Luciana de Francesco
Maluf, o criador, procura manter seu cacife político tentando desvincular sua imagem de Pitta a criatura, que agoniza

A reeleição não existia e fazer o sucessor significava ocupar espaços e dar continuidade política aos seus planos de voar mais alto na eleição seguinte: Maluf queria, pela quarta vez, tentar o Planalto. Mas, 11 dias após a consagração de Pitta-Maluf nas urnas, começava a hora do pesadelo. O Senado criou a CPI dos Precatórios e Celso Pitta virou alvo das investigações. Quando era secretário de Finanças do seu criador emitiu R$ 3,2 bilhões em títulos para pagar dívidas de R$ 1,9 bilhão. A sobra entrou no segundo desvio. O golpe partiu do Banco Central. Em relatório, afirmou que Pitta fizera operações que resultaram num prejuízo de R$ 10,7 milhões. Vendeu, de 1994 a 1996, títulos com valores inferiores ao de mercado para recomprá-los a preços estratosféricos. Há quem faça paródia com o slogan de Duda Mendonça criado para o ex-prefeito: “Foi Maluf quem fez.”

Numa só tacada vieram o Frangogate – frango superfaturado para a merenda escolar vindo das empresas dos Maluf – e os escândalos do Vectra e do Tempra da primeira dama Nicéa Pitta. O primeiro, comprado por um doleiro e o segundo alugado pelo Banco Vetor, que negociava precatórios com a prefeitura. No fim de 1997 e no início de 1998, Pitta foi condenado pelos prejuízos e teve os bens bloqueados. Maluf, que já desistira da Presidência, tentava outra tacada. Pretendia pôr Pitta para escanteio e descolar-se da imagem de sua criação para eleger-se governador. No horário eleitoral disse que “Pitta começou muito mal.” Foi como se o ano de 1997 não existisse na administração do afilhado. Com uma dívida de R$ 1 bilhão em papagaios deixados pelo padrinho, Pitta parou a cidade, que viu o mato crescer nas praças, o lixo e os buracos tomarem as ruas e os canteiros de obra virarem lama.

Os ataques de Maluf continuaram. Mas o casamento político só acabou após a vitória de Mário Covas nas urnas. Pitta afastou secretários, mostrou que não está morto e ensaiou um vôo solo na base do toma-lá-dá-cá com os mesmos vereadores e colaboradores do padrinho. As administrações regionais foram usadas como moeda de troca. Mas ao mexer as peças no xadrez da política paulistana, Pitta se viu em xeque no escândalo da máfia dos fiscais, que expôs a promiscuidade nas relações entre a prefeitura e a Câmara de Vereadores. Foi quando entrou em cena o padrinho Paulo Maluf. Através de seu escudeiro Calim Eid, insuflou a oposição para tocar uma CPI, acendendo, ao mesmo tempo, o forno para assar mais uma pizza política. Chamou a atenção dos vereadores para o risco de perderem o apoio da máquina caso embarcassem na manobra oposicionista. Maluf queria salvar Pitta e manter-se vivo. Barrou a CPI por um voto e trocou a permanência do prefeito pela cassação de Vicente Viscome, Hanna Garib e Maeli Vergniano. José Izar estava nesta lista. “Eu tenho 35 amigos nessa Casa. São amigos que vou carregar sempre na minha mão”, advertiu Izar da tribuna. Livrou-se da cassação. Mesmo assim, vereadores apostaram que Pitta não chegaria até meados de 1999 à frente do cargo.

Marcos Mendes/AE
Maluf elege Pitta: “Se ele não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim”

O segundo pedido de impeachment, feito pela OAB, aconteceu após uma crise conjugal do explosivo casal. A mulher Nicéa, depois de pedir e não conseguir a cabeça de três secretários (Jorge Pagura, Carlos Meimberg e Alda Marcoantônio) pôs o marido para fora de casa. Tentou uma reconciliação, desistiu e denunciou à Rede Globo os esquemas de corrupção da prefeitura. Nicéa deu nome aos bois e falou de empréstimos milionários feitos ao ex-marido por Jorge Yunes. Quem toma a decisão de tirá-lo do cargo é a Justiça. Fez isso duas vezes. Mais tarde, já com o vice e desafeto Régis de Oliveira à frente da prefeitura, a mesma Justiça devolve o mandato a Pitta. O impasse provocado pelo entra e sai do prefeito e a proximidade das eleições municipais o salvaram. Um trunfo tanto para os que apostam em nomes mais conservadores quanto para os que marcham com a oposição. Era melhor arrastar o cadáver do que enterrá-lo de vez. Pitta representa a continuidade de Maluf. A exploração dessa imagem e, principalmente, da herança deixada pelo governo era uma arma.

Alan Rodrigues
“Tentei convencê-lo a denunciar a corrupção. Mas ele se limitava a dizer que tudo fora herdado de Maluf”

Para o líder do PT na Câmara, vereador José Eduardo Cardozo, o principal problema está na dívida a curto prazo, de R$ 1,4 bilhão que terá de ser saldada pelo sucessor. A decisão fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe esse repasse, mas Pitta repete Maluf: toca obras como o Fura-Fila e o Cebolinha graças a isso; rola o papagaio e propõe um parcelamento do montante em quatro anos. O secretário de Comunicação da Prefeitura, Antenor Braido, disse que Pitta cumprirá a lei pagando ou deixando reservas para que as obras sejam quitadas. Quanto à herança política, Cardozo é tachativo: “São Paulo é uma cidade destruída. Pitta é uma continuidade do Maluf.”

Ao contrário dos demais candidatos, Maluf não reagiu à decisão de Pitta de passar a conta. Alegou estar acostumado a pegar orçamentos “sem grande austeridade” e disse que “dá conta do recado”. Pitta reage: “A herança de Maluf foi pior e por causa dela não pude investir.” Em entrevista a IstoÉ, justificou suas dificuldades: “O que posso fazer tendo um padrinho como Maluf, um vice como Régis e uma mulher como Nicéa?” O que dirá seu sucessor quando tomar as rédeas da cidade?
Colaborou Juliana Vilas

O espólio de Pitta

Corrupção O desmanche da máfia da propina que atuava nas 27 administrações regionais expôs o lado mais sujo e promíscuo da relação entre a prefeitura e a Câmara de Vereadores. A corrupção mostrou-se endêmica, contaminando toda a máquina. O loteamento das administrações foi intensificado para dar sustentação ao prefeito. Foram cassados os vereadores Vicente Viscome (PPB), Maeli Vergniano (PDT) e o deputado Hanna Garib (PPB). O vereador José Izar (PFL) ameaçou os companheiros e ficou de fora. Apesar de ser acusada de formação de quadrilha, coação de testemunhas, porte ilegal de armas e peculato, a vereadora Maria Helena Fontes (PL) conseguiu manter-se no cargo.

Educação Construção de escolas e creches foram paralisadas, projetos educacionais que atendiam à juventude de baixa renda foram esvaziados. Segundo a oposição, houve uma redução de 50% no Fundo da Criança e da Adolescência. Pitta aplicou apenas 19% das receitas obrigatórias em educação, quando a Lei Orgânica do Município determina 30% e a Constituição 25%. Suas contas de 1999 foram rejeitadas pelo TCM.

Saúde O projeto preferido de Paulo Maluf, o Plano de Atendimento à Saúde (PAS), já nasceu em 1996 com superfaturamento e desvio de verbas. Aos seis meses era alvo de investigações da polícia e do Ministério Público Estadual. Pitta seguiu os passos de Maluf e usou o PAS para se eleger. Os escândalos foram empurrados com a barriga até setembro de 1999, quando o prefeito resolveu trocar o nome do projeto para Sistema Integrado Municipal da Saúde (SIMS). Mas isso não inibiu a corrupção, tampouco as investigações, principalmente depois das denúncias de Nicéa. O Ministério Público quebrou o sigilo telefônico do ex-secretário da Saúde Jorge Pagura e determinou a quebra do sigilo fiscal da empresa Matmed, que fornecia medicamentos superfaturados. A falta de investimentos em unidades de saúde, hospitais e manutenção desmontou o setor. Das 25 ambulâncias usadas para emergência, 20 estão paradas. O próprio secretário de Saúde, Carlos Alberto Velucci, estima que pelo menos 40 ambulâncias da secretaria estão paradas.

Transportes Seis meses antes de deixar a prefeitura, Paulo Maluf deu início à terceirização dos transportes públicos, acabando com a CMTC. Rateou os ônibus entre as empresas, que, até hoje, não cumpriram o que está nos contratos: não houve renovação de frota, obras para corredores e terminais. Os desmandos e a quebra do setor, associados ao desemprego e à não expansão das linhas e estações do metrô, incentivaram o surgimento dos perueiros.

Habitação/Urbanização O projeto Cingapura, também obra de Maluf, está aquém do prometido por Pitta. Ele só cumpriu 17% do anunciado, ou seja: construiu pouco mais de dez mil unidades, mas assegura que ultrapassará, até o fim do mandato, a marca do ex-padrinho, quase 12 mil unidades. A conservação da cidade é outra reivindicação do paulistano. Praças, jardins e prédios públicos estão deteriorados. Não existe investimento para revitalização nem de áreas nobres e tradicionais, como o centro velho, por exemplo.