Passada a comoção, a dor e a contagem dos mortos em mais uma catástrofe de Réveillon brasileira, o que resta como lição? De todas elas, a mais importante é uma só: a de que o poder público no Brasil sempre chega atrasado. Um minuto, uma hora ou alguns dias, como no caso do governador Sérgio Cabral, mas sempre atrasado. E o ritual que se observa a cada tragédia é até melancólico, de tão repetitivo. Passadas firmes na terra destroçada, olhares compenetrados, algum consolo aos parentes das vítimas e as promessas de que nada será como antes. Quando já eram 50 os mortos em Angra dos Reis, as autoridades do Rio de Janeiro e da cidade prometiam demolir pelo menos 100 residências em áreas de risco, indenizando as famílias. Segundo Cabral, isso daria fim a décadas de populismo habitacional, que permitiu construções irregulares nas encostas dos morros.

É louvável a determinação do governador em reparar erros do passado, mas há uma questão óbvia, que antecede todas as outras. Se o Morro da Carioca, em Angra, e a Enseada do Bananal, na Ilha Grande, são zonas de risco, e se em todos os verões ocorrem dilúvios na Serra do Mar, por que as famílias não foram removidas antes dos desabamentos? Ou, dito de outra forma, por que no Brasil, em vez de se prevenir uma catástrofe, busca-se apenas remediar o que já não tem mais remédio? No Rio, o discurso de combate ao populismo se enfraquece diante de um fato concreto. Em junho de 2009, o decreto 41.921 do governador Cabral autorizou novas construções, voltadas
para milionários, justamente em áreas de preservação ambiental em Angra dos Reis. E esse decreto vinha sendo duramente combatido por lideranças locais e ambientalistas.

A Pousada Sankay, epicentro da tragédia, estava localizada nessa mesma região. Para quem só a conheceu pelas imagens da destruição, ela ficava no pé de uma serra íngreme, onde havia uma faixa muito curta de terra – daí o nome, pois Sankay, em japonês, significa entre o mar e a montanha. E, ainda que a pousada tivesse alvará para funcionar, esse tipo de construção, especialmente quando destinado ao turismo, não parece ser mais compatível com um mundo marcado pelas mudanças climáticas e fenômenos naturais cada vez mais severos. Como diz a senadora Marina Silva, as construções brasileiras terão de se ajustar ao conceito de segurança ambiental.

Vinte e um anos atrás, em 1989, o Rio viveu outra tragédia de Réveillon: a do Bateau Mouche. Os donos do barco, dois espanhóis e um português, fugiram e até hoje não foram punidos. Uma prova de que o poder público, lento na tarefa de fiscalizar, é ainda mais moroso quando se trata de julgar e condenar. Em Angra, não há responsáveis. Todos se dizem de acordo com a lei. Só que a regra dos homens já não está mais de acordo com uma lei maior e impiedosa, a da Natureza.