Alex Soletto

Por trás da reação otimista da equipe econômica ao fantasma de uma nova crise mundial do petróleo, escondem-se preocupações: a risco de freio no crescimento, novo aumento no preço do combustível, alta da inflação e queda da popularidade do presidente Fernando Henrique. Por enquanto, uma coisa é certa. Antes das eleições não se fala em repassar o preço do petróleo para o consumidor. O governo está em compasso de espera. FHC e o ministro da Fazenda, Pedro Malan, negam com veemência novos aumentos. “Este não é o momento para se fazer estudos ou tomar decisões”, endossa o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Edward Amadeo. Embora o preço do barril tenha recuado devido às pressões feitas pelos EUA e pela Europa junto à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), para aumentar a produção, a situação é instável. O preço do barril, que se mantinha em US$ 10 em 1999, superou a barreira psicológica dos US$ 30 e na semana passada chegou aos US$ 37. Agora se mantém entre US$ 31,95 (Europa) e US$ 34,07 (EUA), registrados no último dia 14. Técnicos brasileiros acreditam poder segurar os preços até o fim do ano. Os mais pessimistas apostam que aumentar a produção não surtirá efeito sobre o preço, que chegará aos US$ 40. A oposição ataca o governo por não ter um planejamento a longo prazo para situações críticas como essa e acusa o Planalto de maquiar a crise para ajudar os candidatos governistas. Portanto, para o governo a melhor tática é a do deixar-como-está-para-ver-como-é-que-fica e torcer para que as cotações cedam. Aumento de combustíveis significa reajuste de passagens, do gás de cozinha, dos fretes e tudo que está relacionado com o óleo e seu derivados. Eles chegam a ter um peso equivalente a 10% nos índices de inflação. Um aumento de, por exemplo, 15% nos combustíveis, provocará uma inflação de 1,5% a 2% no mês seguinte. Para o presidente do BC, Armínio Fraga, o comportamento do petróleo cria uma situação de turbulência e incertezas. Mas ele insiste que é prematuro considerar o quadro atual como definitivo. O deputado Antônio Kandir (PSDB-SP) é mais conservador: “O impacto inflacionário me preocupa menos. Mas se a economia mundial parar de crescer, o Brasil será afetado sim.”

Na avaliação de técnicos da equipe econômica, as contas do Tesouro Nacional aguentam esse compasso de espera até o fim do ano sem estourar as metas fiscais acertadas com o FMI. Mas, se a partir de janeiro o barril de petróleo continuar custando mais de US$ 30, algum repasse terá de ser feito. Pagam a conta aqueles que também não têm carro. O aumento atinge em cheio as planilhas das indústrias. Outra opção seria cortar investimentos, o que também representaria prejuízos políticos e sociais. O segundo e mais recente reajuste nos combustíveis, em julho, foi pautado pelas eleições. Se dependesse dos técnicos, ele só teria ocorrido no início de setembro, longe do primeiro aumento do ano, em março. Com isso, se evitaria o repique da inflação registrado em julho e agosto.

Assim como aumentar combustíveis tem custo inflacionário e político, a espera tem custo fiscal. A Petrobras importa o petróleo pelas cotações internacionais, mas vende o produto pelo preço doméstico fixado pelo governo. Seja lucro ou prejuízo, o resultado dessa operação é de responsabilidade do governo. Em outras palavras: o Tesouro garante à Petrobras, que produz e importa todo o petróleo consumido no País, uma remuneração equivalente aos preços internacionais. Se, por exemplo, a estatal importar o barril a US$ 35 e for obrigada a revendê-lo a US$ 20, o Tesouro banca a diferença. Assim, os resultados da estatal ficam protegidos. Neste ano, o lucro da Petrobras deve chegar a R$ 10 bilhões.

Olhando essa aritmética pelo lado do contribuinte, a decisão de manter os preços dos combustíveis vai provocar um rombo respeitável. Cálculos preliminares mostram que o governo não arrecadará o previsto se o barril ficar na casa dos US$ 30 até fim de dezembro. Há dois meses, a previsão era lucrar nas operações com o petróleo R$ 800 milhões. Com a alta, haverá um prejuízo de R$ 500 milhões. Por causa de uma manobra contábil produzida há três meses, o rombo não vai afetar as metas fechadas com o FMI. Com um decreto, decidiu-se incluir nas contas o resultado das estatais. Com isso, compensa-se o prejuízo contabilizado pelo Tesouro.

O economista Guido Mantega, ligado ao PT, ressalta que a alta do petróleo “nos faz lembrar que sofremos a vulnerabilidade externa. Isso reflete na balança comercial. O governo trabalhou com um superávit de US$ 4 bilhões, passou para US$ 2,8 bilhões e o mercado já fala em US$ 900 milhões. O petróleo é um dos responsáveis por isso, mas não é o único. Tem a inépcia do governo, de não dinamizar as exportações”, afirma. A calmaria do Planalto lembra ao economista uma frase do ministro Mário Henrique Simonsen, durante a segunda maior crise mundial do petróleo em 1979: “Ele dizia que o Brasil era uma ilha de tranquilidade num mar revolto. Hoje em véspera de eleições o governo vai maquiar essa crise.”

Quanto à decisão de não repassar a conta antes das eleições, adverte: “Fará como Sarney em 1986. Cinco dias após o pleito, baixou o Plano Cruzado II.” FHC já fez algo semelhante. Na reeleição, negou que o real seria desvalorizado. Mas em janeiro de 1999 o dólar passou de R$ 2. O diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, David Zylbersztajn e o vice-diretor da Copee, da UFRJ, o oposicionista Luiz Pingueli Rosa, têm a mesma avaliação: estamos longe do caos de 1979. Primeiro, por mérito da Petrobras que, em duas décadas, aumentou a produção nacional de 30% para 70% do consumo interno. Segundo, pela possibilidade de o governo segurar o preço. “Não vejo nenhum risco iminente. Nossa vulnerabilidade é muito menor, tanto no resultado macroeconômico quanto na questão do abastecimento”, descartou Zylbersztajn.

O sonho de um motor a Coca-Cola

 

No último verão do século XX, as famílias americanas que saíram para um piquenique pagaram mais por um litro de Coca-Cola do que por um galão (cerca de 4 litros) de gasolina. Com o barril do petróleo a US$ 10, os postos vendiam o galão da gasolina comum a meros US$ 1,25, enquanto as prateleiras do mercadinho do mesmo local apresentavam um litro de refrigerante a US$ 1,50. Era mais barato encher o tanque de um S.U.V. – o utilitário tipo jipão, bebedor de combustível e que entrou em moda há cinco anos – do que estocar o refrigerador com sodas. Foi a partir desta constatação que os países membros da Opep começaram a fechar suas torneiras e já na entrada do outono os donos de carrões começavam a sonhar com veículos movidos a Coca-Cola, pois a escalada de preços do petróleo começara. Desde outubro de 1999 os preços mais que triplicaram. No início deste verão nos EUA, o cenário político passou a ser dominado por trocas de acusações a respeito da culpa por este aumento. Para o Partido Republicano, ansioso para voltar à Casa Branca, o vilão da história era o governo Clinton, que não previu a escassez. Já os democratas acusaram as distribuidoras de petróleo. Estas apontaram a fantástica demanda pelo produto criada pela exuberância da economia do país. Sobrou também para os postos de gasolina, que aproveitaram para tirar proveito da situação remarcando suas mercadorias. “Na verdade, todas estas suposições são parcialmente corretas”, disse a ISTOÉ o analista da indústria petrolífera Douglas Rowan Jr. E com isso o galão da gasolina comum chegou em julho a US$ 2 – uma marca psicologicamente explosiva para os americanos. Foi neste momento que o governo Clinton acusou o golpe, torceu o braço das distribuidoras para cortarem lucros e também liberou uma pequena parcela dos estoques estratégicos do país. Estas reservas foram criadas há 25 anos em reação ao boicote de petróleo movido pelos países árabes. Foi exatamente a ameaça feita por Clinton na terça-feira 12 que conseguiu baixar o preço do barril dos especulativos US$ 35 para US$ 32

 

Osmar Freitas Jr. – Nova York

Novos choques no horizonte
Reuters
Chávez e Saddan: desafiando os EUA

O mundo já passou por dois grandes choques do petróleo em 1973 e 1979 e dois menores, em 1981 e 1990. O atual é, por enquanto, um terceiro pequeno choque, o primeiro cujo epicentro foi a América Latina. O catalisador foi a mudança na Venezuela que, após a posse do ultranacionalista Hugo Chávez, deixou de trapacear a Opep e passou a respeitar quotas, permitindo que os exportadores voltassem a se unir no momento mais propício, quando o consumo dos EUA crescia e o resto do mundo se recobrava da crise asiática. Há pouco mais de um ano, afirmava-se que os avanços da produtividade e da tecnologia haviam gerado uma “nova economia” do petróleo, que seria cada vez mais barato e abundante. Em março de 1999, a respeitada The Economist, citando estudo da consultoria McKinsey, afirmava que o cartel estava acabado e a necessidade de divisas forçaria a Opep a aumentar a oferta de tal forma que o preço, então na casa dos US$ 10, cairia para US$ 5.

Como nessas sequências de filmes de catástrofe em que um monstro destruído ressuscita, quatro dias depois veio a reunião da Opep e o início da escalada de preços. Concentrando-se no mercadológico, muitos economistas deixaram de ver os aspectos políticos da questão. Presumiram que cada país agiria como uma empresa num mercado concorrencial, deixando de ver que a lógica dos governos nem sempre é a do liberalismo. E acreditaram que o aumento da eficiência seria suficiente para garantir a redução dos custos, ignorando que nenhuma técnica pode encontrar petróleo onde não existe.

Não parece difícil reverter esta alta: basta que um esfriamento da economia americana modere a demanda ou um desentendimento entre os exportadores aumente a oferta. A longo prazo, a tendência parece ser de retomada da alta. As reservas oficialmente existentes – cerca de 1 trilhão de barris – bastam para 36 anos de consumo no ritmo atual. Aos poucos, a produção vai diminuir, enquanto o crescimento da economia mundial continuará a puxar a demanda. A partir desse momento, quem ainda tiver petróleo poderá ditar seu preço. Seria um choque maior e mais duradouro do que os dos anos 70; a oferta residual estaria cada vez mais concentrada no Oriente Médio e na Venezuela, que hoje já detêm juntos 70% das reservas mundiais.

Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa