30/08/2000 - 10:00
Os crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, também conhecido como Tribunal do Povo. Em casos assim, confere-se ao cidadão comum o direito de condenar ou de absolver o réu. O julgamento do ex-diretor de redação do Estadão, Antônio Marcos Pimenta Neves, 63 anos, que no último dia 20 matou com dois tiros a ex-namorada e jornalista Sandra Gomide, 32 anos, será assim. Sete jurados, escolhidos entre os moradores de Ibiúna, local do crime, formarão o Conselho de Sentença. Na cidade não se fala em outra coisa. O assassinato abalou a pacata localidade que tem 60 mil habitantes, três jornais, 15 mil chácaras, incluindo aí a do presidente FHC e a do ministro José Serra (Saúde), 18 pousadas, quatro hotéis e mais de 500 loteamentos espalhados às margens de suas quatro represas.
Hélcio Nagamine |
…o argumento de Pimenta para… |
Apesar do frio úmido característico do inverno, o clima esquentou após o crime. A população não perdoa e clama por Justiça. Para o farmacêutico Alceu Segatto, 62 anos, pena máxima é pouco: “Pimenta merecia cadeira elétrica.” Maria Soares, 28 anos, balconista, confirma a indignação de todos na cidade. “Os jurados não terão clemência. Se ele não for punido pode muito bem arrumar outra namorada e também matá-la.” Para os moradores de Ibiúna, o que mais impressiona é a “frieza” e a “covardia” do ato. “Ele merece ser condenado. Matou a moça de modo cruel”, dispara o estudante Péricles de Oliveira, 21 anos. A microempresária Suecci da Silva, 49 anos, conta que já foi jurada várias vezes e se adianta: “Se julgasse esse caso hoje, eu o condenaria.” O comerciante Márcio Ferracini é tachativo: “O que ele fez foi uma covardia.” A dona-de-casa Inês Domingues, 40 anos, fala como mãe e ataca: “Pena máxima. Matou uma moça indefesa, pelas costas.”
A universitária Gislene Tebar, ressentida, diz que devido ao assassinato “Ibiúna ficou muito malfalada” e também dá o veredicto: condenado.
Hélcio Nagamine |
…matar a ex-namorada Sandra Gomide |
Recado – Quando Pimenta apareceu no Jornal Nacional sem demonstrar arrependimento e, ao contrário do que prometera na carta escrita antes de ingerir tranquilizantes em excesso, difamando Sandra, a possibilidade de ter o povo de Ibiúna ou parte dele comovido com sua história caiu por terra. A ex-mulher, Carol Neves, veio ao Brasil com as duas filhas para tentar recompor a imagem dele. Divulgou uma carta de solidariedade e criticou a cobertura do crime na imprensa. Na segunda-feira 28, depois de visitá-lo na Clínica Psiquiátrica Parque Julieta, embarcou de volta para Washington. O privilégio de conseguir uma liminar no Tribunal de Justiça para ficar numa clínica por dez dias e não na prisão provocou desconfiança na população (leia enquete ISTOÉ online na pág. 42) e foi assunto na tevê. A popular apresentadora Hebe Camargo, por exemplo, mandou o seguinte recado ao jornalista: “Você tomou poucas pílulas. Devia ter morrido. Como é que se envolve com uma moça mais nova, mata e depois deixa uma carta mentirosa para as filhas? Elas devem morrer de vergonha de você, seu velho safado.”
A promotora de Ibiúna, Lúcia Nunes Cunha, ofereceu na segunda-feira 28 a denúncia e pediu a prisão preventiva de Pimenta. A juíza Eduarda Maria Corrêa, 27 anos, acolheu a denúncia e decretou a prisão do agora réu. O interrogatório em Ibiúna será dia 13 e o julgamento poderá acontecer ainda este ano. “Vou pedir a condenação por homicídio duplamente qualificado, com pena de 12 a 30 anos”, afirma a promotora. Sobre a informação de que Pimenta teria usado munição especial, o advogado Luiz Flávio Gomes acrescenta que isso agrava a situação do jornalista. “Isso denota rancor, uma vingança desmedida, que reforça a tese da premeditação e da motivação torpe”. Para o criminalista Márcio Thomaz Bastos, também da banca de acusação, “o caso Sandra Gomide pode tornar-se um rito de passagem, um novo patamar da Justiça brasileira, onde as punições venham mais rápidas.”
Testemunha – João Quinto de Souza, 63 anos, caseiro do Haras Setti, presenciou o assassinato. Viu Sandra sendo arrastada por Pimenta e gritando. Ela chegou a pedir ajuda ao caseiro: “Me acode, seu João.” No depoimento, o caseiro contou que no momento em que Sandra desvencilhou-se e caiu, o jornalista tirou o revólver da cintura e atirou nas suas costas. “A moça estava de bruços, ferida. Pimenta aproximou-se do corpo, olhou e deu outro tiro na cabeça dela, junto à orelha.” Na quinta-feira 30, um laudo do Instituto de Medicina Social e de Criminologia atestou que Pimenta não é louco. Com base nisso, a juíza de Ibiúna mandou transferir o jornalista para a cadeia, o que deverá acontecer na segunda-feira 4. O TJ-SP negou liminar que pedia a revogação da prisão de Pimenta. O advogado do jornalista, Cláudio Mariz de Oliveira, recorreu ao STJ, que negou a seu cliente o direito de responder pelo crime em liberdade. “Eu já esperava por isso”, disse Mariz, que vai estudar a possibilidade de recorrer ao STF.
Colaborou Sara Duarte
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