A situação era esperada. Ao final do segundo treino comandado pelo novo técnico do Corinthians, o ex-treinador da seleção argentina Daniel Passarella, na ensolarada manhã da terça-feira 8, entre os poucos torcedores, um se destacava. Era Jorge Sassone, um homem com cabelos cheios de gel alinhados para trás, que gritava “mi capitán”,
com a camisa da seleção argentina em uma das mãos e a do River Plate na
outra. Solícitos, o treinador corintiano e seu auxiliar técnico, Alejandro Sabella – também ex-jogador da seleção argentina –, autografaram com mucho gusto a ca-
misa portenha. “Já estou virando corintiano”, disse Sassone, torcedor do River Plate. Ao ver a cena, Jaime Batista, mais de três décadas como sócio do clube, gritou: “Passarella, ponha a raça argentina no Corinthians.” Raça que faltou na trágica estréia de Passarella, na derrota de três a zero para o desconhecido Cianorte do Paraná, com um gol de bicicleta.

A estréia infeliz, porém, não foi capaz de macular o fenômeno que vem tomando conta do Parque São Jorge, a inédita “argentinização” que se apossa do time mais popular de São Paulo. A contratação de Carlos Tévez (por US$ 22 milhões, a maior da história do futebol brasileiro), do zagueiro Sebastián Dominguez, do técnico Daniel Passarella e de seu auxiliar Sabella e a vinda de Javier Mascherano, marcada para meados deste ano, deram um toque portenho ao cotidiano do clube – com direito a brincadeira do hino corintiano em ritmo de tango. De acordo com o controvertido novo manda-chuva do clube, o presidente da parceira corintiana MSI (Media Sports Investments), Kia Joorabchian, a contratação de tantos argentinos foi coincidência. “A Argentina é a segunda escola de futebol do continente. Olhando o mercado sul-ame-
ricano, contratamos o que havia de melhor. Queríamos também o Robinho. O Sebá foi o melhor zagueiro do futebol argentino. E entre os cinco melhores técnicos do con-
tinente (Scolari, Parreira, Luxemburgo, Carlos Bianchi e Passarella) fechamos com o Passarella”, diz o iraniano. Mas o novo comandante do “timón” terá muito trabalho.

Mesmo com os reveses – além da derrota na Copa do Brasil, o time amarga a 5ª colocação no Paulista –, a popularidade dos argentinos está em alta. Na loja oficial do time, a venda da camisa dez, usada por Tévez, corresponde a 40% do total das vendas. Entre as mais vendidas, a segunda é a usada por Sebá (apelido de Sebastián) e a número cinco, estampada com o nome de Mascherano (que ainda nem chegou), já se esgotou nos estoques. No primeiro coletivo com Passarella, quem chamou a atenção foi o tradutor Leandro Moura, com sua vasta cabeleira encaracolada, dicionário embaixo do braço e uma camisa… verde! – a cor do arqui-rival Palmeiras. Mostrando muita simpatia, Passarella – com o tradutor ao pé do ouvido – admitiu em sua concorrida coletiva que a comunicação é o maior obstáculo: “Quando falo muito rápido, os jogadores não entendem e me pedem para repetir.” Durante os treinos, gestos e mais gestos deram o tom da comunicação e o “portunhol” já foi efetivado como língua oficial. “Entre os jogadores, corre a piada de que o tradutor já caiu. A gente fica chateado que ele vai perder o emprego rápido assim”, brincou o atacante Gil.

No novo Corinthians “argentinizado”, a folclórica rivalidade entre as duas seleções foi para escanteio. Os torcedores estão interessados é na experiência dos hermanos na Copa Libertadores da América, que o Corinthians nunca venceu. Já para os argentinos, a coisa não é bem assim. Eles estão praticamente ignorando o fato de um clube brasileiro ter contratado Tévez, apontado como sucessor de Maradona. Leonardo Farinella, chefe de redação do principal jornal esportivo da nação vizinha, o Diário Olé, conhecido pela verve debochada e pelas provocações aos brasileiros, disse a ISTOÉ “não conhecer bem o clube brasileiro”, mas ressaltou que Tévez “é um jogador muito importante”. Farinella, fiel ao estilo do jornal, arrematou: “Mas só com argentinos se pode fazer uma equipe boa.”

O diplomata do Itamaraty Vilmar Coutinho, corintiano e especialista em Mercosul, vê com bons olhos a “argentinização” do clube de coração. “É claro que isso não tem nenhuma conotação política, mas um argentino se tornar ídolo do clube de maior torcida de São Paulo é muito interessante do ponto de vista de integração. Quem sabe o Corinthians não resolva fazer um amistoso com o Boca Juniors”, aconselha Coutinho. É bom lembrar que os hermanos do Boca deram, por vias tortas, algumas alegrias aos corintianos, quando venceram os rivais Palmeiras e Santos na final da Libertadores. As afinidades são antigas.