Assista ao depoimento da repórter Suzane Frutuoso, que conversou com familiares e sobreviventes da trágedia:

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DESASTRE
A dor dos pais, Sônia e Geraldo Faraci.

Primeiro o horror. Em seguida, o desespero e a incredulidade. O tempo todo, a dor em estado bruto. Desde as primeiras horas de 2010, centenas de brasileiros vivem em suspenso, numa espécie de universo paralelo, onde dariam tudo para nunca ter entrado. Em questão de segundos, ainda inebriados pela celebração de Réveillon, viram a enxurrada varrer a alegria e a esperança típicas da data. Sobrou apenas devastação física e emocional. Perderam a família, a casa, a identidade. O Brasil assistiu atônito à catástrofe que se abateu sobre Angra dos Reis (RJ) e Cunha (SP), entre outras cidades arrasadas pelas chuvas. E prendeu a respiração a cada história que surgia dos escombros. ISTOÉ conta a seguir cinco delas, reconstruindo a trajetória de quem se foi e ouvindo os sobreviventes. Essa é uma questão que assola as pessoas a cada grande desastre. Por que uns escapam e outros não? Na tentativa de desvendar essa questão, a jornalista americana Amanda Ripley escreveu o livro “Impensável”, no qual mergulhou em histórias de personagens de grandes tragédias, como o 11 de setembro e o furacão Katrina. Segundo ela, passamos por três momentos: negação, deliberação e ação. A velocidade com que atravessamos essas fases pode ser crucial. O triste é que alguns dos desastres mais destrutivos são os menos surpreendentes. Como a chuva que abriu 2010.

SONHOS SOTERRADOS
Solange Azevedo, de Belo Horizonte (MG)

 

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                Yumi Imanishi Faraci

Uma porção de calouros de arquitetura jogava conversa fora num boteco de Belo Horizonte. Era agosto de 2009. A turma, da Universidade Federal de Minas Gerais, estava se conhecendo – descobrindo afinidades. De repente, alguém surge com um violão: – Quem sabe tocar? – Eu toco um pouquinho, respondeu a japonesinha da turma. Quando Yumi Imanishi Faraci começou a dedilhar o instrumento e soltar os primeiros versos de “Kiss me” (Beije-me), em japonês, a mesa parou. A música, sucesso nas vozes de Avril Lavigne e da banda The Cranberries, se tornou obrigatória. Cada vez que Yumi pegava o violão, os novos amigos faziam backing vocal. “Ela sabia a letra, mas a gente não. Trocávamos as palavras por sushi, sudoku…”, conta Luciana Rattes, 20 anos. “Falo isso sorrindo porque foi o jeito que encontrei para, quando fechar os olhos, me lembrar da Yumi cantando ou da risada da Isabella.” Yumi, 18 anos, e o casal de namorados Isabella Godinho Rocha, 20, e Paulo Henrique Sarmiento, 27, morreram soterrados na enseada do Bananal, em Ilha Grande, Angra dos Reis.

Yumi convidara seis amigos da faculdade e uma de Angra para comemorar o Réveillon na pousada da família, a Sankay. Geraldo, pai dela, era um dos mais animados da festa. Puxava todo mundo para dançar. Tocou de tudo: hip-hop, house, funk, clássicos. Com colares de flores no pescoço, eles sacolejaram ao som de Macarena e, a pedido de Yumi, improvisaram a coreografia de “Thriller”, de Michael Jackson. Ninguém se incomodava com a chuva que caía do lado de fora. A maioria já tinha se recolhido quando parte da pousada foi engolida por água, terra, pedras e árvores que deslizaram morro abaixo.“Ouvi um estrondo e a parede veio na minha direção. Tinha muita lama. Não sabia se estava dormindo ou acordada”, conta Luciana. “Me lembrei que, um ou dois dias antes, o Paulo (morto na tragédia) comentou que queria terminar uma tatuagem que tinha com a frase ‘morrer tentando’.

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A pousada destruída 

Eu também ouvia a Sônia (mãe de Yumi) gritando ‘cadê as nossas crianças?’ e achei lindo. Isso me deu força.” Luciana foi resgatada pelo amigo Gustavo Pucci e por Geraldo. Yumi não. “A gente tinha de ter tirado todo mundo”, ressente-se Gustavo. Yumi fora dormir com os amigos porque cedeu o seu quarto para o avô. Os Faraci são uma família acolhedora. Geraldo divertia a turma. Sônia – de forma carinhosa, mas com autoridade – ditava as regras. Logo que os jovens chegaram, sentou com eles à mesa. Pediu para não fazerem bagunça e respeitarem o espaço dos hóspedes. “Aqui não é só a casa da Yumi, é de onde tiramos nosso sustento.” Disse que deveriam tirar os sapatos ao entrar na casa e não poderiam caminhar molhados para evitar que a sua mãe, que tem Alzheimer, escorregasse. Yumi era filha única. Ela e a Sankay eram o sonho da vida de Geraldo e Sônia. O casal vendeu um restaurante na década de 90, em Belo Horizonte, para construir a pousada. Yumi era pequena e cresceu vendo a Sankay ser erguida. “Ela ficava atrás de mim o dia inteiro. Adorava mexer no barro e com os pregos”, diz Élcio Elizeu da Silva, 60 anos, funcionário da pousada. “Tudo o que fiz na vida sumiu em 10, 15 segundos.” Sônia e Geraldo não tratavam ninguém como empregado, segundo Élcio. “Ela me ligou às 3h53 dizendo que tinha acabado tudo e que a Yumi estava sumida. Depois não conseguiu falar mais nada.” Parte do passado do casal ficou perdida em Ilha Grande, sob o barro. Fotos, documentos, telefones.

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TRAGÉDIA
Yumi (de blusa listrada) e Isabella (cabelo preso) morreram. Cristiano (sem óculos), Gustavo e Luciana sobreviveram. O outro casal não estava em Ilha Grande

O celular que toca atualmente na casa de parentes, onde eles estão hospedados, é o de Yumi. “Está muito doído”, diz a tia Raquel Faraci. “A gente fica se perguntando: por quê? Mas Deus também quer as pessoas boas lá em cima.” Yumi foi cremada. Suas cinzas serão jogadas no mar de Angra. Yumi estava começando a se desgarrar. Dividia um apartamento em Belo Horizonte com uma prima havia seis meses. Quando os pais não estavam por perto, os tios ficavam de olho. Yumi era obcecada pelos estudos. Menina tranquila, só ficava estressada com os trabalhos porque sempre buscava a perfeição. Aprendeu japonês com os avós. Falava inglês e espanhol e estudava francês. Terminou o semestre com “A” em todas as disciplinas. Yumi era divertida, companheira. Isabella era “meio estabanada”. Gostava de se maquiar e não se cansava de rir. Duas semanas antes do Réveillon, disse ao irmão Igor – rindo – que se pudesse escolher morreria dormindo.

 

AS FILHAS SE FORAM

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CASAL
Marcelo e Cláudia Repetto continuam internados. As meninas morreram junto à mãe

A jornalista Cláudia Repetto, 42 anos, e o empresário Marcelo Repetto Filho, 45, conheceram-se no Rio de Janeiro quando ela era uma adolescente de 16 anos e ele um rapaz de 19. Foi um encontro de enorme impacto para o jovem universitário. Ao ver a bela garota de cabelos dourados passando na rua, Repetto desceu do carro e foi atrás dela. Anos depois, tornaram-se marido e mulher. A felicidade ficou completa quando nasceram as filhas Giovanna e Gabriela. Eles eram o retrato da família feliz. As garotinhas eram lindas, amorosas e bastante ligadas aos pais. Os quatro viajavam sempre juntos. Além de passar férias na praia, já tinham ido à Disney e ao Havaí, para onde planejavam voltar. Na noite do Réveillon, Giovanna, 12 anos, e Gabriela, 9, morreram soterradas. “Elas estavam junto às pernas da mãe”, conta a avó Rose Brazil, 66 anos, mãe de Cláudia, que ouviu dela este relato.

A jornalista ainda está internada, no Rio, por conta de vários ferimentos, entre os quais, esmagamento nas duas pernas devido ao gigantesco deslizamento de terra que destruiu a casa alugada pela família em Ilha Grande. Sua recuperação é lenta, mas contínua. Já Marcelo Repetto encontra-se em estado grave por ter sido mais violentamente atingido. Do leito no qual se recupera, Cláudia relatou à mãe parte do ocorrido na noite que destruiu sua família. Já estavam dormindo quando ouviram um estrondo. “Eles ficaram todos juntos, no escuro, no mesmo quarto. Não sabiam para onde ir e nem o que estava acontecendo”, conta Rose. Em questão de segundos, terra, lama, pedras invadiram a casa. Cláudia ficou imobilizada pela terra da cintura para baixo, e só tinha um vão de ar para respirar. O marido teve o rosto coberto e engoliu muito barro. “Ela pegava tijolos caídos da parede e cavava para tentar ajudá-lo”, relata Rose.

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PARA SEMPRE
Ela tatuou duas bonequinhas loiras e sorridentes, um símbolo do amor pelas filhas

Em uma casa ao lado, o som alto de uma festa dificultava os pedidos de socorro. “Quando descobriu o rosto, Marcelo a orientou para que não gritasse muito a fim de guardar suas forças.” Segundo Rose, ao lembrar de Giovanna e Gabriela, a filha fica tão emocionada que mal consegue falar. “Quando perguntamos pelas meninas, ela chorou muito e disse: ‘Estavam nas minhas pernas.’” Renato Repetto, tio de Marcelo, e a esposa, Ilza Maria Roland, também passavam o fim de ano com o casal em Ilha Grande e morreram no desabamento. Com três costelas fraturadas e os membros inferiores esmagados, Cláudia permanece internada no Hospital Copa D’Or. O marido teve as funções renais comprometidas e está no CTI na Clínica São Vicente, ainda sem previsão de alta. A pedido de Cláudia e Marcelo, os corpos de Giovanna e Gabriela estão embalsamados e só serão enterrados quando os dois puderem sair do hospital. “Vamos chorar juntos, um no ombro do outro”, disse Rose, que ainda não viu os corpos das únicas netas.

“Eu não posso desabar agora”, afirma. “Minha filha me pediu: ‘Mãe, você tem que ter muita força, eu vou precisar de você.’” Cláudia nasceu no Rio Grande do Sul e foi para a capital fluminense aos 4 anos. Formada em jornalismo, deixou de exercer a profissão para dedicar-se integralmente à criação das meninas, enquanto Marcelo sustenta a família como empresário do setor de fotografia. A família morava na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio. O amor de mãe se revela em uma tatuagem em suas costas: duas bonequinhas loiras e sorridentes, uma ligeiramente maior que a outra, seguram um coração vermelho. “Não sei o que vai ser de nós sem elas”, lamenta Rose. A família tem recebido mensagens de apoio do Brasil inteiro pela internet. “Queria agradecer todas as demonstrações de carinho, que ajudam a nos confortar nesse momento.”

 

ELA PERDEU 11 PARENTES
Francisco Alves Filho, de Angra dos Reis (RJ)

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CHOQUE
Vanessa Domingos viu sua casa desabar com todos dentro

A modesta comemoração de Réveillon na casa de Eduarda tinha acabado e sua neta Vanessa Domingos, 27 anos, a ajudava a arrumar a bagunça. Nos três cômodos do imóvel, localizado no alto do Morro da Carioca, em Angra dos Reis, dormiam o filho de Vanessa, Harael, 2 anos, e também duas tias, um tio e mais seis primos. Àquela altura, a chuva que caía desde o início da noite tinha se transformado em temporal e, em meio aos afazeres, Eduarda e a neta ouviram ruídos e gritos vindos de casas próximas. A avó quis enfrentar o aguaceiro para verificar o que estava acontecendo, mas, para poupá-la, Vanessa não deixou. “Fica aí, eu vou ver”, disse. A jovem saiu da casa e não andou mais do que dez metros, quando ouviu atrás de si um grande estrondo. Ao se virar, ainda pôde ver a casa onde estavam seus 11 familiares desmoronar sob o peso do deslizamento de terra e vegetação vindo do morro.

Sobreviveu por um triz e a imagem não lhe sai da cabeça. “Eu tentei voltar para ajudar, mas me impediram, disseram que não ia adiantar”, diz ela, como se precisasse se justificar por estar viva. Eduarda tinha 73 anos e desde pequena morava no Morro da Carioca. Vários integrantes de sua família residem em outras ocupações irregulares de Angra dos Reis e alguns sofreram com os deslizamentos ocorridos em 2002. Apesar disso, ela continuou morando em área de risco. “A gente não tinha para onde ir”, explica Vanessa, que morava com a avó na casa destruída. Eduarda era sua segunda mãe desde que a verdadeira morreu. A jovem, agora, busca forças para cuidar da filha Vitória, 7 anos, já que o outro filho morreu. A menina, por sorte, tinha passado o Réveillon na casa de uma tia-avó. Vanessa alterna momentos de lucidez com lapsos de memória e depende da solidariedade de amigos e alguns poucos parentes que restaram para comer, se vestir e se abrigar, já que perdeu tudo o que tinha.

Para quem viveu o pesadelo, nada parece aplacar o sofrimento. Quanto ao prejuízo material, Vanessa, que trabalha como zeladora e ganha pouco mais que o salário mínimo, não tem ideia do que fazer. “Preciso de ajuda, mas nem sei o que pedir”, diz ela, em estado catatônico.

 

SOZINHA NO MUNDO
Luiza Villaméa

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JUNTOS
Alice Silva entre o filho, Eduardo, e o marido, Mario

A empresária Alice Moron Silva, 41 anos, está convencida de que tem uma tarefa a cumprir na vida. “Preciso descobrir qual a minha missão daqui para a frente”, vem repetindo ela aos amigos que a visitam na UTI do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, da qual já foi enfermeira-chefe. Por volta das 5h do dia 1º, Alice estava com o marido na cozinha do sítio de seu pai, o espanhol Manuel Moron, o Manolo, em Cunha, cidade paulista próxima à divisa com o Rio de Janeiro. De repente, ela ouviu um estrondo e, por instinto, deu um passo atrás, ficando debaixo do batente de uma porta. Viu o marido ser prensado pela mesa, contra a parede. Em seguida, uma avalanche de terra vinda do alto do paredão de pedra situado atrás da casa soterrou a propriedade e prendeu Alice da cintura para baixo, mas o batente da porta e uma geladeira formaram uma espécie de proteção em torno dela.

Lúcida, sem conseguir se mover, Alice chegou a ouvir a filha, Sabrina, 12 anos, pedir socorro. Quatro horas depois, quando foi retirada dos escombros por moradores da região, Alice tinha perdido toda a família. Além dos pais, Manolo e Erica; da única irmã, Ingrid; e da filha, Sabrina; ela perdeu o filho, Eduardo, 15 anos, e o marido, o empresário Mario Penha Silva, 46 anos, conhecido como Fratelli devido ao nome de suas duas tabacarias. Recentemente, Alice havia trocado suas atividades na área de saúde pelos negócios do marido, mas não perdeu o hábito de prestar cuidados ao próximo.

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DOR
Alice com a filha, Sabrina: ela ouviu a menina pedir socorro

Antes mesmo de receber qualquer analgésico, ela pediu que acionassem o Buena Vista Moto Clube, o grupo de motociclistas ao qual pertence, junto com o marido e os filhos. “Ela estava preocupada em garantir um enterro digno para eles”, conta o advogado Carlos Alberto Alves da Silva, um dos sócios do Buena Vista que se deslocou rapidamente para a região. Levada de helicóptero para um hospital na cidade vizinha de Guaratinguetá, Alice foi transferida no dia seguinte para a capital paulista.

No enterro e na missa de sétimo dia da família, a presença massiva de motociclistas era um reflexo do forte vínculo mantido entre eles, por meio de encontros, viagens e ações sociais em orfanatos e asilos. “O Fratelli e sua família eram muito queridos”, lembra o eletricitário Juan Ruy Jorda, um dos fundadores do Buena Vista. No leito 4 da UTI, Alice permanece lúcida. Os médicos aguardam uma melhora das lesões externas para submetê-la a uma cirurgia nos quadris. “Ela tem inclusive tomado decisões de ordem prática”, conta o piloto de avião Brenner Alves Damasceno, também do Buena Vista. Às vezes, porém, os amigos têm a impressão de que Alice ainda não se deu conta da perda que sofreu.

 

O FIM DE UMA FAMÍLIA DE AMIGOS
Suzane G. Frutuoso, de Arujá (SP)

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LUGAR CERTO
No hospital, Gerson e Eny Valério com os filhos.

A luz acabou cedo na manhã do dia 31 de dezembro na Enseada do Bananal, uma parte tranquila da paradisíaca Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Chovia sem parar. Mas um grupo de amigos, 17 pessoas entre casais e crianças, estava decidido a se divertir. Eles eram de Arujá, cidade de 80 mil habitantes da região metropolitana de São Paulo. Uniram-se na limpeza da casa alugada por R$ 4.800 para uma semana. Prepararam a ceia de Réveillon. Fizeram lamparinas com garrafas pet que espalharam pelo quintal. E comemoraram a volta da energia perto das 23 horas. Foi uma noite feliz, de brindes, abraços, sorrisos entre pessoas que se amavam, compartilhavam uma história. Jamais imaginavam se tornar protagonistas de uma tragédia. Um deslizamento de toneladas de terra soterrou a casa pouco depois das 3h do dia 1º. Todos os que estavam nos três quartos de uma edícula no fundo da casa, encostada ao morro e próximo a uma cachoeira, morreram. Apenas quatro pessoas sobreviveram: o casal Gerson e Eny Valério, ambos de 48 anos; Flávio Larini, 30; e Luiz Henrique Alegri, 30. Eles estavam em dois quartos localizados na entrada da casa. Os rapazes foram lançados ao mar.

O mesmo deve ter acontecido com suas noivas, Emanuela Rodrigues, 33 anos, e Fernanda Muraca, 27, cujos corpos foram encontrados submersos na terça-feira 5. O casal Valério acabou sob escombros entre terra, pedras e árvores destruídas. Desde 2003, o grupo passava a virada do ano reunido. Juqueí (SP) e Ibiraquera (SC) foram destinos anteriores. Era julho quando o comerciante Flávio começou a procurar o local onde passaria mais um Réveillon ao lado dos inseparáveis amigos – estudaram juntos, eram vizinhos, os próprios pais já eram amigos, ou foram se unindo através de amizades em comum.

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Flávio. Ele sobreviveuporque estava num dos quartos da frente da casa 

Na internet descobriram a casa perfeita na Enseada do Bananal. Chegaram na segunda-feira 28 e iriam embora uma semana depois. “Era um por todos e todos por um”, resume a professora Sabrina Coratto, 32 anos, prima da dentista Emanuela. Ricardo Ferreira da Silva, 33, e Natália Costa Pacheco, 24, estavam com casamento marcado para abril. Flávio e Emanuela se casariam em novembro. Cecília Secco Baccin, 30, estava grávida de seis meses do marido, Márcio Luis Baccin, 31. Eles já tinham o pequeno Giovanni, 3 anos. Adalto de Souza, 31 anos, levou a filha Rafaela, 8 anos, e a namorada, Priscila de Oliveira Machado, 26, para o passeio. Gerson e Eny, o único casal sobrevivente, conseguiram se encontrar entre os escombros minutos depois da tragédia. “Nosso amor é tão grande que Deus colocou a gente junto na hora”, disse Gerson, chorando, à ISTOÉ. Eles permaneciam internados até o final da semana em Arujá, com fraturas, hematomas, traumas em várias partes do corpo.

Eny estava acordada, rezando, quando ouviu um estrondo e a parede do quarto arrebentou. Ela foi jogada longe. “Não sei nadar. Achei que era um tsunami”, lembra a comerciante. “Acredito que foi meu anjo da guarda quem me salvou.” Gerson ficou preso em lama até a cintura. Alcançou um galho que o encobria e conseguiu puxar até sair. Flávio dormia abraçado com Emanuela quando foi lançado ao mar. Teve dificuldade de emergir com o peso da água misturada à lama. Conseguiu escalar galhos de árvores até chegar a uma pedra. “Pedi calma para todos, achando que estavam por perto”, lembra Flávio. “Achei que se eu estava vivo todos estariam.” Ao se dar conta de que ninguém respondia, entendeu que algo trágico havia acontecido. Ele e o casal Valério foram socorridos por moradores da ilha. Só souberam que Luiz também sobrevivera horas mais tarde.

Hoje, Flávio tem dificuldade em adormecer devido às dores no corpo, às escoriações, ao escuro da noite que remete àquelas horas de terror. Também porque em seu quarto dormiu com Emanuela tantas vezes. As fotos da jovem, dos dois juntos, ainda estão lá. O olhar triste de Flávio se mistura às lágrimas. “Lembro do sorriso de cada um na hora do abraço de feliz ano-novo”, diz. Luiz Henrique e Fernanda também estavam felizes, comemoravam a recente contratação dela em uma multinacional. “Não tem nenhuma foto em que ela não esteja sorrindo.

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CENA
Da turma no barco, só Flávio (no detalhe) sobreviveu. Da esq. para dir.: família Baccin, Emanuela, Keller, Ricardo, Natália e Joice. As duas pessoas com o rosto preservado não estavam na viagem

Se você está triste, ela te faz dar risada”, diz o irmão Fabiano Muraca, 30 anos, referindo-se à jovem ainda no presente na sala da casa da avó em Arujá. O técnico em informática só não acompanhou os amigos na viagem porque o filho Luca tem apenas dois meses. Ele recorda que a irmã tinha voltado havia pouco mais de um ano de uma temporada de estudos na Austrália. Fabiano não perdia a esperança de ter notícias da irmã viva. “Para Deus, tudo é possível. Ela pode ter nadado para alguma ilha.” Minutos depois a mãe deles, Janete, ligava confirmando que um dos corpos encontrados era de Fernanda. Fabiano começou a escolher a foto mais bonita para ampliar e colocar no caixão. O ano de 2010 também era promissor para Keller Simões Neves, 35 anos. Havia acabado de conquistar o diploma de direito e o namoro de quatro anos com a fisioterapeuta Joice Yamato, 30 anos, viraria casamento.

Um terreno para construir a casa, inclusive, estava comprado. Com o filho Gustavo, 10 anos, de um relacionamento anterior, era pura cumplicidade. Ambos tinham o mesmo senso de humor, lembra Noemia Neves, mãe de Keller, avó de Gustavo. Eles estavam animados para a viagem, lembra ela, muito mocionada. “E o Keller era tão querido… Sabe o mais alegre da turma? Os amigos diziam que festa sem ele não tinha graça”, diz. Vinte minutos antes da meia-noite, ele ligou para a mãe desejando feliz ano-novo. Mas disse: “Mãe, aqui está chovendo tanto que dá medo.” Os outros quatro filhos são da mesma turma, mas não foram à fatídica viagem. “Imagina se todos tivessem ido? Eu não viveria mais. Já está doendo tanto perder um…” Noemia é evangélica. Tem o coração confortado quando lembra que o filho, a nora e o neto estão agora na companhia de Deus. Ela pede para deixar um recado: “Desejo que todos os pais e mães abracem seus filhos diariamente com mais amor. Sempre dei muito carinho para meus filhos, mas agora acho que foi pouco, que eu podia ter abraçado mais…”

Confira nos links abaixo os depoimentos completos de sobreviventes e parentes de vítimas:

Flávio Larini, que perdeu a noiva Emanuela Rodrigues na tragédia de Ilha Grande 

Fabiano Muraca, irmão de Fernanda, vítima do desastre

Noemia Neves, parente de três vítimas do desabamento

Gerson e Eny Valério, sobreviventes da tragédia