Por definição, um edifício é uma escultura porque é um objeto tridimensional.” O arquiteto Frank Gehry, 78 anos, nunca escondeu sua predileção pela arte. Formas, materiais, cores, texturas são a tônica do trabalho do profissional-símbolo da era da arquitetura extravagante. A obra mais popular deste mágico das estruturas, o Museu Guggenheim de Bilbao, completa dez anos em outubro – e ainda causa polêmica. A cidade só tem a comemorar: centro industrial e dona de um movimentado porto no passado, Bilbao estava em decadência e renasceu com a abertura do museu.

Hoje, o Guggenheim atrai um milhão de turistas por ano, 75% de fora da Espanha (o Brasil inteiro recebe cinco milhões de visitantes estrangeiros). Floresceram na cidade hotéis charmosos, restaurantes badalados e lojas de grife. Apenas nos primeiros três anos, estima-se que o museu tenha gerado 500 milhões de euros em atividade econômica na região, além de 100 milhões de euros em impostos. “A cena artística local também se beneficiou. Dois milhões de pessoas participaram dos nossos cursos nesse período e o público dos outros museus aumentou”, disse Marga Meoro, diretora de comunicação e marketing do Guggenheim.

“A cultura hoje é uma grande moeda de troca”, diz David Sperling, professor de arquitetura da USP, estudioso do tema Projeto, Espaço e Cultura. “As cidades precisam participar da corrida mundial em busca de recursos. A arte entra com a face nobre deste cenário e a arquitetura com o suporte midiático.” Embora este processo não seja exatamente novo – a torre Eiffel causou furor semelhante em Paris no século XIX – e vários governos tentem replicar o “efeito Bilbao”, de Cincinatti, nos Estados Unidos, a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, o impacto do Guggenheim de Frank Gehry ainda não tem paralelo recente.

Caberá ao tempo encontrar o lugar deste inventivo arquiteto na história. Canadense radicado em Los Angeles (EUA) desde a adolescência, Gehry só ganhou visibilidade após os 50 anos. Exlutador de boxe e de artes marciais, na juventude ele ajudava o pai dirigindo caminhões, o que lhe valeu o maldoso apelido de “caminhoneiro” de críticos que viam “truculência” em sua obra. Até a metade da carreira, criava prédios basicamente convencionais e tinha Frank Lloyd Wright, o idealizador do Guggenheim de Nova York, como inspiração.

Ele atribui ao seu psicanalista junguiano e à sua segunda mulher, uma panamenha com quem teve dois filhos, sua virada criativa. A casa do arquiteto em Santa Mônica, na Califórnia, construída entre 1977 e 1978 e ampliada depois no início dos anos 90, é considerada seu primeiro trabalho inovador. A vizinhança, entretanto, não gostou da experimentação de formas e materiais e classificou a construção como “anti-social, monstruosidade, prisão”. Ofensas e ameaças de processo seguiram-se à obra. Outros trabalhos marcantes de Gehry antes do Guggenheim são a agência de publicidade em Los Angeles cujo acesso é marcado por um binóculo e o peixe que ele desenhou para a vila olímpica de Barcelona. “Ele rompeu o modernismo com novas propostas”, diz o arquiteto Ruy Ohtake, um admirador de Gehry. “A obra dele é inovadora, é um grande exemplo de arquitetura contemporânea.”

O peixe viabilizou anos depois o Guggenheim. Para construí-lo, Gehry utilizou um software revolucionário que facilita o cálculo das formas arrojadas propostas por ele. Embora a tecnologia seja uma aliada, o arquiteto sempre desenvolveu projetos em modelos tridimensionais. Só para o Guggenheim foram mais de dez maquetes. “Gehry não é de grandes teorias, ele acredita no fazer”, diz Ohtake, que o conhece pessoalmente e tem certeza de que o museu continuará importante daqui a 20 anos.

Frank Gehry é atualmente o maior expoente dos starchitects, os arquitetos- estrela, categoria na qual também figuram a iraquiana Zaha Hadid, o espanhol Santiago Calatrava, o japonês Tadao Ando, o britânico Norman Foster e o francês Jean Nouvel. Mas ele transcendeu a arquitetura e virou um ícone pop. Além de prédios, desenha jóias para a Tiffany e relógios para a Fossil. Tornou- se uma grife que é possível possuir em casa.

PEIXE EM BARCELONA
Erguido entre 1989 e 1992 para a Olimpíada, o peixe é o precursor do Guggenheim, pois é a primeira obra de Gehry a se beneficiar da tecnologia. Para construí-lo, foi utilizado um software revolucionário que facilita o cálculo das formas arrojadas propostas pelo arquiteto no que se refere ao desenho e ao controle de custos

CASA NA CALIFÓRNIA
A casa do arquiteto, na Califórnia, construída entre 1977 e 1978 e ampliada no início dos anos 90, é considerada seu primeiro trabalho inovador. A vizinhança, entretanto, não gostou da experimentação de formas e materiais e classificou a construção como “anti-social, monstruosidade, prisão”. O caso quase foi parar na Justiça