O juiz Paulo César Barros Vasconcelos, da 1ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região foi vendedor de peixe em feira livre e balconista de mercearia até os 18 anos no bairro do Jurunas, o mais populoso, pobre e violento de Belém. Com o salário recebido, sustentava, como ainda sustenta, o pai, a mãe e um irmão. Na escola e em casa passava as noites debruçado sobre os livros. O sonho de virar advogado se materializou em 1991. Logo foi aprovado em concurso para oficial de Justiça. Em 1995, passou com nota máxima no concurso para procurador do Estado. Naquele mesmo ano, tornou-se juiz substituto. Aos 25 anos, era o juiz trabalhista mais jovem do Brasil. Em abril deste ano, Vasconcelos, aos 29 anos, começou a enfrentar o maior desafio de sua carreira na magistratura. Em uma sessão secreta do TRT, virou um dos aposentados mais jovens do País, apesar de estar em perfeito estado de saúde física e mental.

Foto: Luiz Castelo
Vasconcelos impediu o pagamento de R$ 4,2 milhões para 100 juízes e foi punido com redução de seu salário de R$ 6 mil para R$ 400

A decisão foi tomada por 16 dos 23 juízes que integram a corte. Vasconcelos caiu na compulsória por ter denunciado os colegas ao Ministério Público Federal. Por baixo do pano, os juízes resolveram, em maio do ano passado, corrigir os próprios salários, que consideravam defasados por um suposto erro de cálculo. O erro teria ocorrido entre 1989 e 1992, mas eles só foram perceber isso sete anos depois, quando o prazo para a reclamação já estaria prescrito, conforme prevê o Direito Administrativo. O pedido de correção foi deferido pela presidência do tribunal em três dias. Uma velocidade que espantou o Ministério Público e a Procuradoria da República. A denúncia de Vasconcelos impediu a liberação do pagamento. Cada juiz embolsaria R$ 40 mil e o TRT gastaria R$ 4,2 milhões com seus mais de 100 juízes.

No mesmo dia em que denunciou o caso ao Ministério Público, em 20 de maio de 1999, o juiz enviou ofício ao presidente do TRT, Vicente Malheiros da Fonseca, pedindo que ele suspendesse o pagamento. O reajuste foi abortado. Mas a retaliação, já naquela época, veio a galope. Três dias depois, o Tribunal abriu um processo disciplinar e afastou Vasconcelos do cargo. Ele passou dez meses aguardando o TRT reconsiderar a decisão. O juiz só voltou ao tribunal por meio de um mandado de segurança da Justiça Federal. Vasconcelos, que pediu à Justiça a suspeição de todos os juízes do TRT, manteve-se no cargo apenas por 30 dias. Foi transferido para Oriximiná, Oeste paraense, onde não havia processo para despachar. No julgamento de abril deste ano, apenas uma voz saiu em defesa do juiz: a da vice-presidente, Rosita Nassar. Ela considerou a aposentadoria compulsória um “ato muito duro”. E foi, principalmente, no bolso. O salário bruto de R$ 6 mil da ativa transformou-se em R$ 400. No dia 9 de maio, ao assumir a presidência do TRT, Rosita entendeu que Vasconcelos deveria ser reintegrado. “O recurso ao TST deve durar pelo menos dois anos até ser julgado. Até lá, ele já terá acumulado grandes prejuízos financeiros”, justificou a juíza. Para amenizar os problemas financeiros, Vasconcelos colocou à venda a casa em que mora com a família. A decisão de Rosita não altera a situação do jovem juiz. Ele reassumiu o cargo, mas o ato que o aposentou continua vigorando até o julgamento do mérito, em Brasília. Vanconcelos disse ter tomado a atitude de denunciar consciente de que poderia sofrer retaliações. “Acredito que a minha carreira na Justiça do Trabalho está encerrada. Mas, para mim, todos os Poderes são questionáveis”, sentenciou Vasconcelos. Ele não perdeu a confiança na Justiça. Argumenta que se isso tivesse acontecido, não teria recorrido ao TST, “onde os minhas chances de vitória são grandes”. Perguntado se não se arrependeu de roer a corda do corporativismo, Vasconcelos foi taxativo: “Faria tudo novamente.”