O principal astro do endereço 602 da Vila Olímpica de Sydney – casa ocupada pelas equipes brasileiras de tênis e judô – é o tenista Gustavo Kuerten. Mas essa semana Guga ocupou o lugar dos que aplaudem, passando de ídolo a tiete. “Duas pratas. A casa tá ficando pesada”, brincou o tenista. Guga festejava a vitória de dois companheiros de residência, os judocas Tiago Camilo e Carlos Honorato (que raspou a cabeça com a máquina do tenista). Os dois ganharam medalha de prata, os principais feitos da delegação brasileira na primeira semana de disputa. Recheado de estreantes em Olimpíadas, o judô brasileiro era a maior incógnita da delegação. Mas os atletas honraram a tradição de uma equipe que, apesar das denúncias de corrupção contra o todo-poderoso chefe da confederação nacional, Joaquim Mamede, há cinco Olimpíadas não volta para casa de mãos vazias. Com as duas pratas, o judô soma dez pódios e termina sua participação em segundo lugar no ranking da história da participação brasileira na competição mundial, com o mesmo número de medalhas do iatismo. E a apenas uma da marca atual do atletismo, que joga sua sorte nesta última semana.

As medalhas foram fruto do suor de duas revelações. Tiago Camilo, 19 anos, na categoria até 73 kg, e Honorato, até 90 kg, saíram do pódio vitoriosos. Honorato classificou-se como reserva de Edelmar Zanol, o Branco, e acabou ganhando a vaga com a contusão do colega. Tiago sempre mostrou talento nas disputas de base. No ano passado, venceu o Pan e, no início deste ano, foi vice-campeão do Torneio de Paris. Estava sendo preparado para chegar ao pódio nas Olimpíadas de Atenas, em 2004. Mas estourou quatro anos antes do programado. Chegou à final vencendo por ippon (o golpe perfeito, equivalente ao nocaute no boxe) adversários duros, como o português Michel Almeida, atual campeão europeu, e o coreano Yong-Sin Choi, que havia desbancado os campeões olímpico e mundial. Na luta final, quando tentava reverter a desvantagem nos pontos, levou um ippon num contra-golpe bem aplicado pelo italiano bicampeão europeu Giuseppe Maddaloni.

Honorato, que sempre dependeu de rifas e sorteios para pagar o treinamento, arrasou com o francês Frederic Demontfaucon

Tiago não se conteve. “Foi uma merda”, disse após a luta, sem se dar conta de que se tornara o mais jovem judoca brasileiro a conquistar uma medalha olímpica. Sozinho no pódio, tremeu ao ver a bandeira brasileira subindo no Sydney Exhibition Centre. Ao mesmo tempo, os habitantes de Bastos, cidade de 25 mil habitantes no interior de São Paulo, festejavam o conterrâneo ilustre. Na casa de Cristina Camilo, mãe de Tiago, todos passaram a madrugada acordados. Quando o som do hino nacional italiano foi executado (apenas o do país vencedor é tocado no pódio), a família cantou o hino nacional e chorou. O telefone na casa de dona Cristina não parou de tocar. “É ótimo saber que nosso filho está sendo admirado pelo Brasil inteiro”, comemorou.

Na noite de quarta-feira 20 (madrugada no Brasil), Honorato, criado em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, assustou os adversários com sua cara de mau. Ele venceu na semifinal o francês Frederic Demontfaucon, mas acabou derrotado em um contragolpe pelo holandês Mark Huizinga. “Os garotos da academia eram melhores do que eu. Se tivessem continuado, estariam no meu lugar”, exagerou o judoca. Filho de ex-judocas, ele entrou para o esporte aos oito anos. “Fizemos de tudo para dar as oportunidades”, lembra o pai, Antônio. “Agradeço aos meus pais e aos amigos, que faziam rifas e sorteios”, lembrou Honorato. Na madrugada da quarta-feira 20, o filho retribuiu o investimento. De chinelo, embrulhada num cobertor, a mãe, Elza, acordou a vizinhança em Taboão da Serra para uma comemoração improvisada, com coxinha, refrigerante e pão de queijo. Honorato e Tiago defendem o time de São Caetano (SP). Em troca, recebem uma ajuda de custo mensal de R$ 1.000. Tudo indica que, daqui para frente, a renda dos dois – e o porte das festinhas – irá aumentar.