Treinamentos diários, em dois turnos, e a missão de domar a ansiedade às vésperas das disputas capazes de mudar suas vidas. Esses componentes marcam a rotina dos primeiros 48 atletas instalados no excelente Australian Institute of Sports, o AIS, em Canberra (leia quadro), capital federal australiana, para a fase final de adaptação antes do início das Olimpíadas, no próximo dia 15. Por enquanto, as disputas principais levam a marca da descontração. Estão sendo travadas nos intervalos, por vagas nas mesas de tênis de mesa e nos computadores conectados à internet, em busca de notícias do Brasil. Em meio às amenidades, nadadores, judocas, boxeadores e triatletas fazem contas, montam estratégias e arriscam palpites sobre suas chances nos Jogos.

A equipe de natação, com estrelas do porte de Gustavo Borges e Fernando Scherer, o Xuxa, divide-se, nesta reta final, entre as braçadas e as análises. Técnicos e atletas concordam em um ponto: enfrentarão os Jogos mais disputados desde 1992, quando Gustavo Borges, então um garoto de 19 anos, surpreendeu o mundo ao levar a prata na conturbada final dos 100 metros livre em Barcelona, na Espanha. A primeira tarefa será definir a ordem de entrada na piscina dos quatro atletas no revezamento 4 x 100 livre. Xuxa e Gustavo, os mais rápidos, preferem largar primeiro, nesta ordem, e deixar o resto para Carlos Jayme e Edvaldo Valério, o Bala. “No Pan-Americano de Winnipeg, em 1999, o Xuxa abriu e eu fechei. Levamos o ouro, mas enfrentei muita marola no final. Se eu e Xuxa cairmos por último, poderemos ter dificuldade para recuperar algum terreno perdido”, analisou Gustavo para ISTOÉ. As últimas provas brasileiras mostram: as largadas de Xuxa no meio do revezamento, a partir do tapa do parceiro na piscina, estão lentas. “A decisão será do Ricardo de Moura (coordenador técnico do time), mas me sinto melhor quando abro o revezamento. Meu reflexo funciona melhor no apito”, explica Xuxa, também escalado para nadar borboleta no revezamento 4 x 100 medley.

Se não ocorrerem imprevistos, americanos e australianos decidirão entre eles quem levará o ouro e prata. A medalha de bronze está aberta. Será disputada por brasileiros, russos (liderados por Alexander Popov, bicampeão olímpico dos 100 metros e recordista mundial individual da prova, com 48s21), holandeses, encabeçados por Pieter van den Hoogenband, dono do quarto melhor tempo do mundo, e os regulares suecos, reforçados por Lars Frolander, outra fera atual da modalidade. “Poderemos chegar em terceiro ou em sexto, sétimo”, resume Gustavo. “O recorde da prova é 3m15s11. A Alemanha ganhou o bronze em 1996 com pouco mais de 3m17s. Fizemos tempo semelhante no Pan, levamos o ouro, mas foi a quarta marca do ano passado. Para mim, quem não fizer abaixo de 3h16s está fora do pódio”, completa. Além da medalha em Barcelona, Gustavo levou outra prata nos 200 metros livres e um bronze, nos 100 metros livres, nos Jogos de Atlanta.

A disputa seguirá forte, no campo das frações de segundo, nas provas individuais. Dono da marca de 49s02 para os 100 metros livres, hoje a sexta do mundo, Gustavo precisará nadar ainda mais rápido em Sydney. “Esse tempo deverá classificar para a final, mas não dará medalha.” Ele coloca como favoritos o russo Popov, o holandês Van den Hoogenband e os americanos Neil Walker e Gary Hall, com ele e Fernando Scherer correndo por fora. Xuxa tem até uma boa marca na modalidade – 48s60. Mas ela foi cravada há dois anos (nos Good Will Games de 1998), antes dos melhores tempos dos adversários atuais e, não bastasse, o nadador do Flamengo se recupera de uma entorse no tornozelo direito. Por pouco não ficou fora dos Jogos. Depois de chorar de alegria no Brasil por ter sido aprovado pelos médicos do COB, Xuxa faz sessões diárias com um par de pés-de-pato na piscina do AIS, para reforçar a pernada. “Vou priorizar o revezamento livre”, explica. “Se me sentir bem, parto com tudo para os 50 e os 100 metros livres. Por enquanto, tenho 50% de chance de participar. Quanto à prova de borboleta, decidi ficar de fora antes mesmo da contusão”, acrescenta.

O judô brasileiro, com 24 atletas, investiu na renovação. Mas as promessas são os experientes Henrique Guimarães, meio-leve bronze em Atlanta, Edinanci Silva e Vânia Ishii, no feminino. O triatlo trouxe seis atletas, entre eles Carla Moreno e Leandro Macedo. No boxe, os olhos estão voltados para o meio médio-ligeiro baiano Kelson Carlos Pinto, que teve um bom professor na arte de distribuir bordoadas – é sparring do campeão mundial profissional Acelino “Popó” Freitas. “Para mim, ele é melhor que o Popó”, arrisca o treinador Ulysses Silva. Kelson está ansioso. “Não vejo a hora de ir para Sydney distribuir pancada. Vai sair medalha é na porrada mesmo”, disse a ISTOÉ no intervalo do treinamento de quinta-feira 31. Poucas vezes o descontrole verbal teve, como neste caso, um sentido tão didático.

Craque, a Austrália faz em casa

Canberra, a capital federal da Austrália, fundada em 1913, é uma dessas cidades que parecem ter sido planejadas para guardar o poder com segurança e muita, muita monotonia. Fugir do tédio em suas ruas imensas, largas, com poucos carros e quase sem pedestres, é difícil. Mas o Instituto Australiano de Esportes, o AIS, onde treina a equipe olímpica brasileira, foge ao padrão artificial de tranquilidade desta cidade de 310 mil habitantes, distante 300 quilômetros a sudoeste de Sydney, sede dos Jogos. Há vida feliz nesta imensa área verde, considerada por muitos do ramo o mais bem equipado centro de treinamento multiesportivo olímpico do mundo.

O AIS abriga, nas instalações de Canberra, nada menos que 14 modalidades esportivas: arco e flecha, ginástica, basquete, mountain bike, ciclismo, remo, tiro, futebol, natação, atletismo, vôlei, pólo aquático, luta livre e netball, um basquete sem tabela praticado nos países da comunidade britânica. A piscina olímpica, por exemplo, tem recursos para evitar marolas e um aparato para filmar os movimentos dos atletas. Esses equipamentos serão aproveitados nas semifinais e finais em Sydney. O piso dos ringues de boxe recebe uma borracha especial para evitar derrapamentos e contusões. Todos os ambientes são climatizados. “A piscina que treino, em Coral Springs, na Flórida, é muito boa, mas esta é nota dez. E o impressionante é que eles mantêm o nível num monte de modalidades”, espantou-se Fernando Scherer, o Xuxa, após o primeiro dia de treinamentos.