Constrangidas pela situação inédita em suas vidas, as pessoas na sala mal se olham durante a primeira sessão de terapia em grupo para viciados em sexo. O medo não é só o de revelar para estranhos suas intimidades mais bizarras. Na atitude delas exprime-se o pavor de se envolverem umas com as outras. Por conta do clima doentio, mas excitante, as sequências iniciais de Entre as pernas (Entre las piernas, Espanha, 1998) – com estréia no Rio de Janeiro e em São Paulo na sexta-feira 16 – colocam-se no quadro das mais erotizadas que o cinema já criou. Não há um toque, um close, um objeto de cena que não tenha uma carga erótica, sempre sob o olhar elegante e criativo do cineasta Manuel Gómez Pereira, desconhecido no Brasil, mas com um currículo razoável em sua terra natal. Na história baseada em romance de Joaquín Oristrell – que também assina o roteiro com Carmelo Gómez –, o autor de sucesso Javier (Javier Bardem) e Miranda (Victoria Abril), telefonista noturna de um programa de rádio, encontram-se no tal grupo e decidem cumprir as regras da terapia. É claro que eles desrespeitam o trato e, animalescamente, quase consumam o ato dentro de um velho carro abandonado.

Mais tarde, o mesmo automóvel será cenário de um crime. No porta-malas é encontrado um cadáver. As pistas começam a entrelaçar as vidas dos personagens levando o espectador a um tobogã de sensações que não se atêm somente à libido de todos que estão na tela. Tomando as obsessões do baixo ventre como ponto de partida, o diretor Gómez suprimiu qualquer possibilidade de chatice teórica e realizou um thriller competentíssimo no qual o jogo erótico não flerta apenas com o desejo, mas também com a vaidade, o perigo, a dúvida e a vingança, reservando para o espectador uma surpresa estarrecedora.