Ele é uma praga. Sobe em postes, árvores, muros e invade casas. O personagem em questão é o caramujo gigante africano e seu nome científico não é nada atraente: Achatina fulica. É um molusco de grande porte. Atinge 15 centímetros de comprimento, oito de largura e chega a pesar 200 gramas. Esse animal, de origem africana, como diz seu nome, é cinza-escuro. Sua concha tem faixas castanhas e estrias. Anda com agilidade e deixa um rastro de muco por onde passa. O caramujo é hermafrodita e gosta de sexo – chega a copular 11 vezes por noite e se reproduz praticamente o ano todo. Sua fome também é feroz. A comida predileta do caramujo gigante são os vegetais. Devasta plantações de banana, mamão, amendoim, feijão, café, cacau, chá, mandioca, cítricos, hortaliças e outras. Tem potencial para destruir grãos armazenados, jardins, hortas e pomares. É uma praga agrícola em diversos países. A cada dois meses, um caramujo põe 200 ovos. Depois de cinco meses, os filhotes estão adultos e começam a se reproduzir.

O caramujo gigante africano entrou no Brasil ilegalmente, em 1988, para ser vendido como escargô, iscas para pesca e até como oferendas para deuses afros. No Japão, tornou-se uma praga de difícil combate. Pelo mesmo motivo, os Estados Unidos proibiram sua criação e cativeiro. O consumo desse caramujo é comum na Europa, especialmente na França, quando criado dentro das condiões higiênico-sanitárias. Ele entrou no Brasil por Curitiba durante uma exposição agropecuária, prometendo retorno financeiro fácil e possibilidade de exportação. O sonho de ficar rico criando caramujos despertou o interesse de moradores de várias cidades e pequenos empresários rurais, que decidiram investir na espécie. Mas as dificuldades apareceram na hora de vender o produto. Vários desistiram do empreendimento e os caramujos foram abandonados à própria sorte. Em contato com a natureza, eles se tornam um veneno para o organismo humano, ao contrário do que acontece com os criados em cativeiro. Eles são transmissores de um tipo de meningite e podem provocar tumores no estômago. O homem também contrai as doenças ao ingerir as larvas dos vermes encontradas no muco que eles deixam em verduras, legumes e frutas. Em São Paulo, existem em grande quantidade no litoral.

De acordo com documento da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), órgão da Secretaria de Saúde do Estado, não se pode chamar o caramujo africano de escargô, designação do caramujo comestível tradicional. “No Brasil, o caramujo já está disseminado em 11 Estados”, revela a Sucen. Luiz Frosch, biólogo do Ibama, afirma que, para ser introduzida no País, qualquer espécie exótica precisa de autorização ambiental do Ibama e sanitária do Ministério da Agricultura. “A entrada desse caramujo no Brasil não foi legalizada perante o Ibama”, afirma Frosch.

Iguape é uma cidade do litoral sul paulista e fica a 220 quilômetros da capital. Em maio, moradores dos bairros rurais de Icapara e Barra do Ribeira procuraram as autoridades e pediram socorro para conter os caramujos que invadiram casas, quintais, muros e devastaram bananeiras. “Fizemos campanha, mutirão de limpeza e alertamos a população sobre o perigo do animal”, conta a médica Eliana Nakashima, da equipe de Vigilância em Saúde. A caça aos caramujos é manual. “Catamos cerca de 400 quilos”, completou Eliana. Os caramujos já estão chegando à cidade. “Foram vistos no bairro Rocil, no perímetro urbano”, revelou a médica.” A população tem sido orientada para manter os quintais limpos. Não existe veneno para matar o bicho. “Ele tem que ser catado com bastante cuidado. É preciso usar luvas”, orienta a médica. Para matá-los, basta mergulhá-los em água com bastante sal. Eles não devem ser depositados vivos no lixo doméstico, onde se proliferam.

Vigilante – A aposentada Consuelo Ferreira Rebelato, 65 anos, está revoltada. No bairro Vila Nova, em Iguape, ela virou uma caçadora de caramujos. “Eles transformaram minha vida num inferno”, disse. Consuelo, que sofre de hipertensão, há 13 anos foi morar em Iguape pensando em ter uma melhor qualidade de vida. “Tive que cobrir a piscina. Ontem, vários escalaram o muro e ficaram passeando em volta dela”, conta. Munida com o seu kit anticaramujo – um par de luvas azuis, um saco plástico e um pacote de sal –, Consuelo faz rondas diurnas e noturnas no quintal para exterminar os invasores. “Esse é o terceiro saco de caramujos que eu mato”, confessou satisfeita. Um morador de Iguape, que não quis se identificar, garantiu: 20 caramujos comem uma bananeira em 36 horas.

A presidente da Associação Paulista de Criadores de Escargots, Vera Lobão, assegura que a espécie africana é comestível, desde que criada em cativeiro, com ração balanceada, água filtrada e longe do contato com outros animais. “Há muito picareta dando curso e vendendo matrizes não saudáveis, catadas no litoral”, alerta Vera. Ela não tem idéia do número de caramujos soltos. Há dois meses, em São Sebastião, foi coletada uma tonelada e meia.