Ricardo Giraldez
Com amigos de infância, o auditor Antoninho Trevisan (6º da esq. para a dir.) criou ONG em Ribeirão Bonito

Muita gente anuncia a chegada do terceiro milênio como a era da solidariedade. Se depender do exemplo de pessoas como o auditor Antoninho Marmo Trevisan, o jornalista Carlos Nascimento e o banqueiro Humberto Casagrande, a previsão se tornará realidade. Eles se uniram a outros empresários e profissionais liberais bem-sucedidos e agora usam o seu prestígio para tentar reverter às cidades onde nasceram, no interior de São Paulo, um pouco do que conseguiram em carreiras de sucesso. Em Ribeirão Bonito, a 230 km de São Paulo, Trevisan, presidente da Trevisan Auditores e Consultores, ajudou a criar a Amarribo – Amigos Associados de Ribeirão Bonito. A entidade reformou uma capela e uma área turística e pretende restaurar outros monumentos históricos na cidade. Se juntaram na empreitada conterrâneos do auditor como o presidente da Klabin, Josmar Verillo, o publicitário José Queiroz, o procurador de Justiça José Chizzotti, o importador Rubens Gayoso e o escritor João Silvério Trevisan, irmão de Antoninho. Perto dali, em Dois Córregos, cidade de 25 mil habitantes, a mesma experiência foi reproduzida. Casagrande, diretor do Banco Sudameris, e Nascimento, jornalista da Rede Globo, apoiaram a criação da ONG Terra Viva. A entidade quer restaurar o prédio da antiga estação ferroviária e já elaborou outros 15 projetos nas áreas de educação, saúde, turismo, indústria e comércio. Também participam do grupo a publicitária Christina Carvalho Pinto, da agência Full Jazz e o empresário Marcos Capeline, entre outros. As duas entidades, porém, são dirigidas por moradores das cidades. Quem preside a Amarribo é o agente fiscal José Paulo Lucato. Para o comando da Terra Viva foi designado o empresário e cafeicultor Reynaldo Haddad, que tem cursos de mestrado em Administração em Harvard (EUA), na França e na Inglaterra.

Ricardo Giraldez
Obra: Carlos Nascimento, da Rede Globo, é um dos líderes de entidade que vai restaurar estação ferroviária de Dois Córregos

A Terra Viva quer montar uma UTI, criar escola profissionalizante e melhorar colégios públicos, incentivar a prática de esportes, implantar a coleta seletiva de lixo, recuperar o antigo cinema e ainda incentivar o turismo. Em Dois Córregos foi rodado, em 1998, o filme homônimo, dirigido por Carlos Reinchenbach. Quem nunca esteve lá pôde conhecer, na tela, a estação ferroviária – cartão postal da cidade –, construída em 1912. Alguns moradores juram que ela seria uma cópia fiel da estação de Marselha, apesar da imponência da obra francesa. Dois Córregos fica ao lado de Brotas, hoje um dos principais pólos de turismo ecológico em São Paulo. E também possui muitas trilhas, cachoeiras e fazendas de café, ideais para cavalgadas. A Terra Viva pensa em criar um selo para divulgar o café produzido na região. Para a estação ferroviária, exibe um projeto arquitetônico que prevê, após a restauração, um museu, restaurante e salas para atividades culturais e exposição de produtos da cidade. “Queremos negociar o prédio com a antiga Fepasa e firmar um convênio com a Secretaria Estadual de Cultura para iniciar as obras”, anuncia Humberto Casagrande. Uma simpática Maria Fumaça também irá atrair turistas e servir municípios vizinhos. Carlos Nascimento lembra seus tempos de infância, quando ia todos os dias à estação, às duas da tarde, buscar para o seu pai o jornal que chegava da capital. Na sexta-feira 15, as propostas feitas pela ONG foram encaminhadas aos candidatos a prefeito e vereadores. “A ONG não tem cor política ou partidária. Ela veste a camisa da cidade e quer contar com o apoio de todas as lideranças políticas”, esclarece Nascimento. “É importante frisar que a Terra Viva não tem dinheiro. Ela mobiliza a sociedade para obter recursos. Não gera dinheiro”, diz Casagrande.

Em Ribeirão Bonito, há um clima de euforia. O município, erguido com a ajuda de imigrantes italianos, teve 25 mil habitantes no início do século. Hoje, tem 8,5 mil. A cidade enfrentou dificuldades após os ciclos da cana e do café. “Mas a nossa geração teve um excepcional ensino público. Foi na cidade que aprendi a exercer a cidadania, a solidariedade, a gostar de livros, de teatro, de arte”, orgulha-se Antoninho Trevisan, hoje também conselheiro de entidades como a Fundação Abrinq e o Instituto Social Ethos. “Estudei no Grupo Escolar Coronel Pinto Ferraz, um dos mais bonitos do Estado. E tive algumas das melhores professoras do mundo.” Afinal, o primeiro aparelho de televisão chegou na cidade há 36 anos. As notícias chegavam através dos livros. “Assim, não podíamos ter uma formação melhor”, agradece Josmar Verillo, 48 anos, administrador e doutor em Economia pela Michigan University. “Agora, estamos resgatando nossas origens e devolvendo um pouco do que conseguimos. Chegamos onde estamos por causa de uma base sólida de educação”, atesta José Queiroz, vice-presidente da agência Agnelo Pacheco.

Helcio Nagamine
A Terra Viva mobiliza a sociedade para obter recursos”
Humberto Casagrande, banqueiro

O reencontro de moradores que não se viam há mais de 30 anos já foi motivo para comemoração. Uma grande festa, com baile e orquestra, missa e gincanas, foi organizada. Uma comissão se encarregou de localizar quem havia deixado a cidade há muito tempo. “No clube, quando todo mundo se viu, foi pura emoção. Na chegada, as pessoas encontravam o boletim do grupo escolar com a nota de cada um na formatura. No baile, todos dançaram até de manhã”, relata Trevisan. “As pessoas sentiram uma explosão de alegria. Houve, a partir daí, um chamamento. Pensamos então em fortalecer a auto-estima da cidade e valorizar o que ela tem de mais fascinante.” A primeira proposta foi recuperar o Morro da Capela de Nossa Senhora Aparecida, um ponto turístico. O município se uniu em torno do projeto. Apenas os políticos foram excluídos. Comerciantes divulgaram a campanha “adote o morro”, com a entrega de uma placa para quem contribuísse com R$ 30 ao mês. “Assim, a principal área turística da cidade voltou a ser uma atração e ganhou luzes de néon originais”, exulta-se o publicitário Queiroz, que criou o slogan “Ribeirão faz Bonito”, presente em faixas, camisetas e bonés.

Novas iniciativas – Outras medidas foram tomadas. A associação reuniu os três candidatos a prefeito e sugeriu que eles assumissem o compromisso de não pichar a cidade com propaganda eleitoral. A promessa foi cumprida. Exemplos como esses já se espalham rapidamente por outras cidades da região central do Estado. Torrinha, por exemplo, que também possui cachoeiras e outras atrações turísticas, criou uma associação de moradores e o seu conselho municipal de turismo. Deseja embarcar na mesma onda. “Fizemos um mutirão de limpeza e estamos organizando o primeiro encontro de turismo na cidade”, gaba-se o produtor rural Fernando Della Coletta. O sucesso dessas experiências mostra que elas podem ser reproduzidas com êxito nos outros 5.504 municípios brasileiros.