No início do segundo mandato de Lula, o Palácio do Planalto encomendou uma pesquisa de opinião para saber qual era a imagem da primeira-dama Marisa Letícia perante a população. Os entrevistados disseram considerá-la uma pessoa “fi rme”, “forte”, “solidária”, “verdadeira” e “do povo”. Mas, embora entendessem que ela preferisse se dedicar à família, afirmaram que gostariam de vê-la engajada em projetos sociais. Depois de seis anos debaixo de críticas, entre as quais a de que cumpriria mera fi guração no Planalto, a primeira-dama decidiu finalmente atender aos apelos da sociedade e entrar em campo. De março para cá, dona Marisa incrementou a agenda social e passou a se dedicar com afi nco a questões ligadas à área de direitos humanos e igualdade de gênero. Se até então ela apenas emprestava prestígio a algumas obras sociais de pessoas que a procuravam, agora ela tomou a iniciativa. Embora a primeira-dama fa ça questão de não divulgar sua agenda e ainda fi que a maior parte do tempo ao lado de Lula, funcionários do Planalto que acompanham seus passos disseram que, de semestrais, os compromissos da primeira-dama tornaram-se mensais.
Em maio, dona Marisa empunhou aquela que se tornou de fato a sua primeira bandeira desde o início do mandato: a do combate à exploração sexual infantil. Tudo começou com a divulgação no Rio de Janeiro, no dia 19, do III Congresso Mundial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que acontecerá de 25 a 28 de novembro e do qual ela será presidente de honra. No evento no Palácio Guanabara, em Laranjeiras, que contou com a presença de autoridades do governo local, Marisa recebeu fl ores, pegou crianças no colo e até discursou. Além de debutar como política, essa foi a primeira vez que viajou para um evento oficial sem a presença do marido-presidente Lula. “Procurei ajudar a trazer para o Brasil esse evento, que é muito importante para crianças e adolescentes do nosso país. Vou participar junto, pois temos que enfrentar a questão da exploração sexual das crianças no Brasil”, conclamou a primeira-dama. O governador do Rio em exercício na ocasião, Luiz Fernando Pezão, louvou a iniciativa e disse que dona Marisa nunca esteve tão engajada como agora. “Vejo que ela está muito determinada e com certeza vai pegar esse touro à unha e marcar história no combate à exploração de menores”, disse Pezão à ISTOÉ.

Dona Marisa repetiu a dose no dia 18 de setembro, mas desta vez foi além. Organizou, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, um encontro em São Paulo, com empresários e representantes do governo federal, que discutiu formas concretas de combate à exploração sexual infantil. Graças ao seu empenho pessoal, prestigiaram o evento cerca de 80 pessoas. Entre as quais 53 empresários. Na reunião, que ocorreu a portas fechadas, a primeira-dama fez dois apelos: que as empresas promovam campanhas contra a exploração sexual e encontrem meios eficientes para coibir essa violação em suas cadeias produtivas. O resultado foi imediato. Além do compromisso da maioria dos participantes com a causa, empresários do setor de embalagens disseram que passarão a desenvolver rótulos de produtos que chamarão a atenção sobre o tema. As embalagens devem estar nas prateleiras dos supermercados até o fi m do ano. “É de suma importância mobilizar os empresários e atuar ao lado do poder público para coibir sobretudo a prostituição infantil”, concordou o presidente da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli.
De maio para cá, dona Marisa, que antes se limitava a acompanhar Lula nas solenidades ofi ciais, também ajudou a promover eventos da Abrace (Associação de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer), palestras pelo fi m da violência contra a mulher e de combate à homofobia, como a primeira Conferência Nacional LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais –, realizada no dia 5 de junho em Brasília. De acordo com assessores palacianos, a primeira-dama não pretende abandonar a discrição e a sobriedade que a caracterizam. Marisa Letícia, que despacha num gabinete situado a cinco metros da sala presidencial, ainda avalia que cumpre um papel de coadjuvante. Para ela, o protagonista é o presidente Lula. Mas comenta-se no Planalto que Marisa teria ficado incomodada com as críticas que recebeu durante os seis anos de governo. Sobretudo a de que levaria uma vida fútil e de deslumbramento com o poder. Daí a decisão de dedicar-se mais às ações na área de direitos humanos.
Segundo cientistas políticos, para uma primeira-dama ser bem avaliada não basta estar apenas ao lado do marido ou cuidar da família. Para eles, se quiser ser popular, ela deve reunir os seguintes atributos: preocupação familiar, discreta elegância e trabalho social. “As pessoas cobram porque no Brasil há essa tradição de a primeira-dama se envolver com temas sociais”, disse à ISTOÉ o cientista político David Fleischer. A expressão primeiradama ou first lady surgiu em 1877 nos EUA, cunhada especialmente para definir Lucy, mulher do presidente Rutherford B. Haynes (1877-1881). Ao contrário das antecessoras, que se restringiam a ficar ao lado do marido, Lucy participou ativamente nos trabalhos sociais, visitando áreas carentes, além de asilos e hospitais, em tempo quase integral. No Brasil, a precursora no assistencialismo social foi dona Darcy Vargas, mulher de Getúlio, responsável pela criação da Legião Brasileira de Assistência. Num governo em que o presidente é popularíssimo, como Lula, com índices de 80% de aprovação, realmente a primeiradama Marisa Letícia não poderia passar em branco.