Receber o diagnóstico de uma doença grave ou incurável é um marco na vida de qualquer pessoa. Um fato capaz de mudar a rotina da família e destruir planos e sonhos. Para o médico, fica a tarefa, nada fácil, de diminuir o sofrimento, dar esperança e responder perguntas complicadas como “quanto tempo eu tenho de vida, doutor?” Uma pesquisa realizada pela Universidade de Medicina de Chicago, nos Estados Unidos, revelou que 40% dos médicos respondem a essa pergunta, exagerando o tempo estimado. Apenas 23% dos profissionais dão a previsão exata, enquanto 37% se recusam a responder a pergunta ao paciente. O estudo, publicado nos Anais Internacionais de Medicina em junho, critica essa atitude. Para os pesquisadores, os médicos não estariam dando esperança ou sendo delicados, mas, sim, mentindo e prejudicando os planos e os preparativos da família para o resto de vida do doente.

Na teoria, parece lógica a bronca dos estudiosos – ainda mais nos Estados Unidos, onde os médicos estão constantemente ameaçados por processos judiciais. É direito do paciente saber quanto tempo lhe resta. Mas, na prática, esse tipo de situação põe o profissional numa posição complicada. Dar esperança e até apoio psicológico não são exatamente suas obrigações, mas fazem a diferença na hora do bom relacionamento com os pacientes. O infectologista Jamal Suleiman, do Hospital Emílio Ribas (São Paulo), resume bem o sentimento da maioria dos colegas brasileiros. “O que me norteia é que a pessoa quer sempre saber a verdade até para ter condições de se tratar direito. A parte do médico é sentir quando ela será pega de surpresa ou se o diagnóstico já é esperado para dar a notícia de uma forma que não assuste”, diz. O cardiologista Edmar Bocche, do Instituto do Coração, de São Paulo, pensa de modo diferente. “Se uma velhinha pergunta para mim suas chances de sobreviver, sendo que ela não tem praticamente nenhuma, eu não vou dizer isso. Esse tipo de informação só aumenta o sofrimento e a dor, não vale a pena”, defende.

A verdade é que, nos momentos delicados, conta muito a tática pessoal. De acordo com o oncologista Elias Abdo, de São Paulo, o melhor é não fazer previsões. “Falo a respeito de como o paciente está hoje e como ficar melhor amanhã”, afirma. Para ele, a relação de confiança é fundamental para que o tratamento dê certo. “A pessoa tem de sentir que o médico está interessado no seu caso e o médico tem que mostrar para ele algum lado positivo. Descobrimos a doença e estamos tratando, por exemplo. Isso já é melhor do que ter um piripaque súbito”, completa Abdo.

Choro – O neurologista Paulo Bertolucci, da Universidade Federal de São Paulo, sustenta que a má notícia não é o diagnóstico em si, e, sim, o que vai ser feito depois disso. “Muitas vezes, o paciente precisa de um tempo entre saber o que tem e receber as possibilidades de tratamento”, diz. É importante dar espaço até para o choro. Esse cuidado pode ajudar o doente a assimilar a notícia. Para o engenheiro agrônomo Antônio Mello, 54 anos, que tem câncer de próstata, mais importante do que a forma como o médico presta as informações é a maneira como ele se relaciona com a pessoa. “Faço questão de me sentir humano na frente do médico, afinal a doença é só uma parte da minha história”, explica.
 

No caso das crianças, a questão é ainda mais delicada. “Fazer planos, sonhar com o futuro do filho e depois ver um prazo ou limitações sendo colocados é uma situação que angustia muito os pais. Eles acabam se sentindo responsáveis pela doença”, diz Abram Topczewski, neurologista da infância e adolescência do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Mas ele salienta que falar a verdade, mesmo para as crianças, é sempre melhor. “Não dá para minimizar os problemas. E se depois acontece o pior? Todos têm de estar preparados”, reforça. A psicóloga Edna Rabeh, 44 anos, que viu um de seus filhos, Rusdy, hoje com oito anos, ser internado em coma por causa de uma meningite bacteriana, conta que a verdade doeu, mas não se arrepende de ter sabido de tudo logo de cara. “Não consegui ficar em pé quando a médica disse que o caso era grave e que ele corria riscos. Na hora parecia frieza, mas fiquei satisfeita com a sinceridade dela”, lembra. A médica que deu a notícia para Edna passou a ser a pediatra de Rusdy, que sofre de deficiência auditiva em consequência da enfermidade.

De qualquer forma, o tema está longe de ser consenso. O que todos querem sempre é estar bem. Por isso, o pneumologista Affonso Tarantino, membro titular da Academia Nacional de Medicina, assegura que, muitas vezes, dizer a verdade completa pode atrapalhar. “Omitir algumas informações como a estimativa de vida, por exemplo, é uma forma de poupar o doente do sofrimento de ver a morte chegar”, afirma. Para Tarantino, o papel do médico é convencer o doente de que sempre resta uma chance: “Isso se chama esperança, fundamental em qualquer tratamento”, diz. E tem mais gente trabalhando para criar energia e força nos pacientes por meio dessa palavra. A clínica EstéticaMente, no interior paulista, tem um atendimento especializado para pessoas com doenças crônicas graves. “O que nós buscamos é estimular a autoconfiança e a motivação dessas pessoas. Mostramos que é possível ficar forte mesmo estando doente. Assim, elas ganham muito mais ânimo para buscar a cura e a qualidade de vida”, conta o terapeuta João Luiz Servelhe, diretor da clínica.

Tratamento e colo

A paulista Laura (nome fictício) sentiu na pele a diferença que faz ter um médico que se encarrega não apenas da terapia, mas também do paciente. Em 1997, ela soube que tinha um câncer no seio esquerdo. Operou a mama e continuou o tratamento. “Às vezes, o jeito frio do médico me incomodava, mas não pensava que pudesse ser diferente”, diz. Laura mudou de especialista três anos depois ao descobrir mais um tumor na mesma mama. Só aí percebeu os absurdos dos quais foi vítima. Ela conta que numa ocasião, ao descrever o sofrimento causado pela quimioterapia, o primeiro médico se limitou a falar “você está indo contra minhas estatísticas”. Foi um modo de dizer que Laura era a única paciente a reclamar. Isso a surpreendeu. “Cheguei a omitir informações para não me sentir uma exceção novamente”, confessa. Hoje, Laura sabe que seus limites são respeitados. “É incrível poder contar com alguém que te ouve e apóia, além de te tratar”, conta. Para ela, é importante discutir em conjunto o tratamento, as saídas possíveis e a dor de estar doente.