Uma norma aprovada pelo Ministério da Saúde (MS) na quarta-feira 9 desobriga as mulheres vítimas de estupro a apresentarem Boletim de Ocorrência nos hospitais da rede pública quando decidirem interromper a gravidez. Se para alguns a iniciativa representa um avanço na polêmica discussão sobre o aborto, para outros, é quase uma legalização da prática, tão combatida por vários setores da sociedade e principalmente por entidades religiosas. Hoje, são feitos cerca de 300 mil abortos legais por ano nas 50 unidades públicas autorizadas no Brasil e os que condenam a prática alegam que a medida, no mínimo, duplicará esse número. Tereza Campos, do departamento de ações estratégicas do Ministério da Saúde, no entanto, explica que mesmo sem terem feito queixa na polícia, as mulheres nesta situação têm que se submeter a exames. “Não queremos incentivar o aborto, mas garantir a vida de milhares de mulheres que chegam ao SUS grávidas e vítimas de estupro”, defende-se.

Embora o aborto seja permitido em caso de estupro, o Código Penal não obriga as vítimas a denunciar a agressão numa delegacia, mas os agentes de saúde costumam exigir o boletim de ocorrência para respaldar o procedimento médico. Com a norma, o Ministério apenas ratifica o que está na lei e desburocratiza o atendimento. Ela também prevê o treinamento de profissionais e a ampliação do serviço oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As críticas, porém, vêm até mesmo da área de saúde. “Isso é um artifício para o SUS pagar aborto de ‘patricinhas’ sem responsabilidade. No Hospital São Paulo, há um atendimento especializado a vítimas de estupro e 80% delas não se arrependem de serem mães”, ataca a médica Alice Teixeira, especialista em biologia celular, membro do Núcleo de Bioética da Unifesp e do comitê de Ética do Conselho Regional de Medicina. Alice garante que sua posição se baseia na ética e não em princípios religiosos, mas o assunto é controverso até mesmo entre os católicos. “A interrupção da gravidez é decisão da mulher. A proibição cria um mercado negro e aumenta abismo social porque quem pode pagar recorre a clínicas seguras e as outras ficam sujeitas a situações clandestinas, com graves seqüelas”, afirma a psicóloga Rosangêla Talib, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir.

Anencefalia – No mesmo dia da aprovação desta norma, o Conselho Nacional de Saúde reuniu vários setores da sociedade para redigir um documento de apoio à legalização do aborto de fetos com anencefalia (ausência total ou parcial do cérebro), hoje só permitido com autorização judicial. Na votação, 27 representantes foram a favor e três contra, entre eles o Conselho Nacional de Bispos do Brasil. O documento vai para o Supremo Tribunal Federal e deve incentivar a aprovação da lei. O ginecologista paulista Thomas Gollop, especialista em medicina fetal comemora. “A Igreja não pode vetar certos avanços. Vemos um fenômeno sócio-político em que mobilização da opinião pública mostra resultados.”

No mundo – A extinta União Soviética foi a primeira nação a legalizar o aborto em 1920. Os escandinavos seguiram o exemplo dez anos depois. A China aprovou uma lei sem restrições em 1975, para controlar a natalidade