A 40 minutos de São Paulo, a pequena cidade de São Roque luta para recuperar seu prestígio. De clima seco e relativamente frio, fez fama no passado com a produção de vinho. Chegou a ter mais de um milhão de parreiras plantadas. A concorrência crescente dos gaúchos, num primeiro momento, e dos importados, mais adiante, sufocou a produção local, resumida hoje a menos de 70 mil pés. Agora, a cidade tem outros planos. Se tudo der certo, São Roque pode ficar conhecida como a capital da agricultura orgânica do País.
Potencial não falta. Para muita gente do ramo, por sinal, ela já é um dos principais pólos nacionais, num segmento da agricultura, diga-se, que engatinha. Atraídos por margens de lucro entre 50% a 60% – o preço no supermercado chega em alguns itens a ser o dobro da agricultura convencional –, mais de 100 pequenos produtores da região deixaram de lado o uso de agrotóxicos e cultivam aproximadamente 100 hectares de orgânicos, o equivalente a um Parque Ibirapuera ou 100 quarteirões. Optam principalmente pelas hortaliças. “Nossa expectativa é que a área dobre em cinco anos. Ela tende a tomar o lugar das plantações convencionais porque
o preço ao produtor é melhor e o consumidor está cansado de pesticidas”, diz o secretário de Agricultura da cidade, Roque Salvetti.
O principal combustível é a proximidade do mercado paulistano, onde um público de renda mais elevada, preocupado com saúde e meio ambiente, garante a demanda. Mas, para chegar lá, é preciso vencer alguns obstáculos consideráveis. O principal deles diz respeito aos canais de distribuição. Enquanto os agricultores tradicionais dependem basicamente dos sistemas centralizados – como Ceasa e Ceagesp –, os produtores orgânicos batalham para encontrar seus próprios meios de comercialização. Para ganhar escala, não basta vender nas feiras especializadas ou em pequenos mercados. Mais importante é colocar produtos nas prateleiras das grandes redes de supermercados, que vendem mais.

Para o professor do Instituto de Economia da Unicamp Ademar Romeiro, ou os produtores orgânicos se associam ou não sobreviverão. No caso da região de São Roque, a experiência mais bem organizada nesse sentido é a Horta & Arte. Por trás da marca, estão mais de 120 pequenos produtores (vários deles com propriedade fora do município de São Roque), com uma área plantada de 40 hectares, entre lavouras de tomate, cenoura, alface, rúcula e algumas frutas.

Planejamento – Criada por Filipe Mesquita, Luis Carlos Trento e Magda Ribeiro, eles mesmos produtores e também administradores, a Horta & Arte tem como principal desafio calibrar a produção. Ou seja, é preciso garantir que os produtos cheguem diariamente, e com qualidade, às gôndolas de mais de 50 lojas na Grande São Paulo e litoral paulista de redes como Carrefour, Wal Mart, Sé, Sonae e Pastorinho. “Nossos agrônomos monitoram todos os associados para não faltar produtos, nem para termos excedente”, diz Mesquita. Até o final do ano, a empresa estará vendendo produtos “quase-prontos”, lavados e embalados, como fazem os convencionais. Uma linha de crédito do Banco do Brasil está financiando o projeto, que inclui uma área para limpeza e empacotamento. Com o apoio do BB, os administradores negociam a exportação de alguns itens para a Europa (provavelmente para a Alemanha), mas evitam dar maiores detalhes sobre a operação.

Também não querem que novos agricultores convertam suas lavouras para a agricultura orgânica única e exclusivamente por razões econômicas. Além de “ecologicamente correta”, dizem, a agricultura orgânica os motiva porque é “socialmente mais justa”. Por ser mais sensível a mudanças climáticas e às pragas, requer um maior número de pessoas trabalhando. “Em uma área de quatro hectares, por exemplo, são necessárias nove pessoas. Se usássemos defensivos e adubos químicos, duas dariam conta”, diz Trento. E a gorda lucratividade permite salários melhores.

Os sócios sabem que permanecer nesse negócio não é fácil. No passado, tiveram experiência como cooperativa. Não deu certo: em 1994, foi à falência porque não conseguiu acompanhar as mudanças do mercado. O sistema “cada cooperado, um voto” foi trocado pela administração centralizada. A aposta é no fortalecimento da marca e em um relacionamento “não-predatório” entre as partes para continuar crescendo.

Chuva na horta
O preço dos orgânicos ainda é salgado

Enquanto alguns países europeus, como a Dinamarca, chegam a dar isenção total de impostos para incentivar a agricultura orgânica, o Brasil somente há um ano passou a reconhecer a sua existência. Quando o Banco do Brasil criou o programa BB Agricultura Orgânica, em setembro de 1999, sua linha de financiamento não chegou a ser a salvação da lavoura, mas foi um passo importante. Desde então, pouco mais de mil contratos foram assinados em todo o País, num total financiado de R$ 10 milhões. “Em relação aos juros, as condições são as mesmas dadas ao produtor tradicional, mas o BB garante que não irão faltar recursos para a agricultura orgânica”, diz Eliane Mattioli de Sousa, analista-sênior da Unidade Estratégica de Negócios Rurais do Banco do Brasil. Em empréstimos de até R$ 5 mil, são cobrados juros de 4% ao ano. A taxa sobe para 8,75% para valores superiores a R$ 30 mil.