Bactérias nocivas à saúde sempre existiram, mas nunca tão fortes. Hoje existem microorganismos que sobrevivem às drogas mais poderosas. São as superbactérias, criadas por causa do abuso de antibióticos. Quando usados em dose ou tempo menores do que o necessário, eles matam ou inibem o crescimento de uma parte das bactérias presentes, permitindo que as mais resistentes se multipliquem. Essas inimigas crescem em gênero, número e grau de resistência. No Brasil, as primeiras foram detectadas em 1996. Aparecem, principalmente, nas unidades de terapia intensiva (UTI). Nesse ambiente, há pacientes com as defesas do corpo enfraquecidas ou em recuperação de traumatismos e cirurgias. Essa fragilidade é agravada por procedimentos invasivos (uso de sondas e catéteres, por exemplo), que facilitam a entrada dos agentes. E pelo menos um desses supermicróbios, o pneumococo (causa pneumonias, meningites e infecções de ouvido), já se multiplica nas ruas.

Na semana passada, no entanto, a ciência marcou dois gols na briga contra essas ameaças invisíveis. Um deles foi o sequenciamento do código genético da bactéria Pseudomona aeruginosa, anunciado por cientistas da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. A descoberta contribuirá para a criação de terapias para vítimas de queimaduras e portadores de fibrose cística (doença que causa o espessamento do muco e outras secreções, dificultando a expulsão de bactérias e a ação dos antibióticos), mais vulneráveis às infecções por pseudomonas. O segundo passo da pesquisa será comparar essas informações com o genoma das bactérias mutantes para ver as diferenças e, quem sabe, decifrar como se tornam resistentes. O outro gol foi a convocação, feita pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, de especialistas de vários países para estudar as superbactérias a partir de outubro.

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Estratégias – A iniciativa ilustra a gravidade do problema. O objetivo do grupo é mapear os locais onde o inimigo já se manifestou, como se transmite e traçar estratégias de combate. “No Brasil, ainda não existe a centralização dessas informações, o que facilitaria o controle e a prevenção”, diz a microbiologista Flávia Rossi, do Laboratório de Microbiologia do Hospital das Clínicas de São Paulo e integrante do time internacional de especialistas.

Na trincheira química, também há avanços. O mais recente é o remédio Synercid, lançado há um mês pela Aventis Pharma. O remédio uniu duas drogas antigas, a quinupristina e a dalfopristina, para criar um míssil direcionado aos estafilococos resistentes, bactéria responsável por 30% das infecções hospitalares. Foi essa droga que salvou a gauchinha Mairis Prinz Tiska, dez anos, portadora de fibrose cística. Por causa da doença, ela desenvolveu uma séria infecção pulmonar e está em tratamento no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. “Essa nova droga é uma alternativa valiosa. Nos últimos anos, as bactérias se tornaram mais resistentes à vancominicina, única que surtia efeito”, comemora a pneumologista Isabella Scattolin, médica da garota. Outro antimicrobiano que já está em uso nos hospitais é a linezolida (nome comercial Zyvox), pertencente a uma nova classe de medicamentos, as oxazolinidonas. O remédio será lançado oficialmente no Brasil em setembro pela Pharmacia & Upjohn. Além do estafilococos, a droga combate os temidos enterococos, uma das bactérias mais resistentes e disseminadas da atualidade. Espera-se também que, em breve, outras drogas reforcem esse arsenal. O laboratório Eli Lilly, por exemplo, está aperfeiçoando a vancomicina para restaurar seu efeito contra os superbacilos. Além disso, cientistas da Universidade de Hohenheim, na Alemanha, anunciaram ter encontrado uma nova substância (a reutericiclina) com bom potencial no pão feito com fermento azedo.

Dentro dos hospitais, as Comissões de Controle de Infecções Hospitalares (CCHI) estão implantando rotinas de segurança. No Hospital das Clínicas de São Paulo, essas comissões ensinam desde cuidados básicos para médicos e enfermeiros, como lavar as mãos antes e depois de tocar em pacientes, até a prescrição correta dos antibióticos. “Alguns médicos colaboram para o aparecimento de bactérias multirresistentes receitando antibióticos mais ou menos potentes do que o necessário. Isso precisa ser revisto”, defende o infectologista Eduardo Medeiros, da Universidade Federal de São Paulo. Para orientar os médicos, o Hospital Israelita Albert Einstein, por exemplo, distribuiu um guia de resistência das bactérias a cada antibiótico. Infelizmente, medidas como essa não são padrão porque apenas cerca de 20% dos hospitais brasileiros possuem comissões desse tipo realmente ativas.

Pouco adiantará, entretanto, a descoberta de novas drogas se elas continuarem a ser usadas como foram outros antibióticos potentes. “Os novos recursos deveriam ser indicados só contra bactérias multirresistentes. Caso contrário, perderão poder mais rápido do que se imagina”, alerta o infectologista Artur Timerman, do Hospital Israelita Albert Einstein. Também não se pode esquecer a parcela de responsabilidade da automedicação. Além de tomar antibióticos sem receita até para resfriado, muita gente suspende o uso no meio do tratamento, assim que sente melhora. Está provado que usar desse jeito serve apenas para fortificar bactérias.