Faz tempo que apenas um cantinho e um violão, este amor e uma canção deixaram de fazer felizes os amantes da música brasileira. Desde meados dos anos 90, quando sofisticadas inovações tecnológicas se tornaram tão portáteis e acessíveis quanto o violão de João Gilberto, a paisagem sonora do Brasil vem se modificando. E é chegada a hora dessa gente digitalizada mostrar seu valor. Chegam às lojas esta semana Bambas e biritas vol.1 (MCD), disco de estréia de BiD, fundador da banda Funk como le Gusta, e Max de Castro (Trama), o terceiro trabalho do irmão de Simoninha, como ele, filho do rei da bossa, Wilson Simonal. Os dois lançamentos trazem o que o jornalista Nelson Motta descreve como “um pé no clássico de nossa música e outro no futuro”. Sintetizam vertentes distintas da MPB, principalmente dos agitados anos 70, e fazem uma reciclagem da música negra urbana – caso de BiD, que convidou para seu disco de estréia Carlos Dafé e Markus Ribas, entre outros, além de prestar uma homenagem à banda Black Rio. Trata-se de uma rapaziada que se vale de todos os recursos de estúdio para “realizar uma síntese invejável”, caso de Max, parceiro de Nelsinho em duas músicas – neste disco, Depois da festa. Mas o jornalista e compositor adverte: “Nunca foi tão fácil gravar. Mas, em compensação, nunca foi tão difícil aparecer. Toda essa liberdade exige criatividade.”

A profusão de novos valores que não competem entre si, mas somam e aprendem uns com os outros, é bem-vinda por Max, um paulistano acostumado ao panorama multicultural. “O legal é ser diferente”, diz o cantor, ao alinhar nomes díspares como Cansei de ser Sexy e DonaZica, de São Paulo; Zé Maria, do Espírito Santo; e Mombojó, do Recife. O trio formado por Moreno Veloso, filho de Caetano, Domenico Lancelloti e Alexandre Kassin, por exemplo, parece ter encontrado a fórmula ideal ao lançar sucessivamente os discos Moreno + 2 e Domenico + 2. No momento, os três preparam Kassin + 2, assegurando a democracia interna do grupo. A formação mutante reflete a característica de não-movimento da nova cena musical, que tem raízes em Sambadelic (YBrasil), de 1999, do produtor Rica Amabis. À frente do quarteto Instituto, no CD Coleção nacional (Instituto), Amabis trazia como
convidado o falecido rapper Sabotage flertando com o samba – Dama Tereza é
um incrível mix de hip hop e Brasileirinho, a imortal criação de Waldir Azevedo, por sinal surgida de um improviso.

Não por acaso, os rappers também estão no disco de BiD. Rappin’ Hood e Funk Buia aparecem em Maestro do canão, e Black Alien e o DJ Soul Slinger marcam presença em Na noite se resolve. Segundo Nelson Motta, hoje no morro o universo do samba abrange o hip hop, o soul e o funk – tranquilamente. No meio deste caldeirão sonoro, a contribuição da música eletrônica, cujo marco é Tanto tempo (Universal), de Bebel Gilberto, produzido em 2001 pelo iugoslavo Suba, já falecido, só facilitou os cruzamentos. Com bom ouvido para a mestiçagem sonora do novo século, Motta elegeu Max de Castro como o artista do momento, fazendo coro com parcela da crítica estrangeira que vê em seu samba de vanguarda o novo do novo. Multiinstrumentista, produtor, compositor e cantor, Max ouviu todo tipo de música durante a infância e a juventude e percebeu desde cedo que não queria ser apenas um guitarrista. Pertence à geração dos DJs e dos músicos que lidam emocionalmente com a técnica.

Seu novo disco conta com a participação de Naná Vasconcelos em Ciranda ao redor da galáxia e de Toninho Horta em Teia dramática. O convite feito ao guitarrista mineiro se deve ao fato de Horta ser conhecido por tocar harmonias complexas, que requerem digitações complicadas, conhecidas entre os músicos como “aranhas”. Nos seis meses em que passou gravando, em regime de total dedicação, interrompido apenas para cuidar do filho de um ano e meio, criou no estúdio. Suas músicas surgem de rascunhos, trechos de melodias, frases curtas, armazenados no computador e retrabalhados. São organismos vivos. É música eletrônica, mas nada que pareça remotamente com bate-estaca.

Max faz parte de um novo tipo de músico que não teme a máquina. Segundo ele, a simples utilização de um novo software pode modificar a forma de uma música surgir ou ser elaborada. E, às vezes, elas já nascem como hits instântaneos, caso de A filha de madame Saré e Vontade de potência. Na mesma linha, BiD usa e abusa da tecnologia. E faz até uma brincadeira no final do CD, através de mensagens gravadas na secretária eletrônica do estúdio. Trechos dessas gravações viraram samplers (frases sonoras) incluídos nas músicas. “A cada canção que fazia, ligava para o estúdio e deixava gravada na secretária.” O amor, o sorriso e a flor continuam importantes. Mas um bom computador ajuda e muito.