13/09/2000 - 10:00
Ricardo Stuckert |
A jogadora de basquete russa Maria Stepanova se diverte com autralianos |
O mundo marcou encontro numa praça ensolarada e com três prosaicos banquinhos de madeira. A Zona Internacional da Vila Olímpica de Sydney, área de lazer dos 11,1 mil atletas e 5,1 mil dirigentes hospedados pela organização dos Jogos, foi arquitetada para ser o ponto alto de uma Babel moderna, capaz de oferecer divertimento, segurança e manter o caos sob controle, se é que isso é possível. Neste caldeirão de 20 mil metros quadrados, ferve uma grossa mistura de idiomas, culturas, raças, credos , trazidos por gente de 191 países do Burundi ao Vanuatu, pequeno arquipélago do Pacífico Sul. Basta sentar-se num dos três banquinhos e ver passar, lado a lado, pacificamente, árabes e israelenses, iranianos e iraquianos, cubanos pró-Fidel e americanos pró-embargo. Em meio ao corre-corre olímpico, há pouco tempo para pensar em rivalidades. “Isso aqui é realmente uma vila planetária”, resume a jogadora de basquete russa Maria Stepanova, 2,02 m de altura metros, divididos na vertical por um shortinho vermelho. Maria procurava se divertir com artistas australianos que faziam performances na Vila.
Ricardo Stucker |
Árabes passeiam na Zona Internacional |
Na rotina pontuada por uma pasta sonora indecifrável, resultante da profusão de frases berradas em dezenas de idiomas, tipos como o da russa Maria se misturam a outros ainda mais exóticos, como o do Béchir Manoubi. Roupa espalhafatosa, chapéu de abas fartas, o repórter fotográfico Manoubi, 70 anos, cobertura de dez Olimpíadas nas costas, acabou virando alvo das lentes alheias. O presidente do comitê olímpico equatoriano, Danilo Carrera Drouet, que estava em missão oficial de hasteamento da bandeira de seu país, não resistiu e acabou pedindo para ser fotografado ao lado da peça. “Pessoas como esse senhor, que eu nem sei de onde veio, representam o espírito olímpico de união dos povos”, filosofou o cartola. “Trabalhei muito hoje, mas acho que tiraram ainda mais fotos de mim”, constatou o tunisiano Manoubi.
O circo dessa Babel de fim de século é o salão de jogos. A concorrência pelos 100 aparelhos eletrônicos da grande sala gera cenas interessantes. Entre tiros virtuais, simulados na tela de um computador, o católico angolano Paulo Silva firmou amizade com o muçulmano egípcio Mohamed Addel Ellah. Os dois descobriram que ganham a vida do mesmo jeito, distribuindo pipocos de verdade. Silva vai competir na categoria TRAP (tiro aos pratos) e Ellah, nos dez metros com rifle de ar comprimido. “O engraçado é que as pessoas chegam e falam com você em inglês sem perguntar se você, por acaso, fala inglês”, resumiu Paulo.
À disposição dos atletas, 70 computadores com livre acesso à Rede no Surf Shack, para recebimento de mensagens de fãs e produção de páginas pessoais. Até a quarta-feira 13, 42.258 e-mails tinham chegado de todos os pontos do planeta para os desportistas. Os campeões de mensagens recebidas são os australianos, seguidos dos americanos, ingleses, neozelandeses e japoneses. No mesmo dia, os brasileiros estavam na 11ª colocação, com 1.543 mensagens recebidas. A atacante Leila, do vôlei, era a mais lembrada. Mas os representantes de Cuba lideram com folga a corrida de home pages, com 50 produzidas. A do ótimo Raul Diago, da equipe de vôlei, por exemplo, traz a ficha: “prato favorito: paella; lazer: cinema de ação; música: salsa”. Embaixo da foto, outra revelação: “Se eu pudesse ir para algum lugar do mundo, iria para o Brasil.” A fila multinacional é regra na entrada do Surf Shack, sempre lotado de saudosos. “Meu namorado ainda não conseguiu falar comigo por telefone. Esses terminais são a salvação”, elogia a velejadora húngara Luca Gadorfalvi, após enviar uma resposta quilométrica ao amado.
A Zona Internacional é uma eclética sala de visitas. Construída na região de Newington, às margens da Baía de Homebush, custou 470 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 550 milhões). Ao final dos Jogos, o complexo fará parte de um novo bairro para cinco mil pessoas, com duas mil casas permanentes. A Vila abriga uma biblioteca com mil livros, banco, correio, salão de beleza, agência de viagens, floricultura, loja de equipamentos fotográficos, cinema para 50 lugares, farmácia, centro de telecomunicações e até um posto de venda de ingressos para provas olímpicas. No início do mês, começaram a funcionar o bar, a boate.
Pensou-se em todos os detalhes de infra-estrutura para atender aos atletas. Mas há sempre surpresas. Na quarta-feira 13, com dois terços da Vila ocupados, o restaurante principal serviu dez mil refeições. A voracidade da rapaziada arrancou da gerente da empresa, Lisa Vorano, um comentário politicamente incorreto. “Alguns atletas de países do Terceiro Mundo, impressionados com a fartura de opções, experimentam de tudo”, disse ela. “Como não há sistema de tiquetes, eles voltam duas, três vezes”, assustou-se.