Alan Rodrigues
A cabeleireira Elaine emagreceu 12 quilos e faturou R$ 300 mil

Nas últimas oito semanas, as cenas mais comentadas da tevê não foram os beijos ardentes da novela das oito. Numa febre mais inexplicável do que a do Jogo do milhão, do SBT, todo mundo só queria saber das peripécias de personagens anônimos conhecidos por Pipa, Elaine, Thiaguinho e Andréa, os protagonistas de No limite. Cópia de programas que pretendem imitar a vida real como Survivor, da rede americana CBS, a gincana transmitida aos domingos pela Rede Globo atingiu médias de até 50 pontos no Ibope, gerou discussões sobre voyeurismo e uma série de sites na internet, alguns insinuando que tudo não passava de encenação.

Em 11 de julho, os 12 selecionados se isolaram com a equipe da Globo na praia dos Anjos, nas proximidades de Fortaleza, Ceará, para disputar um prêmio de R$ 300 mil. No prazo de um mês, sob o constante foco das câmeras, disputaram provas que beiravam o escatológico, como refeições à base de olhos de cabra e óleo de fígado de bacalhau, competições em mar aberto, subidas de dunas movediças e sessões de pintura tribal. Para dificultar mais as coisas, o apresentador Zeca Camargo recorria a táticas de tortura psicológica como confiscar uma dúzia de cocos colhidos pelos concorrentes subalimentados, impingindo-lhes uma espécie de lei seca.

A vencedora, Elaine Cosmo de Melo, cabeleireira paulistana de 35 anos, entrou na disputa desacreditada por ser gordinha. Agora ela se sente uma mulher de sorte. Graças à dieta forçada de 250 calorias diárias, perdeu 12 de seus 97 quilos. Um ano depois de vender o carro para adiantar prestações de um apartamento de dois quartos comprado em regime de cooperativa, ganhou um Gol zero-quilômetro, pela participação no programa. A mãe, Marli, com quem trabalha num salão elegante de São Paulo, também faturou um numa gincana no Caldeirão do Huck. O prêmio de R$ 300 mil, diz Elaine, foi pouco diante da “oportunidade de tirar 60 dias de férias”, viajar pelo Nordeste, Rio, Chile e Argentina para fugir da imprensa e descobrir que tem uma família perfeita. Ela pretende usar o dinheiro para quitar o apartamento, pois atualmente vive numa casa de quarto e sala no quintal da mãe. Vai continuar cabeleireira, mas pensa em lançar um site na internet e, quem sabe, fazer propaganda para os Vigilantes do Peso.

ISTOÉ – Por que decidiu participar de No limite?
Elaine – Precisava de um tempo para mim. Acabo de sair de uma crise conjugal. Sonhava em tirar férias do trabalho, dos filhos, do marido, de tudo. Depois que você é mãe, nunca mais tem essa oportunidade: se vai para um sítio, leva filhos, sobrinhos e fica cuidando deles e da casa. Faço terapia há dois anos e precisava ficar sozinha um pouco, para me analisar. O programa era a desculpa perfeita. Meu marido achou que eu não voltaria.

ISTOÉ – E os R$ 300 mil? Dá até para montar um salão de beleza…
Elaine – Que nada! Volto para o meu emprego em duas semanas. Fiquei feliz porque conseguimos dois carros, tive as férias que queria e pude voltar para casa dando ainda mais valor à família, que é bem menos problemática do que a de todas as outras pessoas que vi lá. Mas R$ 300 mil não é tanto dinheiro assim, não. Para quê parar de trabalhar? A vida é muito boa assim, simples.

ISTOÉ – No programa Survivor, venceu o gay individualista que colocava um competidor contra o outro. Na versão brasileira, a gordinha que não trapaceia. A que você atribui o resultado?
Elaine – Ao meu equilíbrio emocional. A maioria das provas não exigia força, mas pontaria, inteligência ou serenidade. A primeira a ser eliminada foi justamente a Hilca, que por ser gordinha não tinha agilidade. Logo vi que quem não se integrava, era expulso. Como o Jefferson, que dedurou o Thiaguinho. A Andréa só ficou até o final porque manipulava as pessoas. Fui vivendo um dia depois do outro. Falava para o grupo que se tivessem de me eliminar para ganhar, que eliminassem. Cheguei fraca, mas fui adquirindo resistência. Tinha bastante gordura para perder.

ISTOÉ – Ter sido subestimada pelos outros competidores ajudou?
Elaine – Claro. Como ninguém achava que eu poderia ganhar, nunca votavam pela minha expulsão. Diziam: “a Elaine, que corre menos, fica em tal lugar, deixa o outro fazer”. Sou gorda mesmo, mas não ia me deixar machucar por ouvir isso de pessoas que mal conheço. Os psicólogos constataram que os concorrentes iam caindo por causa do stress emocional.

ISTOÉ – Que tipo de stress ?
Elaine – O da convivência com um grupo de estranhos querendo se atracar. Andréa chegou a me chamar de hiena, dizendo que como m… e dou risada. Fora as privações que eram parte da prova. Colhemos cocos e resolveram tomá-los, impondo-nos uma lei seca. De manhã, ninguém podia sair do acampamento enquanto a produção não estourasse um foguete. Ficávamos confinados e ansiosos até ouvir o estalo. Algumas vezes simplesmente não emitiam o sinal.

ISTOÉ – Qual a sensação de estar no meio da mata com uma câmera no seu encalço, sabendo que a imagem será vista por milhões de pessoas?
Elaine – Não tinha noção da dimensão do programa. Éramos um bando de pessoas isoladas. Só senti isso quando eu e Pipa viajamos para o Chile e a Argentina fugindo da imprensa. De tanto assédio, levamos cinco horas para comprar um sapato num shopping de Buenos Aires. Foi o No Limite parte 2.

ISTOÉ – Não se irritava com o bando de câmeras na sua cola e o diretor gritando “Corta!”?
Elaine – Não era assim, não era tudo dirigido. O diretor só interferia no início das provas, dizendo onde cada um ia ficar. Na maior parte do tempo, havia só um câmera e um técnico com microfone. Por isso, tínhamos de andar em grupo e não podíamos falar com ninguém da produção. Só me irritei uma vez em que fui ao banheiro e me filmaram. Não era necessário.

ISTOÉ – Como o programa foi editado, levantou boatos de fraude. Há até enquete na internet discutindo se vocês comeram mesmo olhos de cabra.
Elaine – Gente, aconteceu mesmo! Estávamos famintos, loucos para comer qualquer coisa. Além de olho de cabra, teve cérebro de bode, ouriço e óleo de fígado de bacalhau. Aquilo passou a ser a nossa vida e quem se recusasse, estava fora. Para uma pessoa perder 12 quilos, como eu, só tendo passado fome.