"Eu não fugi, salvei minha vida. Qualquer um teria feito isso. Você acha que salvar a vida não vale a pena?” Essas foram as primeiras palavras de Henrique Pizzolato, que, após nove meses de prisão, deixou a penitenciária Sant’Anna, de Modena, na Itália, e voltou a ser um homem livre. Na tarde da terça-feira 28, a Corte de Apelação de Bolonha negou a sua extradição ao Brasil. Por volta das 20h30, horário local, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, condenado a 12 anos e 7 meses no processo do mensalão, deixou para trás os velhos portões cinzas que o mantinham preso e deu o passo inicial para recomeçar uma nova vida na Itália ao lado da mulher, Andrea Haas.

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COMPENSOU
"Salvei minha vida", disse Henrique Pizzolato, ao deixar a prisão em Modena

O primeiro paradeiro de Pizzolato após deixar a cadeia será a região da Spezia, para onde rumou já na quinta-feira 30. O mensaleiro conhece muito bem o local, visto que já havia alugado uma casa próxima ao mar, na cidade de Porto Venere. Segundo revelou à ISTOÉ um conhecido de Pizzolato, ele e a mulher aproveitarão para descansar alguns dias nessa bela cidade da Itália, depois de ele recuperar seus documentos verdadeiros, como a carteira de identidade e o passaporte italiano, que foram remetidos pelo Ministério Público de Bolonha aos procuradores locais. Na sentença, a Corte de Apelação da Itália autorizou a restituição de todos os bens sequestrados no momento da prisão, com exceção daqueles inerentes ao processo de pedido de rogatória internacional. Pizzolato, como se sabe, tem dupla cidadania e, de posse dos documentos, poderá circular livremente pela Itália, enquanto aguarda o julgamento do recurso da extradição, que deve demorar pelo menos um ano.

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AUTORIZAÇÃO
Em ofício, Justiça italiana dá aval para Pizzolato
recuperar seus documentos apreendidos

Depois de passar pela Spezia, o casal irá ao sul do país a fim de visitar alguns parentes que vivem por lá. Para evitar o assédio da imprensa, pessoas próximas do ex-diretor do Banco do Brasil evitam dizer o local exato em que ele irá se estabelecer em definitivo. Mas, no itinerário, constam passagens por cidades próximas a Nápoles e Palermo. Na segunda quinzena de novembro, o casal pretende fazer uma pausa no tour pelo sul da Itália para ir a Montebelluna, uma comuna italiana da região do Vêneto, província de Treviso, localizada no norte do país, com cerca de 27 mil habitantes. Montebelluna é a terra de Victorio Pizzolato, avô paterno do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil. O nonno foi um soldado condecorado na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Ferido, chegou ao Brasil após o fim da guerra e morreu na década de 1960. Neste mês, serão completados 50 anos de sua morte. “Sempre quis encontrar o lugar onde meu avô foi ferido e sua família sofreu. Eu lhe prometi que encontraria uma forma de ir até lá. Vou cumprir essa promessa”, disse Pizzolato.

Tido como religioso, Pizzolato ainda irá este ano ao santuário de Padre Pio, em San Giovanni Rotondo, região da Puglia, perto de Bari. Padre Pio pertence à Ordem dos Frades Menores Capuchinhos e, recentemente, foi elevado a santo pela Igreja Católica. “Quero orar e agradecer a Deus que me deu uma sorte grandíssima, minha mulher, Andrea Haas”, confirmou o ex-diretor do Banco do Brasil.

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Pessoas próximas a Pizzolato evitam dizer de onde o ex-dirigente condenado pelo mensalão tem tirado recursos para manutenção de sua nova vida na Itália. Não havia nada de revelador nos computadores encontrados na casa onde Pizzolato foi preso pela polícia italiana em fevereiro. Na ocasião, ele portava consigo 14 mil euros em espécie. Sabe-se, no entanto, que em 2005 o ex-executivo ostentava um patrimônio de 11 imóveis, alguns dos quais postos à venda antes de ele tramar e executar a fuga do Brasil. À época, os imóveis estavam avaliados, de forma conservadora, em R$ 2,2 milhões. Pizzolato também havia declarado à Receita investimentos que totalizavam R$ 500 mil (incluídos R$ 100 mil em nome da mulher, sua dependente na declaração) e R$ 81 mil em dólares e euros. Enquanto esteve foragido na Europa, antes de ser preso na Itália, Pizzolato morou por um curto período na Espanha. Em Benalmádena, município litorâneo de Málaga, além de adquirir o atual carro, o Fiat Punto vermelho, arrematou dois imóveis, um colado no outro. Ambos foram orçados em 450 mil euros. Os imóveis são situados no condomínio Urbanización Costa Quebrada, próximo ao mar, com vista para as águas do Mediterrâneo, piscina e entrada de visitantes controlada 24 horas por dia.

CRÍTICAS AO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Numa audiência de cinco horas de duração, a Corte de Bolonha negou a extradição de Henrique Pizzolato baseando-se no que chamou de “condições degradantes do sistema prisional brasileiro”. Para a justiça italiana, não existem presídios que respeitem os direitos humanos no Brasil. Mesmo tendo fornecido dois dossiês fotográficos que incluíam imagens dos presídios da Papuda, em Brasília, e de Itajaí e Curitibanos, em Santa Catarina, a justiça brasileira não conseguiu provar que Pizzolato receberia tratamento digno nesses sistemas carcerários.

Durante a audiência, a defesa de Pizzolato apresentou fotos da penitenciária de Pedrinhas (MA) exibindo imagens de detentos sendo decapitados dentro do presídio. Usou ainda alguns trechos de entrevistas em que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, chama os cárceres brasileiros de medievais e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa declara que as prisões brasileiras são vergonhosas. Para Alessandro Sivelli, principal advogado do ex-diretor do BB, o defensor contratado pela União, o advogado Michele Gentiloni, “não teve condições de refutar a nossa argumentação sobre a situação degradante dos presídios no Brasil”.

A justiça italiana tem 15 dias para publicar a íntegra da motivação da sentença. Após esse período, o Brasil terá mais 15 dias para entrar com recurso na Corte de Cassação de Roma. O governo brasileiro confirmou que vai recorrer, o que significa que o caso poderá se arrastar por todo 2015.

Fotos: Alessandro Fiocchi