Ricardo Stuckert
A jogadora de basquete russa Maria Stepanova se diverte com autralianos

O mundo marcou encontro numa praça ensolarada e com três prosaicos banquinhos de madeira. A Zona Internacional da Vila Olímpica de Sydney, área de lazer dos 11,1 mil atletas e 5,1 mil dirigentes hospedados pela organização dos Jogos, foi arquitetada para ser o ponto alto de uma Babel moderna, capaz de oferecer divertimento, segurança e manter o caos sob controle, se é que isso é possível. Neste caldeirão de 20 mil metros quadrados, ferve uma grossa mistura de idiomas, culturas, raças, credos , trazidos por gente de 191 países do Burundi ao Vanuatu, pequeno arquipélago do Pacífico Sul. Basta sentar-se num dos três banquinhos e ver passar, lado a lado, pacificamente, árabes e israelenses, iranianos e iraquianos, cubanos pró-Fidel e americanos pró-embargo. Em meio ao corre-corre olímpico, há pouco tempo para pensar em rivalidades. “Isso aqui é realmente uma vila planetária”, resume a jogadora de basquete russa Maria Stepanova, 2,02 m de altura metros, divididos na vertical por um shortinho vermelho. Maria procurava se divertir com artistas australianos que faziam performances na Vila.

Ricardo Stucker
Árabes passeiam na Zona Internacional

Na rotina pontuada por uma pasta sonora indecifrável, resultante da profusão de frases berradas em dezenas de idiomas, tipos como o da russa Maria se misturam a outros ainda mais exóticos, como o do Béchir Manoubi. Roupa espalhafatosa, chapéu de abas fartas, o repórter fotográfico Manoubi, 70 anos, cobertura de dez Olimpíadas nas costas, acabou virando alvo das lentes alheias. O presidente do comitê olímpico equatoriano, Danilo Carrera Drouet, que estava em missão oficial de hasteamento da bandeira de seu país, não resistiu e acabou pedindo para ser fotografado ao lado da peça. “Pessoas como esse senhor, que eu nem sei de onde veio, representam o espírito olímpico de união dos povos”, filosofou o cartola. “Trabalhei muito hoje, mas acho que tiraram ainda mais fotos de mim”, constatou o tunisiano Manoubi.

O circo dessa Babel de fim de século é o salão de jogos. A concorrência pelos 100 aparelhos eletrônicos da grande sala gera cenas interessantes. Entre tiros virtuais, simulados na tela de um computador, o católico angolano Paulo Silva firmou amizade com o muçulmano egípcio Mohamed Addel Ellah. Os dois descobriram que ganham a vida do mesmo jeito, distribuindo pipocos de verdade. Silva vai competir na categoria TRAP (tiro aos pratos) e Ellah, nos dez metros com rifle de ar comprimido. “O engraçado é que as pessoas chegam e falam com você em inglês sem perguntar se você, por acaso, fala inglês”, resumiu Paulo.

À disposição dos atletas, 70 computadores com livre acesso à Rede no Surf Shack, para recebimento de mensagens de fãs e produção de páginas pessoais. Até a quarta-feira 13, 42.258 e-mails tinham chegado de todos os pontos do planeta para os desportistas. Os campeões de mensagens recebidas são os australianos, seguidos dos americanos, ingleses, neozelandeses e japoneses. No mesmo dia, os brasileiros estavam na 11ª colocação, com 1.543 mensagens recebidas. A atacante Leila, do vôlei, era a mais lembrada. Mas os representantes de Cuba lideram com folga a corrida de home pages, com 50 produzidas. A do ótimo Raul Diago, da equipe de vôlei, por exemplo, traz a ficha: “prato favorito: paella; lazer: cinema de ação; música: salsa”. Embaixo da foto, outra revelação: “Se eu pudesse ir para algum lugar do mundo, iria para o Brasil.” A fila multinacional é regra na entrada do Surf Shack, sempre lotado de saudosos. “Meu namorado ainda não conseguiu falar comigo por telefone. Esses terminais são a salvação”, elogia a velejadora húngara Luca Gadorfalvi, após enviar uma resposta quilométrica ao amado.

A Zona Internacional é uma eclética sala de visitas. Construída na região de Newington, às margens da Baía de Homebush, custou 470 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 550 milhões). Ao final dos Jogos, o complexo fará parte de um novo bairro para cinco mil pessoas, com duas mil casas permanentes. A Vila abriga uma biblioteca com mil livros, banco, correio, salão de beleza, agência de viagens, floricultura, loja de equipamentos fotográficos, cinema para 50 lugares, farmácia, centro de telecomunicações e até um posto de venda de ingressos para provas olímpicas. No início do mês, começaram a funcionar o bar, a boate.

Pensou-se em todos os detalhes de infra-estrutura para atender aos atletas. Mas há sempre surpresas. Na quarta-feira 13, com dois terços da Vila ocupados, o restaurante principal serviu dez mil refeições. A voracidade da rapaziada arrancou da gerente da empresa, Lisa Vorano, um comentário politicamente incorreto. “Alguns atletas de países do Terceiro Mundo, impressionados com a fartura de opções, experimentam de tudo”, disse ela. “Como não há sistema de tiquetes, eles voltam duas, três vezes”, assustou-se.