Políticos conhecidos por acumularem processos judiciais poderão ser beneficiados por não terem sido reeleitos nas eleições de outubro. Por conta da perda do foro privilegiado, que concede ao Supremo Tribunal Federal (STF) a prerrogativa de investigar políticos com mandatos federais e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a responsabilidade de mover ações envolvendo governadores, Anthony Garotinho (PR-RJ), Paulo Maluf (PP-SP), Roseana Sarney (PMDB), Cícero Lucena (PSDB-PB), Gim Argello (PTB-DF) e Jayme Campos (DEM-MT) terão seus processos enviados para a primeira instância a partir de fevereiro de 2015. Com os políticos sem mandato, os casos mudam de mãos e irão demorar ainda mais para serem concluídos. Em algumas situações, há risco iminente de prescrição. ISTOÉ conversou com três ministros do Supremo e com advogados de alguns acusados. Embora, no mensalão, o STF tenha decidido não desmembrar os processos, julgando inclusive os acusados que não estavam no exercício do mandato, a composição do plenário mudou. Agora, a maioria dos ministros atuais concorda que quem não tem mandato deve ser julgado nas instâncias regionais.

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Nesse cenário, os políticos não reeleitos vão sair ganhando. O deputado Paulo Maluf, um símbolo da impunidade e da morosidade da Justiça, deve ter seus cinco processos enviados para São Paulo. Ele responde a três ações penais no STF e a dois inquéritos, que ainda estão em aberto. Os crimes são variados e incluem lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e fraude contra o sistema financeiro. As ações penais estão sob sigilo e são relatadas pelo presidente Ricardo Lewandowski. O ministro defende que o STF julgue apenas quem possui foro privilegiado.

Posição semelhante à do presidente do tribunal tem a ministra Carmen Lúcia, relatora da Ação Penal 640, que investiga o atual deputado Anthony Garotinho por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. No processo constam investigações feitas pela Polícia Federal que já resultaram na apreensão de bens do deputado. Garotinho disputou o governo do Rio de Janeiro, mas não foi eleito. Com a derrota, o caso será enviado ao Tribunal de Justiça junto com outros três inquéritos ainda em fase inicial. A ministra Carmen Lúcia é radical na defesa sobre a prerrogativa do STF de julgar apenas quem esteja com mandato. Há dois meses, ela mandou para a primeira instância um processo que investiga o deputado licenciado Edson Giroto (PMDB- MS), alegando que a licença do cargo para assumir uma secretaria no Estado já retirava do STF a responsabilidade por julgá-lo. O Ministério Público Federal recorreu.

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No Senado, as decisões do STF podem beneficiar pelo menos três senadores que não foram reeleitos. Cícero Lucena levará para a Justiça da Paraíba duas ações penais e seis inquéritos, que apuram se ele participou de fraudes em licitações. O senador Gim Argello, parlamentar influente no governo Dilma Rousseff, perde o mandato sem que os cinco inquéritos contra ele tenham sido analisados pelo Supremo. Os casos ainda estão em fase de diligências da Polícia Federal e seguem para o tribunal do Distrito Federal com dezenas de pendências.

O caso envolvendo o senador Jayme Campos é o que melhor ilustra como o posicionamento do STF em enviar os processos para a primeira instância pode resultar em impunidade. O senador responde a três ações penais e a dois inquéritos no Supremo. A mais emblemática é a AP 2606, que o investiga por fraude em licitações e peculato. A denúncia chegou ao tribunal em 2007, mas somente no último dia 4 de setembro foi aceita. O crime de fraude em licitação já estava prescrito e o de peculato prescreve no próximo ano, tornando inviável o julgamento pela Justiça de primeira instância a tempo de aplicar algum tipo de penalidade. A exemplo de Campos, Lucena, Argello e Maluf, outros 35 parlamentares não eleitos levarão seus processos para a Justiça de primeira instância, segundo a contabilidade do departamento jurídico da Câmara.

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A situação se repete fora do Congresso, com governadores não eleitos. Para citar um dos casos mais simbólicos, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, vai ganhar tempo com o envio das investigações do STJ para a Justiça estadual. Nesse grupo de processos está o suposto envolvimento da peemedebista com o doleiro Alberto Youssef. Há um mês, o juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, encaminhou à Corte o depoimento da contadora Meire Poza, que trabalhou três anos com o doleiro e afirmou que Roseana recebeu propina para liberar o pagamento de precatório à empreiteira UTC/Constran. O caso está com o ministro Felix Fischer. Nesse vaivém das ações de acordo com os mandatos políticos, saem ganhando os investigados. Três propostas modificando a lei do foro privilegiado estão no Congresso, mas poucos parlamentares demonstram qualquer interesse em votá-las. Um indício de que as regras, como estão, contribuem muito para a impunidade dos políticos.

Fotos: Danilo Verpa – Mário Angelo/Folhapress; Anderson Schneider/Istoé Dinheiro