Os crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, também conhecido como Tribunal do Povo. Em casos assim, confere-se ao cidadão comum o direito de condenar ou de absolver o réu. O julgamento do ex-diretor de redação do Estadão, Antônio Marcos Pimenta Neves, 63 anos, que no último dia 20 matou com dois tiros a ex-namorada e jornalista Sandra Gomide, 32 anos, será assim. Sete jurados, escolhidos entre os moradores de Ibiúna, local do crime, formarão o Conselho de Sentença. Na cidade não se fala em outra coisa. O assassinato abalou a pacata localidade que tem 60 mil habitantes, três jornais, 15 mil chácaras, incluindo aí a do presidente FHC e a do ministro José Serra (Saúde), 18 pousadas, quatro hotéis e mais de 500 loteamentos espalhados às margens de suas quatro represas.

Hélcio Nagamine
…o argumento de Pimenta para…

Apesar do frio úmido característico do inverno, o clima esquentou após o crime. A população não perdoa e clama por Justiça. Para o farmacêutico Alceu Segatto, 62 anos, pena máxima é pouco: “Pimenta merecia cadeira elétrica.” Maria Soares, 28 anos, balconista, confirma a indignação de todos na cidade. “Os jurados não terão clemência. Se ele não for punido pode muito bem arrumar outra namorada e também matá-la.” Para os moradores de Ibiúna, o que mais impressiona é a “frieza” e a “covardia” do ato. “Ele merece ser condenado. Matou a moça de modo cruel”, dispara o estudante Péricles de Oliveira, 21 anos. A microempresária Suecci da Silva, 49 anos, conta que já foi jurada várias vezes e se adianta: “Se julgasse esse caso hoje, eu o condenaria.” O comerciante Márcio Ferracini é tachativo: “O que ele fez foi uma covardia.” A dona-de-casa Inês Domingues, 40 anos, fala como mãe e ataca: “Pena máxima. Matou uma moça indefesa, pelas costas.”

A universitária Gislene Tebar, ressentida, diz que devido ao assassinato “Ibiúna ficou muito malfalada” e também dá o veredicto: condenado.

Hélcio Nagamine
…matar a ex-namorada Sandra Gomide

Recado – Quando Pimenta apareceu no Jornal Nacional sem demonstrar arrependimento e, ao contrário do que prometera na carta escrita antes de ingerir tranquilizantes em excesso, difamando Sandra, a possibilidade de ter o povo de Ibiúna ou parte dele comovido com sua história caiu por terra. A ex-mulher, Carol Neves, veio ao Brasil com as duas filhas para tentar recompor a imagem dele. Divulgou uma carta de solidariedade e criticou a cobertura do crime na imprensa. Na segunda-feira 28, depois de visitá-lo na Clínica Psiquiátrica Parque Julieta, embarcou de volta para Washington. O privilégio de conseguir uma liminar no Tribunal de Justiça para ficar numa clínica por dez dias e não na prisão provocou desconfiança na população (leia enquete ISTOÉ online na pág. 42) e foi assunto na tevê. A popular apresentadora Hebe Camargo, por exemplo, mandou o seguinte recado ao jornalista: “Você tomou poucas pílulas. Devia ter morrido. Como é que se envolve com uma moça mais nova, mata e depois deixa uma carta mentirosa para as filhas? Elas devem morrer de vergonha de você, seu velho safado.”

A promotora de Ibiúna, Lúcia Nunes Cunha, ofereceu na segunda-feira 28 a denúncia e pediu a prisão preventiva de Pimenta. A juíza Eduarda Maria Corrêa, 27 anos, acolheu a denúncia e decretou a prisão do agora réu. O interrogatório em Ibiúna será dia 13 e o julgamento poderá acontecer ainda este ano. “Vou pedir a condenação por homicídio duplamente qualificado, com pena de 12 a 30 anos”, afirma a promotora. Sobre a informação de que Pimenta teria usado munição especial, o advogado Luiz Flávio Gomes acrescenta que isso agrava a situação do jornalista. “Isso denota rancor, uma vingança desmedida, que reforça a tese da premeditação e da motivação torpe”. Para o criminalista Márcio Thomaz Bastos, também da banca de acusação, “o caso Sandra Gomide pode tornar-se um rito de passagem, um novo patamar da Justiça brasileira, onde as punições venham mais rápidas.”

Testemunha – João Quinto de Souza, 63 anos, caseiro do Haras Setti, presenciou o assassinato. Viu Sandra sendo arrastada por Pimenta e gritando. Ela chegou a pedir ajuda ao caseiro: “Me acode, seu João.” No depoimento, o caseiro contou que no momento em que Sandra desvencilhou-se e caiu, o jornalista tirou o revólver da cintura e atirou nas suas costas. “A moça estava de bruços, ferida. Pimenta aproximou-se do corpo, olhou e deu outro tiro na cabeça dela, junto à orelha.” Na quinta-feira 30, um laudo do Instituto de Medicina Social e de Criminologia atestou que Pimenta não é louco. Com base nisso, a juíza de Ibiúna mandou transferir o jornalista para a cadeia, o que deverá acontecer na segunda-feira 4. O TJ-SP negou liminar que pedia a revogação da prisão de Pimenta. O advogado do jornalista, Cláudio Mariz de Oliveira, recorreu ao STJ, que negou a seu cliente o direito de responder pelo crime em liberdade. “Eu já esperava por isso”, disse Mariz, que vai estudar a possibilidade de recorrer ao STF.

Colaborou Sara Duarte

 

A revolta de Ibiúna
 

Os jurados não terão clemência. Ele pode matar outra”
Maria Soares, balconista



“Aqui não se fala
de outra coisa. Ele
fez uma covardia”
Márcio Ferracini,
comerciante

“Merece condenação. Ele matou a moça de modo cruel”
Péricles de Oliveira, estudante




“A cidade ficou muito malfalada
após o assassinato”
Gislene Tebar, universitária