Uma manobra desastrada que atenta contra o interesse de cerca de 20 milhões de crianças e adolescentes e desafia o regimento interno do Senado retardou mais uma vez a aprovação da lei que torna obrigatória e automática a guarda compartilhada, mecanismo apontado por educadores de todo o mundo como o melhor modelo para a formação dos filhos de casais separados. Os movimentos que vêm impedindo a aprovação do PL 117/13 são capitaneados pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e pelos senadores Humberto Costa (PT-PE), Romero Jucá (PMDB-RR) e Jaime Campos (DEM-MT). Amplamente discutido, o projeto já foi aprovado na Câmara, passou por duas comissões no Senado e deveria ter sido votado em plenário no fim de setembro. Mas as ações do Ministério da Justiça retardam esse processo. A última delas ocorreu na quarta-feira 12. A Comissão de Assuntos Sociais acatou decisão do senador Jayme Campos e determinou que o PL seja levado a audiência pública a se realizar na quinta-feira 20. A se manter o roteiro traçado pela tropa do ministro Cardozo, o projeto terá uma mínima chance de ir a plenário na última semana de novembro. Qualquer outra manobra deve arrastar a questão apenas para o próximo ano.

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O LÍDER
O ministro Cardozo tem agido para retardar a aprovação do PL 117/13

O regimento interno do Senado impede que os projetos em regime de urgência sofram emendas que não as colocadas em plenário. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o regime de urgência do PL 117/13 em 2 de setembro e o mesmo deveria ser submetido à votação em 29 de setembro, o que não foi feito graças a uma intervenção do senador Humberto Costa. No último dia 4, foi a vez de o senador Romero Jucá entrar em ação. Ele apresentou uma emenda tratando sobre a hipótese de o projeto focar de alguma forma a possibilidade de violência praticada contra a criança. A emenda foi uma espécie de golpe, pois fere o regimento do Senado, e é descabida porque o tema levantado pelo senador já está previsto em legislação específica. A manobra, porém, remeteu o PL à Comissão de Assuntos Sociais. Até a quinta-feira 20, entidades que reúnem pais e mães separados encaminharão ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), uma representação denunciando a irregularidade e pedindo a votação imediata do projeto.

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Na segunda-feira 10, ISTOÉ procurou o ministro Cardozo para que ele explicasse os motivos que têm levado o Ministério a retardar a aprovação da guarda compartilhada automática. A assessoria informou que o ministro não tinha tempo para atender a reportagem e encaminhou os questionamentos para o secretário de Assuntos Legislativos, Gabriel Sampaio. Ele afirmou que o Ministério não é contra o projeto, mas que precisa assegurar que todos os setores envolvidos sejam ouvidos e que se busque um consenso. Sampaio também afirmou que, ao contrário do que disse o senador Jucá, o governo não pediu para que fosse feita a emenda tratando da violência contra a criança. Mera retórica. Na prática, segundo senadores ouvidos por ISTOÉ, o Ministério da Justiça tem sim procurado dificultar a aprovação do PL 117/13. Na teoria, a guarda compartilhada já está em vigor no Brasil. O problema é que a legislação atual determina que o modelo seja instituído “sempre que possível”. É essa expressão (“sempre que possível”) que permite aos juízes transformarem em exceção o que deveria ser a regra. Ou seja, raramente concedem a guarda compartilhada. O PL 117/13 esclarece exatamente essa questão, na medida em que diz com todas as letras que a guarda compartilhada deve ser obrigatória e automática. Portanto, como afirmam os especialistas e educadores de diversos países, retardar a aprovação do projeto é jogar contra o futuro de milhões de crianças e adolescentes.

Foto: Joel Rodrigues/Folhapress