de validade para sua teoria?

Gordon Moore

O limite existe e provavelmente vamos nos aproximar dele em 15, no máximo 20 anos. O maior empecilho é o fato de os chips serem feitos de átomos, e estamos chegando a tamanhos próximos da dimensão do átomo na microeletrônica. Não podemos ir muito além disso, mas não quer dizer que seja o fim do progresso. As coisas somente vão mudar mais devagar no mundo da eletrônica. Temos dobrado a complexidade dos circuitos eletrônicos a cada dois anos. A capacidade dos circuitos vai aumentar a cada quatro ou cinco anos, mas ainda assim é uma taxa rápida de mudança tecnológica. Não se deve ver isso como o fim da evolução eletrônica.

ISTOÉ

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Que tipo de tecnologia virá depois dos chips de silício?

Gordon Moore

 Os computadores serão feitos com a mesma tecnologia usada hoje. Não acredito que o computador quântico ou de DNA realmente tenha potencial de tirar o lugar da tecnologia de informática. Os produtos de hoje são resultado de um investimento acumulado de US$ 100 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, pagos durante quase meio século por várias empresas de vários países. A tecnologia usada para construir os circuitos eletrônicos integrados é aplicada atualmente em muitas outras coisas. Conheço uma companhia que faz análise química laborato rial usando a mesma tecnologia de um PC. Coloca-se uma gota de sangue nessa máquina e em 90 segundos ela fornece seis tipos de análises clínicas, que antes demoravam de um a dois dias para serem concluídas. Podemos mudar alguns materiais, mas a tecnologia do chip feito de silício não vai desaparecer da noite para o dia. Ela vai se espalhar para outras áreas.

ISTOÉ

Como o sr. chegou à Lei de Moore?

Gordon Moore

 Em 1965, escrevi um artigo para a edição de aniversário da Electronic Magazine. Queríamos fazer uma previsão do que iria acontecer nos dez anos seguintes com os componentes eletrônicos. Comparei os primeiros anos da história dos circuitos integrados, que estavam começando, principalmente nas aplicações ligadas aos serviços militares. Ali dinheiro nunca foi problema. Como diretor de um laboratório de pesquisa como o da Intel, eu podia ver que era possível colocar mais e mais componentes num único chip. Naquela ocasião, o maior deles tinha 60 componentes. Hoje já se colocam 250 milhões de componentes eletrônicos numa única pastilha de silício. O mérito desses circuitos integrados é que eles baratearam a eletrônica. Em 1965, os computadores custavam milhões de dólares, eram menos potentes do que um notebook e ficavam guardados em aquários de vidro, com temperatura controlada. Agora temos câmeras fotográficas, gravadores e todo tipo de aparelho eletrônico equipado com chips. Um carro moderno tem entre 20 e 50 circuitos eletrônicos embutidos nos freios, no airbag, no painel de controle.

ISTOÉ

O que deve acontecer nos próximos anos com a eletrônica?

Gordon Moore

 Tudo vai ficar melhor, mais rápido e menor. Em breve, teremos PCs capazes de reconhecer a voz, a ponto de distinguir, pelo som e pelo contexto da frase, palavras com sons parecidos e grafias diferentes. Os computadores vão entender a linguagem. E, quando atingirem esse patamar, poderemos conversar com eles, fazer perguntas e ouvir as respostas da máquina. Não se descarta nem mesmo um computador que ouça as perguntas em inglês e responda em português. Uma vez que ele entenda a linguagem, será um passo para traduzi-la também. Não sei quando isso vai acontecer porque exige muita capacidade da informática, mas irá mudar a forma como as pessoas usam seus PCs.


ISTOÉ

Em plena era digital, vive-se uma crise de racionamento energético no Brasil e na Califórnia. Estima-se que haverá uma diminuição no tempo que as pessoas dedicam à internet. Qual a sua avaliação?

Gordon Moore

Na Califórnia, significa que os políticos fizeram um péssimo trabalho. Não sei se é o caso do Brasil. Mas é o tipo de situação que pode ser prevista com antecedência. Não acho que o racionamento terá algum tipo de impacto sobre a forma como as pessoas usam seus eletrônicos. É um problema que em poucos anos vai se resolver, e vaque me fez migrar para o mundo da conservação. Penso que é a última chance de preservar alguns dos lugares sob ameaça.

ISTOÉ

Qual sua missão nessa organização ambientalista?

Gordon Moore

Nosso foco é preservar a biodiversidade, o maior número de espécies de plantas e animais possível. Não há razão para levar tantos animais e plantas à extinção. Isso aponta para outro foco, que é determinar as áreas mais importantes e vitais para a conservação da natureza. Não podemos salvar tudo porque as pessoas precisam de recursos para sobreviver e a população mundial não pára de crescer. Mas identificar pontos onde há animais e plantas que não existem em lugar nenhum no mundo, e salvá-los, poderia adiar a destruição em massa por alguns anos.

ISTOÉ

Foi daí que veio a idéia de delimitar os pontos quentes (hot spots) mais destruídos e que, portanto, precisam de ação urgente?

Gordon Moore

Trabalhamos sobre dois pilares. Um são os hot spots, onde há tremenda ameaça às vidas naturais existentes. O Brasil está incluído nessa lista com o cerrado e a Mata Altântica, os dois já em avançado estado de destruição. Na Mata Atlântica, por exemplo, onde o solo é riquíssimo, 90% da vegetação foi destruída, mas ainda há remanescentes, trechos de mata com plantas e bichos nativos da região que podem sobreviver. Outro pilar são as áreas selvagens mais importantes do mundo. São poucas e entre elas está a Amazônia, a Bacia do Congo, Papua Nova Guiné e o Pantanal brasileiro. Nessas regiões há muita diversidade de plantas e animais que não foram completamente destruídos pelo homem. Significa que ainda há algo a se preservar nesses locais.


ISTOÉ

É possível conciliar progresso e desenvolvimento?

Gordon Moore

Desenvolvimento não significa derrubar floresta. Deve-se criar infra-estrutura para a população local tirar proveito da floresta como ela é. O corte de uma árvore pode até produzir madeira, mas é uma vez só e pronto. O mesmo acontece com a mineração do ouro. Há muitos exemplos em que se pode dizer que a floresta vale mais de pé do que queimada. Mas é preciso antes de tudo gerar benefícios econômicos para a população local, ou então não adianta nada preservar o verde.

ISTOÉ

Como as empresas podem ajudar na conservação?

Gordon Moore

Não se pode proibir a extração de petróleo, por exemplo. Mas há empresas destrutivas e outras, não. Existem soluções simples, como usar helicóptero para se deslocar na mata, sem abrir clareiras, ou construir estradas, que são convites à destruição. Custa mais, está certo, mas tem menos impacto sobre a floresta e sobra mais para explorar no futuro. Estamos tentando conversar com indústrias individualmente, para encontrar uma forma pragmática de usar a floresta sem destruí-la. Proteger completamente as áreas verdes é uma política que funciona só durante um tempo, porque as empresas depois voltam para explorar o que sobrou da mata. Temos que encontrar soluções para que várias indústrias façam o que for necessário para servir ao resto da sociedade, com o mínimo impacto possível.

ISTOÉ

 Como colocar essas idéias em prática?

Gordon Moore

O primeiro passo é descobrir as melhores técnicas, trabalhando em parceria com as indústrias. Sabemos o que é importante preservar, e as empresas têm conhecimento de seus negócios. Há uma forte inclinação de as grandes companhias fazerem seu trabalho sem causar tantos danos.

ISTOÉ

Qual a extensão dos danos que o sr. encontrou no Brasil?

Gordon Moore

 O Brasil é o país mais rico do mundo em biodiversidade. Vocês são o número 1 e por isso estamos de olho na conservação por aqui. As oportunidades são grandes. A Floresta Amazônica é o maior trecho de floresta tropical do mundo. O Pantanal é a maior área alagada do planeta. Estive quatro vezes no Pantanal e ali as oportunidades de preservação existem. Fazemos o que é possível. Uma solução foi comprar uma grande fazenda, onde os cientistas e ambientalistas trabalham junto com outras fazendas da região, formando longos corredores ecológicos para que os animais possam migrar de uma área para outra.

ISTOÉ

Como funcionam esses corredores ecológicos?

Gordon Moore

 Quanto maior a área verde preservada, maior o número de espécies que se pode acomodar. O melhor exemplo é a onça-pintada, que circula por um vasto território e precisa se mover de um lado para outro. Há outros milhares de espécies que dependem umas das outras e de seu hábitat para sobreviver. Os cientistas descobrem cada vez novos comportamentos peculiares. Podemos acidentalmente quebrar uma dessas cadeias e destruir uma grande área. Tenho um amigo que trabalha na porção peruana da Amazônia e encontrou uma espécie de bagre imenso que põe seus ovos numa minúscula área, onde existe um garimpo de ouro. É muito fácil esses garimpeiros interromperem o ciclo de vida desses peixes. Proteger o local onde os peixes se reproduzem é também proteger o suprimento alimentar da população que vive na Amazônia. Só que, antes de esse pesquisador descobrir o berço dos peixes, ninguém sabia que eles botavam seus ovos ali. Por isso é importante pesquisar.

ISTOÉ

Qual o papel da ciência na área ambiental?

Gordon Moore

 Sabemos muito pouco sobre os animais, particularmente os bichos da água. Não temos sequer idéia de quantos peixes existem. Recentemente, descobrimos no Pantanal mais de duas dezenas de peixes que a ciência desconhecia. O mesmo ocorre na Amazônia. Há muita ciência a se fazer para saber o que temos no planeta, como os peixes e os pássaros interagem e como eles dependem uns dos outros. Está tudo interligado. A biologia é uma sintonia fina. Por isso é importante preservar aquilo que não conhecemos. Hoje sabemos apenas que é muito fácil cometer um erro, como deixar os garimpeiros trabalhar na área de reprodução de peixes.

ISTOÉ

Como podemos nos beneficiar de ser o número 1 em biodiversidade?

Gordon Moore

 É preciso usar essa riqueza de forma inteligente. O exemplo do peixe demonstra como é fácil fazer bobagem na natureza. Fico espantado de saber quão pouco está desenvolvido o turismo no Brasil, comparado a Portugal, por exemplo, que tem dez vezes mais fluxo de turistas. Pode-se também aumentar a produtividade da terra para a agricultura, sem precisar expandir as plantações para outras áreas, como a Amazônia, que tem um terreno pobre para plantio. Até mesmo a agricultura pode ser feita sem tanto impacto na natureza. Fico impressionado com a Inglaterra, que tem agricultura intensiva. Em vez de usar cercas de madeira, eles plantam arbustos entre as plantações, onde moram os pássaros e os insetos que polinizam outras plantas. Não é necessariamente a solução para o Brasil, mas esse pode ser um exemplo de solução criativa para um problema real, sem impactos danosos. Uma coisa é certa. A pesquisa científica pode ajudar na conservação ambiental. Na ciência, em geral os resultados mais surpreendentes surgem quando se tenta fazer algo diferente. Hoje é difícil conseguir dinheiro para pesquisas que envolvam risco. Por isso é importante usar capital privado na procura de soluções criativas para o problema da destruição do meio ambiente.

ISTOÉ

A escassez de água será tão grave quanto a crise energética?

Gordon Moore

 Esse é um problema que deve chamar muita atenção no futuro. Por uma variedade de razões. A distribuição de água mudou. Estamos vivendo alterações climáticas em decorrência do aquecimento do planeta. Há muita seca e faltam chuvas em vários locais. Como a população cresce sem parar, isso coloca uma pressão fortíssima sobre o fornecimento de água no mundo. Não temos como escapar desse problema.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias