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Trabalhadores pedem o fim da legislação que anula conquistas

Durante os dez anos em que governou a Argentina, entre 1989 e 1999, o ex-presidente Carlos Saúl Menem acumulou mais de 100 cabeludos casos de escândalos de corrupção, alguns tão sinistros que provocaram mortes misteriosas, como a do empresário Alfredo Yabrán. O atual presidente, Fernando de la Rúa, que se elegeu em dezembro passado por uma frente de oposição prometendo uma devassa na administração menemista, mal teve tempo de esquentar a “silla” (cadeira) presidencial da Casa Rosada e já enfrenta seu primeiro escândalo, que ameaça se transformar na mais grave crise político-institucional da Argentina nos últimos anos. Na segunda-feira 4, o vice-presidente, Carlos Chacho Álvarez, juntou-se ao coro dos políticos que pedem a antecipação das eleições para o Senado, previstas para ocorrer somente em outubro de 2001. O motivo é uma rumorosa denúncia de que vários senadores – a maioria da oposição peronista – teriam recebido de membros do governo cerca de US$ 10 milhões em propinas em troca da aprovação, em abril, de uma legislação trabalhista que flexibiliza o mercado de trabalho. Essa flexibilização, defendida por empresários e criticada por sindicalistas, foi pedida pelo FMI ao governo argentino. Até o surgimento das denúncias, a aprovação desta lei era contabilizada como a principal vitória política do presidente De la Rúa no Congresso. Isso porque a Aliança, a coalizão que integra o governo – formada pela centrista União Cívica Radical (UCR) e pela centro-esquerdista Frente do País Solidário (Frepaso) –, não tem maioria na Câmara dos Deputados e é minoria no Senado. O juiz federal responsável pelo caso, Carlos Liporaci, quer a quebra da imunidade parlamentar de 11 senadores e anunciou que vai investigar os bens de nada menos que 67 dos 69 senadores. Na quinta-feira 7, a Câmara dos Deputados aprovou, por 202 votos a cinco, o fim da imunidade. O projeto ainda terá que passar pelo Senado.

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O juiz Liporaci, um magistrado sob suspeita, investiga um escândalo que…

Tudo começou em julho passado, quando o senador peronista Antonio Cafiero, um desafeto de Menem, afirmou ter ouvido rumores sobre a existência de um grupo de senadores do Partido Justicialista (peronista) e da UCR que teria recebido “favores pessoais” de funcionários públicos em troca de votar a favor da legislação trabalhista proposta pelo governo. Dias depois, o jornal La Nación publicou que o senador peronista Emilio Cantarero admitira reservadamente a uma repórter ter cobrado para votar com o governo. As denúncias cresceram como uma bola de neve e as suspeitas sobre quem teria pago o suborno recaíram sobre o banqueiro Fernando de Santibañes, chefe da Secretaria de Inteligência e Defesa Estratégica (Side, serviço secreto argentino), o ministro do Trabalho, Alberto Flamarique, e o secretário da Fazenda, Mario Vicens. Na sexta-feira 31, o juiz Carlos Liporaci solicitou ao Senado a quebra da imunidade parlamentar de oito senadores – sete ligados ao ex-presidente Carlos Menem, entre eles o ex-governador Ramón “Palito” Ortega e o ex-ministro Eduardo Bauzá. No mesmo dia, três senadores, entre eles Eduardo Menem, irmão do ex-mandatário, renunciaram a seus cargos. O nome desses parlamentares não estava ligado ao escândalo – pelo menos até agora – e tudo indica que eles saíram de cena para evitar respingos da crise e se preparar para as eleições do próximo ano. O juiz ainda incluiria mais três senadores à lista dos que ele pedira a suspensão da imunidade parlamentar.

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… que abala De la Rúa mas fortalece Chacho

Juiz sob suspeita – A súbita rapidez que o juiz Liporaci imprimiu ao ritmo das investigações – inicialmente ele agira de maneira extremamente cautelosa – está despertando suspeitas em vários setores, principalmente na oposição. Afinal, o próprio Liporaci está sendo investigado pela Justiça. Integrantes do Conselho da Magistratura querem saber como ele, que recebe um salário de US$ 8.000, conseguiu comprar uma casa de 1.200m2 num bairro luxuoso de Buenos Aires por cerca de US$ 1,5 milhão. O juiz alegou que recorreu à ajuda financeira da mulher e da filha para comprar o imóvel. “Não sou somente eu que trabalho em casa”, argumentou. Liporaci também é tido como uma figura politicamente ligada ao ex-presidente Menem e ao ex-ministro do Interior Carlos Corach. Seus críticos dizem que ele deve a eles sua nomeação para o cargo de juiz federal, em 1992, e afirmam que sua súbita ira persecutória no caso da compra de votos no Senado é cortina de fumaça para desviar a atenção sobre seu próprio escândalo.

Essa crise parece ter vindo à tona em decorrência de uma disputa interna no Partido Justicialista, já que a denúncia surgiu de um peronista antimenemista, o senador Cafiero, e atinge principalmente aliados do ex-presidente. Paradoxalmente, o principal beneficiário do escândalo até agora tem sido um integrante do governo, o vice Chacho Álvarez. Líder histórico da esquerda da Frepaso, ele vinha perdendo espaço no governo para o ministro do Trabalho, Alberto Flamarique, também da Frepaso, mas cada vez mais alinhado à ala “direita” do governo, a UCR do presidente De la Rúa. Quando as denúncias começaram a pipocar, o vice-presidente – que também é presidente do Senado – fez de tudo para ampliá-las e atingir seus inimigos. Agora, Flamarique se vê no papel de ter de se defender das acusações de que ajudou a comprar votos de parlamentares. O ex-líder da bancada peronista no Senado, Augusto Alasino, que renunciou à liderança em função das denúncias, chegou a ver a mão do vice-presidente num suposto “plano de desestabilização institucional”. Mas as pesquisas de opinião, pelo menos, já indicam que a atitude de Chacho pegou bem no eleitorado. Para 22,8% dos argentinos, apesar de integrar o governo, o vice-presidente é o político que vem demonstrando maior coerência em relação ao escândalo.


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