Em 1966, na preparação para a Copa do Mundo, foram convocados 44 jogadores. Quando o Brasil, até então bicampeão mundial, chegou à Inglaterra, ainda não tinha um time definido. Pagou um preço alto: foi eliminado na primeira fase. A seleção convocada pela Receita Federal este ano repete o fatídico número de 1966. Caíram como bola na rede 44 jogadores, todos integrantes da elite do futebol brasileiro. Mas desta vez o time promete ser um sucesso, pelo menos do ponto de vista dos cofres do governo. Só com os selecionados pelo Fisco, a expectativa é de uma arrecadação de R$ 28 milhões. Um recorde. Nos últimos quatro anos, jogadores, empresários e técnicos foram autuados em outros R$ 25 milhões. Mesmo com as finanças sob constante investigação desde 1996, o futebol brasileiro não pára de produzir multas milionárias. É um caixa 2 que parece não ter fundo. O técnico da Seleção Brasileira, Wanderley Luxemburgo, está sob marcação cerrada. Fiscalizado pela terceira vez no ano passado, amargou uma nova multa da Receita de R$ 1,4 milhão, acusado de ter escondido rendimentos.

Ao mesmo tempo que tenta acertar a seleção que disputará as Olimpíadas e que sofre nas eliminatórias para chegar à Copa de 2002, Luxemburgo está recorrendo contra a punição do Fisco. Sua permanência como técnico do Brasil está nas mãos de outro suspeito de sonegação: o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira. Duas empresas de Teixeira foram multadas em R$ 200 mil nos últimos dois anos. Um outro cartola revela que a própria CBF também tomou um cartão vermelho da Receita: recentemente foi multada em R$ 8 milhões. A CBF, um feudo herdado do ex-sogro João Havelange, caiu nas garras do Leão por não recolher impostos e ter problemas em sua contabilidade. Tem mais: a CBF deve R$ 5,7 milhões à Previdência. Em 1999, negociou o pagamento do débito em cinco anos.

Acuado por ataques de adversários e principalmente de uma suposta ex-amante-laranja, a vazada defesa de Luxemburgo ganhou um reforço de peso. Ricardo Teixeira alegou que ter problemas com o Fisco é coisa normal. De fato, o presidente da CBF há tempos coleciona pendengas com a Receita. Uma delas envolveu a importação de máquinas de chope para o seu bar, o El Turf, instalado no Jóquei Clube do Rio de Janeiro. Teixeira foi acusado de trazer o equipamento no avião que, em 1994, trouxe dos Estados Unidos a delegação tetracampeã. Ele nega, mas acabou acertando as contas com o Leão.

Com Luxemburgo na marca do pênalti, um dos mais fortes candidatos a sua vaga é Luís Felipe Scolari, atual técnico do Cruzeiro, que já despertou a curiosidade de fiscais da Previdência em São Paulo. Scolari montou uma empresa em sociedade com a mulher para assinar o contrato com seu ex-clube, o Palmeiras. Trata-se de um expediente que se vem tornando cada vez mais popular entre os clubes. A suspeita é que a multiplicação de empresas, que têm apenas o dono e um único cliente, seja um drible nas obrigações trabalhistas dos clubes. Se ficar caracterizado que o objetivo é só burlar impostos, clube e técnico podem ser punidos com multas.

A lista do calote esportivo à Previdência inclui até a rica Federação Paulista de Futebol (FPF), que tem um débito de R$ 5 milhões sendo cobrado na Justiça. Se falta dinheiro para um acerto com o INSS, está sobrando para outros empreendimentos. A nova sede na Barra Funda, inaugurada no ano passado, tem uma área de 4,5 mil m2, cinco andares, um heliporto e custou R$ 12 milhões. O salão é decorado com tapetes persas e lustres de cristal importados. Eduardo José Farah é o presidente da federação e também tem duas pendências com o Fisco. Além da sede, chamou a atenção dos auditores a política adotada pela federação para reforçar os times paulistas. A FPF vem ajudando na compra de passes como o do craque Edmundo – outro com problemas com a Receita – para o Santos. Os fiscais vão checar essas operações.

A dívida das entidades esportivas com o INSS chega a R$ 400 milhões. Os clubes recolhem ao INSS 5% do que faturam. Já as empresas pagam o equivalente a 23% da folha de salários. Por causa desse privilegiado tratamento, os clubes recolhem à Previdência 40% a menos do que as empresas. Quanto menor for a receita de bilheteria dos jogos (um dos ingredientes do faturamento) menos o clube pagará. Os fiscais identificaram indícios de que federações, ao contabilizar os ingressos, subfaturam a receita para favorecer os clubes. É uma das explicações para estádios cheios com caixa vazio. Antes mesmo da fiscalização, as torcidas já haviam identificado essa malandragem. Nos estádios, o anúncio da renda é sempre vaiado.

Lavagem – Outra maneira de minguar receitas e tributos é deixar o dinheiro proveniente de transações com jogadores no Exterior por lá mesmo. Em um rastreamento de 80 negócios internacionais, realizados por 22 clubes tradicionais, o Banco Central deu por falta de US$ 44 milhões. Simplesmente não há registro cambial desse dinheiro. O caso mais grave é o do Grêmio, que soma US$ 15 milhões sem a devida documentação. O Paraná Clube, suspeita-se, deixou na informalidade US$ 4 milhões e o Guarani, US$ 1,3 milhão. Flamengo, Internacional e Botafogo também apresentaram operações suspeitas de irregularidade. Em alguns casos, as operações são intermediadas por empresas com sede em paraísos fiscais, o que torna o rastreamento uma tarefa quase impossível.

A ação dos intermediários é outro nicho obscuro. A Receita já multou pelo menos cinco dos principais empresários especializados na negociação de passes de jogadores, em R$ 1,2 milhão. Na lista está, por exemplo, o uruguaio Juan Figger, um dos pioneiros no ramo. Com escritório em São Paulo e Montevidéu, Figger tem entre seus clientes craques como Amoroso, Muller, Dodô e Zé Roberto. Gilmar Jara Veloz, que trouxe para o Flamengo o zagueiro paraguaio Gamarra, também caiu na malha. Seu colega Jorge Machado, que atua em Portugal e na Espanha, é outro que teve suas contas reprovadas pelos fiscais. O cliente mais famoso de Machado é o craque Rivaldo, eleito o número 1 do mundo. Não escapa nem o supercraque, ex-ministro e atleta do século Edson Arantes do Nascimento, dono da Pelé Sports & Marketing, autuada pela Receita em R$ 3 milhões. Empresas como a de Pelé – promotoras de eventos esportivos, que faturam com marketing e a exploração da imagem de clubes, jogadores e federações – têm débitos com o Fisco de R$ 90 milhões.