Na semana passada, o governo comemorou vitória na guerra jurídica para a privatização do Banespa. Foram cassadas as liminares que emperravam o processo. Mas, ao que parece, não foi o embate final. “Nem começamos a brigar”, diz João Roberto Egydio Piza Fontes, advogado do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que encabeça a oposição à venda. Profissionais do mercado de capitais acham difícil que o leilão aconteça neste ano. Em 60 dias, então, como deseja o Banco Central, são absolutamente céticos. “Ainda há incertezas de sobra”, afirma Bruno Pereira, analista do banco de investimentos suíço UBS Warburg. “Não só em relação às batalhas na Justiça como também porque os interessados na compra vão querer negociar garantias como quem vai arcar com o custo de demissão de funcionários.”

Bom para especulação – O prolongamento do vaivém não soa lá tão ruim para alguns especuladores da Bolsa de Valores. Se conseguem antecipar quando a privatização vai e quando vem, ganham uma nota preta. Compram ações do Banespa antes que um fato positivo venha a público para vender na empolgação geral. E se desfazem previamente dos papéis ao farejar eventos prejudiciais.
Exemplo recente: em 23 de agosto, o governo conseguiu o direito de queimar etapas na Justiça e recorrer diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra liminares que impedem a privatização. Nos cinco dias úteis anteriores à decisão, as ações sem direito a voto do Banespa valorizaram-se quase 10%. E subiram mais 15% durante os quatro pregões seguintes, logo antes de Carlos Velloso, presidente do STF, derrubar as liminares e possibilitar a continuidade dos preparos ao leilão.
Há quem diga que tais fatos eram previsíveis e o “mercado todo” apostou na direção correta. Ministros e diretores do Banco Central vinham ultimamente intensificando pressão – o “rolo compressor”, nas palavras de Piza – e às claras. Há receio de que, se o processo não for retomado já, o leilão só seja realizado mesmo de 2001 em diante. Nesse caso, iriam ficar desatualizados os trabalhos de avaliação do preço mínimo feitos pelo consórcio liderado pelo banco Fator, para o Banco Central, e pela Booz-Allen & Hamilton, para o governo do Estado de São Paulo. Além do desperdício dos R$ 3 milhões pagos às consultorias, haveria necessidade de recontratação dos avaliadores. Não custa também lembrar que a bula do Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda: privatizar, privatizar e privatizar.

Videntes – Um, dois, três fatos antecipados pelo mercado, ainda vá lá. Mas uma dezena, como há indícios de que tenha ocorrido desde janeiro de 1999 (leia gráfico), chama a atenção. E a maior parte das notícias é completamente inesperada – decisões judiciais e descoberta de esqueletos.
A multa pesada aplicada pela Receita Federal ao Banespa é lembrada por quem acompanha o assunto como um dos fatos mais decisivos para a desvalorização das ações no ano passado. Antes que saíssem na imprensa rumores da existência da pendência com a Receita, os papéis já vinham caindo. No dia em que foi oficialmente anunciada, 16 de setembro, as ações preferenciais do Banespa despencaram 15%. Nos três pregões anteriores, houve uma queda significativa, de 6,9%. Outro exemplo de “premonição”: um ou dois dias antes de decisões judiciais favoráveis ao governo, os papéis do banco têm subido mais que o mercado (medido pelo Ibovespa, índice que mede as ações mais negociadas na Bolsa paulista).

Palpiteiros – O embolado processo de privatização dá espaço para uma diversidade de palpites que acabam mexendo com as cotações em Bolsa. Em setembro do ano passado, o banco Bozano, Simonsen divulgou dois relatórios de recomendação de investimento sobre o Banespa. No primeiro, sugeria que as ações poderiam se valorizar 139%. Quatro semanas depois, reduziu pela metade a cotação potencial e aconselhou a venda dos papéis – no dia da publicação, houve uma queda de 5% das ações preferenciais.
Em 10 de julho deste ano, Carlos Eduardo de Freitas, diretor do Banco Central, disse em entrevista ao Jornal do Brasil que, se a privatização não sair até o final deste ano, o Banespa “pode virar pó”. Nos dias seguintes, as ações do banco caíram. Conforme o tempo passa, o banco vai perdendo espaço de mercado. “Os outros vão avançando em tecnologia e serviços”, diz Mauro Mazzaro, analista da corretora Planner.
O Bradesco acaba de consumar a compra do BoaVista e o Unibanco, do Bandeirantes. As equipes de auditores que antes estavam debruçadas nos números do Banespa – insuficientes para qualquer análise, segundo um deles, que esteve no data room nos poucos dias em que esteve liberado pela Justiça – foram redirecionadas: agora procuram decifrar os problemas e potenciais das aquisições recentes dos grandes bancos brasileiros de varejo.

São nunca – Bradesco, Itaú e Unibanco têm evitado se manifestar publicamente sobre o andamento do processo de privatização. Nos bastidores, comentam que perderam um pouco do interesse. Para alguns, pode ser puro blefe. “Não é fácil conquistar dois ou três milhões de bons clientes como possui o Banespa”, diz Pereira. Por outro lado, o custo para tê-los em carteira pode ser alto, dada a quantidade de bancos, nacionais e estrangeiros, que se qualificaram para disputar o leilão. O analista do UBS Warburg acredita que o preço pode superar duas vezes o valor contábil – ficando, por esse parâmetro, mais caro do que as últimas compras de bancos no País.
Os três maiores bancos privados já tentaram chegar a um acordo para lotear o Banespa, assim como conversaram sobre fusões. Nada deu certo. Eles têm uma série de inseguranças em relação às informações que dispõem sobre o banco estadual e acreditam que a aquisição pode levar um tempo razoável para ser digerida. Por outro lado, quando o leilão acontecer, provavelmente vão querer entrar para valer na disputa – nem que seja para evitar que o concorrente saia vencedor. Alguns especialistas no setor bancário acreditam que, na real, não fazem questão nenhuma de que a privatização aconteça logo – e talvez prefiram que seja marcada para o Dia de São Nunca.