Os antropólogos não têm a menor sombra de dúvida que homens e macacos são primos na linha evolucionária das espécies e têm uma origem comum. O sonho de carreira de todos eles, agora, é descobrir o elo perdido – o ancestral que separou definitivamente a estrada entre humanos e macacos. No decorrer da história, o homem moderno perdeu o pêlo, a robustez do corpo e ganhou inteligência. O macaco ficou para trás. Na semana passada, pesquisadores da Universidade da Califórnia desentalaram do solo africano – a 230 quilômetros a noroeste de Addis Abeba, capital da Etiópia – ossos de mãos, pés, braços, pescoço e maxilares com dentes que teriam pertencido a uma nova subespécie da família humana, a Ardipithecus ramidus kadabba. E garantem: seus representantes são o mais antigo ancestral do homem.

Os fragmentos de esqueleto têm as mesmas medidas das de um chimpanzé moderno. Os dentes maiores, sugerindo uma dieta de fibras como os grãos, estão mais para os humanos e nunca foram encontrados num fóssil de macaco. Além disso, os Ardipithecus tinham os ossos dos pés parecidos com os dos homens primitivos. Quando eles começaram a andar sobre duas pernas, fixavam a sola dos dedos no chão e lançava ao ar os calcanhares.

Os fósseis etíopes são de primatas bípedes que teriam vivido entre 5,2 e 5,8 milhões de anos atrás, no período mioceno, num ambiente hostil, de intensa erupção vulcânica e lagos repletos de lavas. Pode-se dizer que os Ardipithecus – anunciados na revista inglesa Nature, na semana passada – eram sobreviventes. “Além de reforçar a teoria do evolucionista Charles Darwin de que o homem surgiu na África, os fósseis indicam que a separação entre chimpanzés e humanos já estava bem delineada naquele período”, explicou o paleontólogo Yohannes Haile-Selassie (nenhum parentesco com o ex-imperador etíope). Até então, supunha-se que essa separação teria ocorrido há cinco milhões de anos.

Elo perdido – Mas ainda não foi dessa vez que se chegou ao elo perdido. Mesmo assim, quando se trata de discutir a origem humana, há sempre polêmica. Os Ardipithecus – encontrados a 75 quilômetros da região onde, em 1974, foi desenterrada Lucy, a famosa tataravó da humanidade – terão que competir com outro candidato a ancestral mais antigo do homem. No início do ano, cientistas franceses apresentaram ao mundo o Orrorin tugenensis, ou Homem do Milênio. Bípede, ele teria vivido há seis milhões de anos e seria a prova de que o homem andava sobre duas pernas dois milhões de anos antes do que se pensava.

Mas será o homem moderno, nascido há 35 mil anos, um descendente direto dessas duas criaturas, que não foram reconstituídas por não terem o esqueleto da cabeça nem os ossos intactos? A linha única de descendência que vai do macaco ao homem há muito tempo deixou de ser uma certeza. Dois anos atrás, um exame de DNA constatou que o homem de Neanderthal (de cerca de 130 mil anos) não tinha nenhum parentesco com nossa espécie. Ainda assim, tanto ele quanto o Orrorin e o Ardipithecus são considerados hominídeos – a família de primatas que inclui o homem em sua cadeia evolutiva. A descoberta de vários hominídeos nas últimas décadas tem ajudado a diminuir o intervalo que separa o homem moderno dos macacos. Só que, para complicar, nem todo hominídeo é homem, embora todos estejam na linha de transição entre o chimpanzé e o ser humano. Alguns tipos tinham dentes tão estrambólicos e cérebro tão pequeno que não poderiam ser classificados de humanos.

Na briga para fazer valer o seu Ardipithecus ramidus kadabba, Haile-Selassie questiona o concorrente: “Orrorin pode ser o mais primitivo ancestral, chimpanzé, hominídeo ou um macaco que se extingiu. Só mais fósseis poderão esclarecer.” Os cientistas admitem que quanto mais se investiga a origem do homem, mais sua árvore genealógica ganha contornos de arbusto emaranhado. E excita os pesquisadores. “O estudo da evolução humana é comparável a uma fotografia em processo contínuo de revelação. Cada descoberta acentua a cor da imagem”, afirma o paleontólogo Castor Cartelli, da Universidade Federal de Minas Gerais. A fotografia pronta, por enquanto, ainda é um exercício de imaginação.