O presidente do Congresso, Jader Barbalho (PMDB-PA), caminha a passos largos em direção a seu cadafalso político. Os promotores de Justiça de Belém, que analisam o desvio de R$ 36,4 milhões do Banco do Estado do Pará (Banpará), já não têm dúvida: um esquema empresarial abastecia contas bancárias de Jader quando ele governou o Pará entre 1983 e 1987. O dinheiro sangrado do Banpará pingou nas contas de Jader, de dois de seus irmãos, de sua ex-mulher e de empresas do senador, entre elas o Diário do Pará. Investigações do Ministério Público estadual e da Polícia Federal, que têm como base relatório montado pelo inspetor do Banco Central, Abraão Patruni Júnior, mostram que um consórcio criminoso de empresas contratadas pelo governo do Estado engordou a movimentação bancária de Jader e sua família. Ao rastrear cheques e registros bancários, os promotores também descobriram uma terceira conta do senador integrada ao esquema, além das duas já conhecidas, de número 000769821-14, na agência do Itaú em Madureira, subúrbio carioca. Entre as empresas que alimentaram as contas particulares de Jader estão duas distribuidoras de títulos, ambas com sede no Rio de Janeiro e já liquidadas pelo Banco Central: a Ética e a Mafra. Documentos mostram que a Ética – cujo nome parece uma ironia – depositou o equivalente a U$ 300 mil na conta do presidente do Congresso em uma operação no valor total de US$ 3 milhões. Exatos 10%. Além disso, foram identificados depósitos de empreiteiras que tocavam obras públicas no Pará, como a Eccir, do empresário José Maria da Costa Mendonça, amigo e tesoureiro das campanhas de Jader.

A Ética era especialista em um ramo também explorado por Jader: a aplicação de Títulos da Dívida Agrária (TDAs). Quebrou em 1988, quando o governo federal suspendeu o pagamento de parte dos papéis. A Mafra aplicava sobras de caixa do governo do Estado. Foi fechada em 1999, porque os donos venderam ações de clientes e sumiram com o dinheiro. O ponto de encontro dessas variadas fontes era o Fundo de Renda Fixa ao portador administrado pelo Itaú, que acolhia as aplicações na agência no Jardim Botânico. Ao dissecar os registros na máquina do caixa da agência, os promotores concluíram que há provas suficientes contra o senador. Trata-se de um crime de peculato (desvio de dinheiro público), punido com até 12 anos de prisão. O esquema de Jader envolvia ainda empresas como a Ortapp Consultorias, uma firma especializada em montar projetos para a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Hoje, ela pertence a Francisco Melo, diretor financeiro das empresas de Jader, mas já teve entre os donos Hamilton Guedes, ex-secretário do senador e ex-diretor Administrativo e Financeiro do Banpará, envolvido até o pescoço nas fraudes ocorridas no banco. A turma de Jader também aparece como favorecida em empréstimos podres distribuídos pelo banco. O amigo-tesoureiro José Mendonça é um deles.Além das novidades reveladas pela papelada do Banco Central, o cerco a Jader nas operações em TDAs se fecha dia a dia. Descobriu-se que no Mirad, sigla do Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário chefiado por Jader, existia até um escritório montado para negociar TDAs. Ao mesmo tempo que controlava as fazendas desapropriadas, o chefe da Divisão de Cadastro e Tributação do Incra em Belém, Henrique Santiago da Silva, também comandava a Free-Lancer Assessoria, Consultoria, Loby, Negócios e Serviços Ltda., empresa que cobrava 20% para cancelar débitos fiscais de proprietários rurais, entre outros servicinhos. Na terça-feira 10, o próprio Jader foi chamado a depor na polícia – um vexame inédito para um presidente do Congresso. Complicou-se mais. O senador mostrou-se solícito ao admitir a quebra de seu sigilo bancário de setembro de 1987 a julho de 1988, quando ocupou o Mirad, mas negou-se a admitir a quebra de seu sigilo fiscal. Com um patrimônio incompatível com sua renda, Jader se arrepia em pensar que sua riqueza pode ser rastreada. O mesmo temor levou sua ex-mulher, a deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA), a negar, debaixo de choro convulsivo, que seu sigilo fiscal caísse por terra. Esquivando-se da maioria das perguntas, principalmente as que diziam respeito ao seu patrimônio, o senador paraense não conseguiu explicar por que aprovou a toque de caixa o pedido de desapropriação da Fazenda Paraíso, que só existia no papel, e desconversou sobre suas ligações com o empresário Vicente de Paula Pedrosa da Silva, dono da fazenda-fantasma e responsável pela venda dos TDAs emitidos de forma fraudulenta.

Os depoimentos de dois funcionários do Incra, Luiz Fernando da Silva Munhoz e Raimundo Hugo de Oliveira Picanço, colocaram por terra as explicações do senador, que nega ter interferido no caso. O engenheiro agrônomo Raimundo Oliveira, responsável pela inspeção da área, confirmou que a decisão de remeter para Brasília o processo de desapropriação da Paraíso partiu mesmo de Jader. O topógrafo Munhoz acrescentou mais detalhes comprometedores. Segundo ele, a vistoria da área foi feita de avião com o custo pago pelo empresário Vicente de Paula Pedrosa, que sempre estava no Incra junto com Hamilton Guedes. Na quinta-feira 12, com suas versões demolidas, Jader divulgou uma nota oficial. “Fica claro que continuo a ser vítima da mentira e da leviandade”, diz a nota. Jader realmente se defende como pode, e como não pode. O presidente do Senado, que já vinha usando a TV e a Rádio Senado para retransmitir suas entrevistas, agora mobilizou a Advocacia do Senado em sua defesa. Uma missão quase impossível.

Colaborou Carlos Mendes (PA)

Mágoa de primo

Marcílio Guerreiro, gerente-geral do Banpará que assinava liberação do dinheiro para Jader Barbalho e pessoas ligadas ao então governador, acusa o presidente do banco na época, Nelson Ribeiro, de compactuar com as maracutaias. Magoado por ter sido o único a ser punido dispara: “Ele me acusa para tirar o dele da seringa.”

ISTOÉ – O sr. mandou para ISTOÉ uma carta dizendo que não participou das liberações.
Marcílio Guerreiro –
O Nelson (Nelson Ribeiro, presidente no Banpará em 1984) me telefonou desmentindo aquilo que foi publicado a meu respeito semana passada.

ISTOÉ – Temos a fita com essas e outras declarações de Nelson a seu respeito.
Marcílio –
Mande uma cópia que eu quero desmascarar esse filho da puta! Ele fez sujeira comigo no banco.

ISTOÉ – Ele disse que ficou chateado quando soube que o sr. andava liberando milhões para clientes sem o conhecimento dele.
Marcílio –
Uma das mágoas que eu tenho é que ele, além de ser presidente do banco, era meu primo. Ele me convidou para assumir a agência central dizendo que seria o presidente do banco. Infelizmente eu aceitei.

ISTOÉ – O Nelson disse que o sr. liberava milhões porque se sentia pressionado por empresários ligados ao Jader.
Marcílio –
Eu pergunto uma coisa: você é presidente de uma empresa, assina seu balancete todo mês. Nele aparece o ativo e o passivo. No ativo, relativamente grande, tem o adiantamento a depositantes. Então, você assina esse balancete e não vê isso?

ISTOÉ – O Nelson negou ter tomado conhecimento desse rombo.
Marcílio –
Quando a diretoria viu o adiamento a depositantes e que firmas tais e tais eram ligadas ao governador Jader, Nelson mandou arquivar e ainda assinou. Ele sabia de tudo. É um cínico e mau-caráter.

ISTOÉ – O sr. declarou que o dinheiro ia para o Jader?
Marcílio –
Disse que o dinheiro ia para pessoas ligadas ao governador.

ISTOÉ – O sr. se sente traído?
Marcílio –
Só sobrou pra mim, porque fui demitido. Não tive direito a defesa. Hoje, estou num empreguinho ganhando R$ 1.300.
Carlos Mendes