A novela ainda está longe do fim, mas a sentença da Justiça americana não deixa margem a dúvidas. Se depender apenas do juiz federal americano Thomas Penfield Jackson, em quatro meses a gigantesca Microsoft estará aos pedaços. Ele determinou que a poderosa empresa criada há 25 anos no fundo de quintal por Bill Gates seja literalmente dividida em duas companhias, uma responsável pela criação, atualização e venda de sistemas operacionais como o Windows, e outra para cuidar dos aplicativos, entre eles programas de escritório como o editor de textos Word, o navegador Internet Explorer e o software de correio eletrônico Outlook. Uma dessas empresas não poderá fazer parceria com a outra, muito menos trocar pesquisas ou experiências por um prazo de dez anos. A lista de punições proferida pelo juiz Jackson na quarta-feira 7 segue à risca as sugestões do Departamento de Justiça, mais conhecido pela sigla DOJ, que se juntou aos governos de 17 estados e abriu uma ação jurídica contra a empresa. O veredicto saiu no dia 3 de abril, quando a Microsoft foi formalmente acusada de violar as leis antitruste americanas e lançar mão de práticas monopolistas para impedir a atuação dos concorrentes.

Entre as punições e os remédios que o juiz Jackson definiu para aplacar os alegados danos, está a determinação de que a Microsoft revele seu segredo mais bem-guardado, o código de programação do Windows, que equipa mais de 90% de todos os PCs do mundo. A empresa também foi proibida de fazer venda casada de produtos ou incluir no Windows funções e programas intermediários para navegação automática na Internet. Qualquer mudança ou inovação tecnológica também deverá ser pública e anunciada aos fabricantes de computadores com antecedência suficiente para que eles temperem seu próprio sistema operacional da maneira que preferirem, com ícones e funções personalizadas.

Logo após a divulgação da sentença, Gates confirmou sua intenção de recorrer da decisão, apresentando uma nova cepa de argumentos técnicos e prolongando a conclusão do caso por mais um ano e meio ou dois. "Este é o primeiro dia do resto deste caso", disse, com voz trêmula, ofegante e entre suspiros, minutos após a divulgação da sentença do juiz Thomas Jackson. Depois de negar a intenção de mudar a sede da empresa de Seattle, no norte dos EUA, para o Canadá, Gates reclamou que a Microsoft não teve direito a defesa. Alegou que o juiz Jackson não lhe deu a oportunidade de apresentar os argumentos em favor de sua companhia.

Gates disse também que arrependeu-se de não ter ido pessoalmente conversar com o juiz, para explicar a importância de incluir funções da Internet no Windows. "Eu deveria ter ido lá falar sobre essa indústria e o modelo totalmente integrado do mundo do PC e da Internet", afirmou. Na mesma entrevista simultânea por telefone com jornalistas de todo o mundo, Bill Gates assegurou que seus advogados entrarão com recurso na Corte de Apelações para reverter a decisão, considerada "injusta" e "injustificável". Foi, sem dúvida, um golpe duro para alguém como Bill Gates, que acreditava estar construindo a estrada para o futuro, e acabou sentindo a força de uma trombada de caminhão.

Além de amargar o prejuízo decorrente da queda de mais da metade no valor das ações da companhia, Gates terá de fazer uma escolha de Sofia: optar em qual das empresas pretende trabalhar. Isso porque o juiz Jackson incluiu na sentença a determinação de que funcionários, diretores ou acionistas de uma das empresa não poderão ter qualquer participação na outra. Válidas para os próximos dez anos, as recomendações indicam que qualquer nova versão de seus programas terá de ser comunicada com antecedência aos fabricantes de computadores e eventuais novos concorrentes. Logo depois que a decisão foi divulgada, começaram a circular pela internet várias análises sobre o fato e suas conseqüências. É opinião quase unânime entre os analistas a visão de que o juiz exagerou na dose. Resolveu punir exemplarmente uma empresa que ele já havia chamado de "não confiável" e "insincera". Como a iniciativa e as ações mais fortes de todo o caso partiram do governo central em Washington, questiona-se agora onde estaria o antes tão defendido distanciamento do Estado em relação ao mercado, que teria a força mágica de resolver suas próprias disputas. Não parece ser mera coincidência que o presidente Fernando Henrique tenha começado a falar em mais participação do Estado na economia depois de uma recente conversa em Berlim com seu colega Bill Clinton. Será que é o primeiro grande sinal de uma forte guinada nos rumos do "sagrado" neoliberalismo?