No ano passado, um terrível boato percorreu o mundo: ia faltar champanhe no réveillon. A maldição ronda novamente, ameaçando festas e comemorações. Uma doença misteriosa está atacando as vinhas da região de Champagne e pode comprometer parte da safra do vinho mais famoso do mundo este ano. As folhas das vinhas apresentam manchas amarelas ou marrons, definham a olhos vistos e os produtores temem a perda total das cepas. Pelo menos cinco mil hectares foram atingidos, de uma superfície total de 34 mil hectares.

Na França não é qualquer vinho espumante que pode receber o nome “champanhe”, rigidamente controlado. Só os vinhedos situados numa região delimitada por lei e produzidos segundo normas estritas beneficiam-se dessa denominação. Vindo de uma propriedade ao lado, fabricado pelo mesmo método, um vinho é apenas um vulgar “espumante”, se não estiver no interior da região delimitada. E custa a metade do preço,.

Os primeiros vinhedos da região de Champagne datam do século IV. Conhecido como “bebida do diabo”, o vinho borbulhante foi transformado na mais divina de todas as bebidas justamente por um monge, Don Perignon, que criou as bases do método usado até hoje para a fabricação. Apenas três tipos de cepages (uvas) podem entrar na composição da prestigiada bebida: pinot noir, pinot meunier e chardonnay.

Segundo os produtores, mesmo plantando as mesmas vinhas, utilizando as mesmas técnicas, ninguém pode produzir um autêntico “champanhe”em qualquer lugar do mundo : “O solo, o clima, tudo é único aqui”, costumam dizer os habitantes de Champagne. O principal suspeito das manchas que apareceram nas folhas da região é um novo pesticida utilizado nas vinhas doentes, o Sopra. Ele é vendido sob duas denominações comerciais diferentes: Mission e Katana e bastam 50 gramas por hectare para acabar com todos os parasitas. O produto foi aprovado pelas autoridades sanitárias da União Européia e pelo Ministério da Agricultura francês – segundo consta – após cinco anos de pesquisas e testes. Também foi recomendado pela própria Associação dos Produtores. E todas as propriedades afetadas utilizaram o produto.

O suspeito do crime é um novo pesticida. Preocupados, produtores entram na Justiça

Outra causa apontada é a superprodução forçada para atender a um mercado cada vez maior. Só que o território continua do mesmo tamanho. Resta aumentar a produtividade das vinhas, o que os proprietários parecem estar fazendo a qualquer preço. A produção por hectare simplesmente dobrou em dez anos, passando a dez mil quilos de uva por hectare.

No ano passado foram vendidas 327.121.461 garrafas de champanhe e o volume de negócios chegou a US$ 3 bilhões. Por causa da euforia festiva do ano 2000, nunca se consumiu tanta champanhe no mundo. Muita gente começou a estocar desde 1997. Até 1996, quando o consumo ainda era estável, eram vendidas 270 milhões de garrafas por ano. Muitos produtores já contrataram advogados para processar as empresas que vendem o novo pesticida e eventualmente exigir uma indenização. A fabricante Sopra afirma não haver provas de que seu produto seja a causa da doença. Eles consideram a possibilidade de algumas vinhas serem velhas e pouco resistentes.

O Comitê Interprofissional do Vinho Champagne, que congrega todos os profissionais do setor, relativizou o problema. “A doença misteriosa chama-se clorose, que ataca quase todos os anos. Este ano ela atingiu proporções mais significativas, mas nada garante que isso tenha relação com o inseticida. Muitos vinhedos o utilizaram e não tiveram problemas”, diz o Comitê.

A questão é : vai ou não faltar champanhe? Segundo o Comitê Interprofissional, ninguém precisa perder o sono. Ainda não se conhece o volume da produção porque a colheita é realizada entre a metade de setembro e a metade de outubro. Não só a doença estaria sob controle como os estoques correspondem a três anos de vendas, ou seja 900 milhões de garrafas.