No número 1.738 da rua Haddock Lobo, na região dos Jardins em São Paulo, está instalada uma filial do Mercosul. Tecnicamente falando, o restaurante A Figueira Rubaiyat alcançou o que nem dez anos de tratados de cooperação econômica conseguiram: a harmonia de interesses entre brasileiros e seus vizinhos do Cone Sul. Dos 174 funcionários da casa, aberta há pouco mais de três semanas, 26 vieram de restaurantes em Punta del Este, no Uruguai, e em Buenos Aires, na Argentina. Juntos, com seus diferentes estilos, gostos e culturas, eles transformaram o lugar num consulado da gastronomia latina.

A bela argentina Paola Carossela, 28 anos, é quem rege essa afinada orquestra. Braço direito do chef Francis Mallmann, criador do cardápio da casa, ela comanda um exército de 60 cozinheiros divididos em dois turnos. Com a experiência de dois anos na França e outros sete como chef de cozinha, ela teve a missão de juntar os diferentes sotaques. Enérgica, chegou a demitir um funcionário que não se conformava em seguir ordens de uma mulher. “Para fazer comida para mais de mil pessoas por dia, como fazemos aqui, não dá para ter rivalidade”, afirma. Hoje, com a equipe azeitada, Paola costuma trabalhar cantando música brasileira. “Hoje me ensinaram uma que diz ‘quando tão louca, me beija na boca, me ama no chão’”, cantarola, sem saber que se trata de um clássico brega do cantor Wando.

No salão, a junção de uruguaios, brasileiros e argentinos provoca situações engraçadas. Na semana passada, na saída da copa, um cozinheiro argentino, com um prato fumegando nas mãos, gritava: “Boi, boi, boi!” Saindo da frente, o aprendiz de garçom Magno Custódio, 19 anos, se assustou: “Ué, tem alguma vaquejada aqui?” O maître argentino Carlos Williams, 24 anos, esclareceu: “Não, ele só quer dizer que precisa passar. Boy significa estoy indo, me voy”. Admirado com a cultura dos colegas, o garçom Geraldo de Sousa, 29 anos, pensa em estudar espanhol. “Acho bonito o jeito como os argentinos atendem aos clientes. Eles são elegantes e transmitem segurança.”

O A Figueira é o terceiro restaurante aberto em São Paulo pelo imigrante espanhol Belarmino Iglesias, dono da rede Rubaiyat, famosa pelo seu baby beef. O prato nas mãos do chef Mallmann é apresentado coberto de chimi-churri, um molho de origem portenha, à base de salsinha, orégano, alho e vinagre. No lugar de leitões assados e de churrasco, outras marcas registradas da rede, montou-se um cardápio com peixes e frutos do mar, doces com açúcar flambado e belíssimas saladas. Mas, para adequá-lo ao paladar brasileiro, Mallmann teve de fazer concessões. A pedido dos clientes, alguns pratos sofisticados, como o Caixote Marinho, vêm acompanhados de uma porção de arroz. Batatas souflê também viraram itens obrigatórios. E no bar, o chope e a caipirinha ainda lideram a competição com os vinhos chilenos e argentinos.

Fora do horário de expediente, os funcionários do A Figueira formam uma espécie de república latina nos Jardins. Com idades entre 19 e 30 anos, eles ocupam cinco apartamentos nas proximidades do restaurante. Nas horas de folga, podem ser encontrados tomando capuccino no Armani Caffé, lendo o jornal argentino La Nación na confeitaria Cristallo ou até tirando fotos de alimentos na feira livre da rua Oscar Freire. “Parecemos estar naquele programa de tevê americano, o Big Brother. Fazemos absolutamente tudo juntos”, afirma a cozinheira Vanina Chimeno, 22 anos. Mas esse Mercosul culinário tem data para acabar. Em outubro, a maioria deles deve voltar para Punta del Este e Mendoza, onde costumam trabalhar na temporada de verão, servindo aos turistas. “Apesar de as gorjetas aqui serem muito boas, tenho de voltar para o meu país, para terminar a faculdade”, afirma a maître Patricia Zavala, 21 anos. Depois que eles forem embora, difícil vai ser entrar no A Figueira sem sentir vontade de tomar um mate uruguaio ou ouvir um tango de Carlos Gardel.